Valorização do trabalho e fortalecimento do mercado interno

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O mercado de trabalho é o principal fator explicativo da queda da desigualdade social e uma âncora fundamental para o fortalecimento do mercado interno. Por isso, uma visão histórica do desenvolvimento do mercado de trabalho no país é essencial para compreender as disparidades sociais e econômicas que perduram no Brasil até hoje.

Durante todo o período colonial e o Império, predominou no Brasil a força de trabalho escrava. A economia do país era baseada no latifúndio e na monocultura exportadora. Nestas condições, o mercado interno era extremamente frágil.

Com a Abolição da escravatura e o advento da República, o Brasil continuou com economia majoritariamente agrária. A chamada República do Café com Leite, dirigida pelas oligarquias paulista e mineira, manteve um tratamento duro com os trabalhadores. O último presidente da República Velha, Washington Luís, para ficar em um único exemplo, tem uma frase que sintetiza este quadro: “questão social é caso de polícia”.

Durante a República Velha, no entanto, o Brasil foi palco de grandes lutas e movimentos modernizadores. Dentre eles, cabe destacar a grande greve geral de 1917, o movimento tenentista, a Semana da Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista. A sociedade estava em ebulição e demandava avanços políticos, econômicos e sociais.

Essa aspiração desaguou no movimento conhecido como Revolução de 30, liderado por Vargas. Nela, o Brasil experimenta um grande ciclo renovador. O programa nacional-desenvolvimentista deste período impulsiona o país no rumo de grandes transformações. Industrialização e urbanização aceleradas e grande crescimento econômico.

O Brasil supera o estágio de sociedade agrária e economia baseada na agricultura e se torna um país urbano-industrial. Em algumas décadas, o Brasil se torna uma das maiores economias do mundo. Houve uma relativa mobilidade social, constituição de uma classe operária forte, sem a plena reversão, no entanto, das históricas desigualdades sociais e desequilíbrios regionais.

Neste período foi criado o Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio (novembro/1930), o custeio tríplice da Previdência Social (Constituição de 1934), e o início do salário-mínimo no país (1940) entre outros avanços. Esse processo é coroado com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. A política da Vargas buscava construir um pacto nacional pelo desenvolvimento. Civilizar as relações de trabalho fazia parte desta estratégia.

Os impasses políticos do país levaram à ruptura de 1964 e a implantação de um regime ditatorial. A ditadura teve momentos de alto crescimento econômico, como no chamado milagre brasileiro, mas prevaleceu a tese de Delfim Neto: “Fazer o bolo crescer para depois dividir”. Foi a senha para a política de arrocho salarial e uma outra demonstração de que o crescimento econômico por si só não leva à valorização do trabalho.

Com o fim da ditadura e a redemocratização, a Assembleia Nacional Constituinte consagrou novos avanços nos direitos sociais e sindicais. A Constituição de 1988, por exemplo, prevê, em seu artigo 7º,  trinta e quatro incisos de direitos sociais dos trabalhadores; no artigo 8º, há avanços em relação à própria CLT na questão da organização sindical: garantia da liberdade, autonomia e unidade, legitimidade dos sindicatos para representar os trabalhadores, estabilidade de dirigentes etc.

Em outros artigos, a nova Constituição também garante o direito de sindicalização dos servidores públicos, assegura o direito de greve e amplia os direitos sindicais dos trabalhadores rurais.

Vistas em seu conjunto, ao longo da história duas variáveis importantes impactaram o mercado de trabalho: o crescimento econômico e os avanços democráticos. Por isso, essas duas premissas são essenciais para valorizar o trabalho e fortalecer o mercado interno.

Nessa linha, podemos citar as políticas de valorização do salário-mínimo, presentes, por exemplo, nos governos Vargas, JK, Goulart e Lula. Nos períodos de restrição maior para a atuação sindical, o salário-mínimo sofreu retrocessos. Houve perdas reais nos governos Dutra (menos 40%) e durante o período da ditadura militar (menos 50%).

Nesse percurso histórico bastante sintético, chegamos aos dias de hoje. Atualmente, o mercado de trabalho brasileiro, tradicionalmente heterogêneo e precário, é impactado com a crise do capitalismo mundial e principalmente com seus reflexos no Brasil.

 As reformas realizadas por Temer (terceirização irrestrita, reforma trabalhista sindical) e Bolsonaro (reforma da Previdência, tentativa de implantação da carteira de trabalho verde-amarela) aprofundam a precarização e ampliam as desigualdades.

A agenda econômica aplicada hoje no Brasil está em linha com o receituário ultraliberal preconizado pelo grande capital que tem dois pilares fundamentais: redução do custo da força do trabalho e redução dos gastos sociais.

Essa estratégia é que explica um conjunto de contrarreformas liberais que penalizam o trabalho e beneficiam o capital. As reformas em curso buscam consolidar um novo padrão de acumulação capitalista assentado na precarização do trabalho, no aumento da exploração dos trabalhadores, diminuição dos direitos trabalhistas e previdenciários, arrocho de salários e ampliação da jornada de trabalho.

Na outra ponta, a redução dos gastos sociais se materializa nas reformas da Previdência, Administrativa e na imposição de teto dos gastos públicos não-financeiros. Retardar o acesso à aposentadoria e reduzir os proventos, quebrar o regime jurídico único dos servidores, com o fim da estabilidade e outros benefícios, são o remédio amargo com que os ultraliberais tratam a crise.

Todas essas medidas vêm acompanhadas das chamadas práticas antissindicais. Ataques à sustentação material dos sindicatos, redução das atribuições da Justiça do Trabalho e a adoção da falaciosa tese de privilegiar o negociado em detrimento do legislado compõem o pacote de maldades de precarização e desregulamentação do trabalho.

Para se contrapor a essa pauta regressiva, um conjunto de medidas deve compor a agenda dos trabalhadores para a atual conjuntura:

  1. Lutar por um novo projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho (retomar a política de valorização do salário mínimo, regulamentação do trabalho, proteção e geração de empregos, ampliação do chamado salário-indireto: educação, saúde, moradia, transporte, cultura, esporte e lazer)
  2. Defender a democracia e a vida, combater o Estado arbitrário e a política negacionista do governo Bolsonaro;
  3. Pugnar pelo fortalecimento e renovação do movimento sindical – ampliar o escopo de atuação dos sindicatos, incorporando em sua agenda temas vinculados à cultura, formação, esporte, lazer. Ampliar as áreas de organização dos trabalhadores para além do local de trabalho, incluindo local de moradia, de estudo e outros espaços onde os trabalhadores exercem sua sociabilidade;
  4. Ampliar e diversificar o uso das ferramentas digitais para as múltiplas tarefas sindicais nas áreas de comunicação, formação, organização, sindicalização, mobilização e na construção de formas estáveis e regulares de financiamento;
  5. Defender a regulação do trabalho e a legislação trabalhista; avançar para um novo Código de Trabalho, que incorpore os todos os trabalhadores, inclusive aqueles que trabalham em plataformas digitais nos direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais; revitalizar a Justiça do Trabalho e reafirmar a importância de uma justiça especializada para arbitrar os conflitos capital x trabalho
  6. Incorporar na agenda a luta para reverter as desigualdades: políticas públicas de universalização da educação, da saúde, do transporte público, da moradia, do saneamento básico, da cultura, do esporte, do lazer.

Texto baseado na intervenção no Seminário da Fundação Maurício Grabois “Nacional Desenvolvimentismo e o Projeto Nacional de Desenvolvimento”

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