Claudio Daniel: Crônica da aldeia assassinada

Em 1948, terroristas da milícia sionista Irgun invadiram a aldeia palestina de Deir Yassin, destruíram casas e mataram 254 civis palestinos, incluindo idosos, mulheres e crianças. A ação sionista fez parte do Nakba – um projeto político de expulsão dos palestinos de sua terra natal para a criação artificial do estado de Israel

A aldeia palestina de Deir Yassin possuía cerca de 600 moradores, que viviam da exploração das minas de calcário e do corte das pedras, utilizadas basicamente na construção civil. O vilarejo estava localizado num morro a oeste de Jerusalém e convivia pacificamente com os imigrantes europeus judeus que viviam no bairro de Givat Shaul.

No dia 9 de abril de 1948, tropas da milícia paramilitar sionista Irgun invadiram a aldeia, lideradas por Menachen Begin, futuro primeiro-ministro de Israel e responsável por diversos crimes de guerra na Palestina e no Líbano – como o massacre nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, no sul do Líbano, em 1982. O genocídio planejado da população palestina e a sua expulsão das localidades em que viviam há séculos para a criação artificial do estado de Israel, formado por centenas de milhares de imigrantes judeus vindos da Europa e do Norte da África, é um fato histórico que muitos cientistas políticos e historiadores – entre eles o professor judeu norte-americano Norman Finkelstein e os israelenses Schlomo Sand e Illan Papé – consideram uma operação de “limpeza étnica”, similar à que os nazistas realizaram no leste europeu, durante a 2ª Guerra Mundial.

Menachen Begin (à dir.), primeiro-ministro de Israel, brinda com o presidente dos EUA Jimmy Carter nos anos 1970, três décadas depois de liderar a milícia paramilitar sionista Irgun no Nakba

Os palestinos preferem chamar o acontecimento de Nakba, palavra que em árabe significa “catástrofe”. Ao longo dessa macabra operação de guerra – o Plano Dalet –, centenas de aldeias, vilarejos e cidades palestinas foram destruídos, incluindo mesquitas, igrejas cristãs e monumentos históricos. Cerca de 750 mil palestinos foram obrigados a fugir para países árabes vizinhos, como o Egito, o Líbano e a Jordânia, onde viveram – e muitos ainda vivem – em acampamentos de refugiados, recebendo alguma ajuda em termos de serviços médicos e educacionais por parte da ONU.

De todos os massacres ocorridos na Palestina durante esse sinistro período, no entanto, o que ficou mais tristemente conhecido foi o de Deir Yassin. Conforme escreve Illan Papé, no livro A Limpeza Étnica na Palestina (São Paulo: Sundermann, 2016):

Massacre foi objeto de estudos e denúncias: 750 mil palestinos foram obrigados a fugir para países árabes vizinhos

Os soldados judeus coalhavam as casas de tiros de metralhadora, matando muitos de seus habitantes. Os aldeões sobreviventes foram então reunidos em um único lugar e assassinados a sangue frio, com seus corpos violados enquanto uma grande quantidade de mulheres era estuprada e depois morta.

Fahim Zaydan, que tinha 12 anos de idade na época, relembrou como viu sua família ser morta diante de seus olhos:

“Tiraram-nos um depois do outro, atiraram em um velho, e quando uma de suas filhas gritou, atiraram nela também. Então chamaram meu irmão Muhammad e mataram-no diante de nós, e quando minha mãe berrou, debruçando-se sobre ele – como minha irmãzinha Hudra nos braços, dando-lhe de mamar –, eles a mataram também.”

O próprio Zaydan foi alvejado, quando estava na linha de crianças que os soldados judeus perfilaram contra uma parede, na qual cravejaram balas, “só por diversão”, antes de irem-se. Ferido, teve sorte de sobreviver.

Operação de “limpeza étnica” e genocídio se arrastou entre os anos de 1947 e 1948

O número total de mortos ainda hoje é motivo de controvérsia entre os historiadores – fala-se em 93, 170 ou até 254 civis massacrados, incluindo 30 bebês. As ações paramilitares sionistas estenderam-se a outras regiões, como Jenin, Saris, Beit Surik e Biddu, sempre com o mesmo trágico roteiro de casas demolidas, mulheres estupradas, olivais e laranjais arrasados, rebanhos abatidos, objetos de valor roubados pelos paramilitares e “homens em idade militar”, desde crianças de 10 anos de idade até adultos de 50 anos, executados.

Essa operação de “limpeza étnica” e genocídio se arrastou entre os anos de 1947 e 1948, sobretudo, quando os sionistas, recusando a partilha da Palestina proposta pela ONU, que criava dois estados, um árabe, outro judeu, se apropriaram de 80% da Palestina – deixando a Jordânia anexar a chamada Cisjordânia e o Egito controlar a Faixa de Gaza, enquanto Jerusalém, até a Guerra dos Seis Dias, em 1967, ficou sob mandato internacional. Segundo a versão oficial sionista, ensinada nas escolas de Israel e propagada pela grande mídia ocidental, o que houve nessa época foi uma “guerra” entre árabes e judeus, versão que não encontra bases históricas comprováveis.

Imigração massiva de judeus estrangeiros foi o estopim para os conflitos na Palestina

Os chamados “novos historiadores” de Israel, incluindo o próprio Illan Papé, afirmam o contrário: que na Palestina, até as primeiras décadas do século 20, a população árabe era de 95%, entre muçulmanos e cristãos, e a minoria judaica era formada por 5%. Ao longo de séculos, não houve conflitos entre essas comunidades, até a imigração massiva de judeus estrangeiros para a Palestina, onde compravam grandes quantidades de terras de latifundiários palestinos – muitos deles viviam no exterior – e expulsavam os camponeses palestinos, que eram substituídos por trabalhadores judeus. 

Após o fim da 1ª Guerra Mundial, em 1918, e a dissolução do Império Otomano, a Palestina passou a ser administrada pelo Mandato Britânico, que apoiou a causa sionista. Os ingleses aceitaram a imigração de milhares de judeus estrangeiros para a região, modificando a composição original da população local, treinaram e armaram milícias judaicas, como a Stern, a Irgun e a Haganá, permitiram a criação de bancos, hospitais, escolas e outros serviços destinados apenas à população judaica e, na prática, deixaram surgir um estado dentro de outro estado. Com o final da 2ª Guerra Mundial, em 1945, e a revelação dos horrores do Holocausto, aconteceram novas imigrações de judeus estrangeiros para a Palestina, que foi dividida pela ONU em duas áreas, uma para judeus, outra para os árabes.

Partilha da Palestina deixou os árabes da região sem metade de seu país

Essa partilha, no entanto, nunca existiu de fato: os árabes não ficaram felizes em perderem metade de seu país para pessoas que vieram de fora, que não tinham nenhuma relação com a região, além da remota origem religiosa e cultural. E os judeus sempre tiveram como perspectiva a conquista integral da Palestina, para a criação de um estado nacional judeu, objetivo exposto no livro O Estado Judeu, de Theodor Hertzl, publicado no final do século 19 e base teórica do sionismo, uma ideologia nacionalista, colonialista e militarista, que considerava os árabes “primitivos” e “inferiores” culturalmente, enquanto os judeus seriam os representantes da “civilização ocidental” na rica e estratégica região do Oriente Médio.

O objetivo sionista foi conseguido pelas vias do terrorismo, da intimidação, da chantagem diplomática, do apoio anglo-americano e da intervenção militar contra populações civis indefesas – situação que persiste até os dias atuais.

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