Em 1948, terroristas da milícia sionista Irgun invadiram a aldeia palestina de Deir Yassin, destruíram casas e mataram 254 civis palestinos, incluindo idosos, mulheres e crianças. A ação sionista fez parte do Nakba – um projeto político de expulsão dos palestinos de sua terra natal para a criação artificial do estado de Israel
Publicado 07/04/2020 16:01 | Editado 07/04/2020 16:51
A aldeia palestina de Deir Yassin possuía cerca de 600 moradores, que viviam da exploração das minas de calcário e do corte das pedras, utilizadas basicamente na construção civil. O vilarejo estava localizado num morro a oeste de Jerusalém e convivia pacificamente com os imigrantes europeus judeus que viviam no bairro de Givat Shaul.
No dia 9 de abril de 1948, tropas da milícia paramilitar sionista Irgun invadiram a aldeia, lideradas por Menachen Begin, futuro primeiro-ministro de Israel e responsável por diversos crimes de guerra na Palestina e no Líbano – como o massacre nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, no sul do Líbano, em 1982. O genocídio planejado da população palestina e a sua expulsão das localidades em que viviam há séculos para a criação artificial do estado de Israel, formado por centenas de milhares de imigrantes judeus vindos da Europa e do Norte da África, é um fato histórico que muitos cientistas políticos e historiadores – entre eles o professor judeu norte-americano Norman Finkelstein e os israelenses Schlomo Sand e Illan Papé – consideram uma operação de “limpeza étnica”, similar à que os nazistas realizaram no leste europeu, durante a 2ª Guerra Mundial.
Os palestinos preferem chamar o acontecimento de Nakba, palavra que em árabe significa “catástrofe”. Ao longo dessa macabra operação de guerra – o Plano Dalet –, centenas de aldeias, vilarejos e cidades palestinas foram destruídos, incluindo mesquitas, igrejas cristãs e monumentos históricos. Cerca de 750 mil palestinos foram obrigados a fugir para países árabes vizinhos, como o Egito, o Líbano e a Jordânia, onde viveram – e muitos ainda vivem – em acampamentos de refugiados, recebendo alguma ajuda em termos de serviços médicos e educacionais por parte da ONU.
De todos os massacres ocorridos na Palestina durante esse sinistro período, no entanto, o que ficou mais tristemente conhecido foi o de Deir Yassin. Conforme escreve Illan Papé, no livro A Limpeza Étnica na Palestina (São Paulo: Sundermann, 2016):
Os soldados judeus coalhavam as casas de tiros de metralhadora, matando muitos de seus habitantes. Os aldeões sobreviventes foram então reunidos em um único lugar e assassinados a sangue frio, com seus corpos violados enquanto uma grande quantidade de mulheres era estuprada e depois morta.
Fahim Zaydan, que tinha 12 anos de idade na época, relembrou como viu sua família ser morta diante de seus olhos:
“Tiraram-nos um depois do outro, atiraram em um velho, e quando uma de suas filhas gritou, atiraram nela também. Então chamaram meu irmão Muhammad e mataram-no diante de nós, e quando minha mãe berrou, debruçando-se sobre ele – como minha irmãzinha Hudra nos braços, dando-lhe de mamar –, eles a mataram também.”
O próprio Zaydan foi alvejado, quando estava na linha de crianças que os soldados judeus perfilaram contra uma parede, na qual cravejaram balas, “só por diversão”, antes de irem-se. Ferido, teve sorte de sobreviver.
O número total de mortos ainda hoje é motivo de controvérsia entre os historiadores – fala-se em 93, 170 ou até 254 civis massacrados, incluindo 30 bebês. As ações paramilitares sionistas estenderam-se a outras regiões, como Jenin, Saris, Beit Surik e Biddu, sempre com o mesmo trágico roteiro de casas demolidas, mulheres estupradas, olivais e laranjais arrasados, rebanhos abatidos, objetos de valor roubados pelos paramilitares e “homens em idade militar”, desde crianças de 10 anos de idade até adultos de 50 anos, executados.
Essa operação de “limpeza étnica” e genocídio se arrastou entre os anos de 1947 e 1948, sobretudo, quando os sionistas, recusando a partilha da Palestina proposta pela ONU, que criava dois estados, um árabe, outro judeu, se apropriaram de 80% da Palestina – deixando a Jordânia anexar a chamada Cisjordânia e o Egito controlar a Faixa de Gaza, enquanto Jerusalém, até a Guerra dos Seis Dias, em 1967, ficou sob mandato internacional. Segundo a versão oficial sionista, ensinada nas escolas de Israel e propagada pela grande mídia ocidental, o que houve nessa época foi uma “guerra” entre árabes e judeus, versão que não encontra bases históricas comprováveis.
Os chamados “novos historiadores” de Israel, incluindo o próprio Illan Papé, afirmam o contrário: que na Palestina, até as primeiras décadas do século 20, a população árabe era de 95%, entre muçulmanos e cristãos, e a minoria judaica era formada por 5%. Ao longo de séculos, não houve conflitos entre essas comunidades, até a imigração massiva de judeus estrangeiros para a Palestina, onde compravam grandes quantidades de terras de latifundiários palestinos – muitos deles viviam no exterior – e expulsavam os camponeses palestinos, que eram substituídos por trabalhadores judeus.
Após o fim da 1ª Guerra Mundial, em 1918, e a dissolução do Império Otomano, a Palestina passou a ser administrada pelo Mandato Britânico, que apoiou a causa sionista. Os ingleses aceitaram a imigração de milhares de judeus estrangeiros para a região, modificando a composição original da população local, treinaram e armaram milícias judaicas, como a Stern, a Irgun e a Haganá, permitiram a criação de bancos, hospitais, escolas e outros serviços destinados apenas à população judaica e, na prática, deixaram surgir um estado dentro de outro estado. Com o final da 2ª Guerra Mundial, em 1945, e a revelação dos horrores do Holocausto, aconteceram novas imigrações de judeus estrangeiros para a Palestina, que foi dividida pela ONU em duas áreas, uma para judeus, outra para os árabes.
Essa partilha, no entanto, nunca existiu de fato: os árabes não ficaram felizes em perderem metade de seu país para pessoas que vieram de fora, que não tinham nenhuma relação com a região, além da remota origem religiosa e cultural. E os judeus sempre tiveram como perspectiva a conquista integral da Palestina, para a criação de um estado nacional judeu, objetivo exposto no livro O Estado Judeu, de Theodor Hertzl, publicado no final do século 19 e base teórica do sionismo, uma ideologia nacionalista, colonialista e militarista, que considerava os árabes “primitivos” e “inferiores” culturalmente, enquanto os judeus seriam os representantes da “civilização ocidental” na rica e estratégica região do Oriente Médio.
O objetivo sionista foi conseguido pelas vias do terrorismo, da intimidação, da chantagem diplomática, do apoio anglo-americano e da intervenção militar contra populações civis indefesas – situação que persiste até os dias atuais.