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José Varella: Viva 28 de Maio!

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A memória dos 185 anos de autodeterminação do povo paraense integrando a província ao Império do Brasil. Fato que demonstra, de uma parte constância do milenar movimento endógeno para confederar cacicados das ilhas e terra-firme (continente); e, doutra, a conquista estrangeira. Dialética entre colonização e emancipação, dominação e democracia até nossos dias. Cerne da “valorização” versus “desenvolvimento sustentável”. É dizer, ao longo do tempo mudam-se as figuras, todavia no espaço o fundo do embate permanence. A história esconde, mas a geografia mostra as consequências.


 


 


 


Para a independência e integração nacional, 28 de Maio de 1823 é a data maior da Amazônia brasileira. E a cidade de Muaná, ilha do Marajó é o lugar-estuário desta memória capital. Fato histórico, entretanto, sonegado pela historiografia colonizadora, deixado ao relento entre chuvas e esquecimento no interior da maior ilha flúvio-marítima da Terra. Berço da cultura Marajoara e da primeira sociedade organizada da Amazônia (ano 500). Qual seria a nação que tendo herança ancestral como esta no estuário do maior rio do mundo, não a exibiria cheia de orgulho como prova maior da sua antiguidade e defesa de direitos territoriais diante de quaisquer tentativas de intervenção externa?


 



Por acaso, numa coincidência extraordinária, dá-se agora o lançamento do Plano Amazônia Sustentável (PAS), em Belém do Pará no mês daquele acontecimento federativo, que deve ser contextualizado a fim de que se alcance o significado pleno do Hino do Estado do Pará em consonância do Grito do Ipiranga.


 



Muaná 1823 chancela Mapuá 1659. Mas, o gigante adormecido não sabe. Se soubesse ficaria mais seguro e confiante da fidelidade de sua cara metade Amazônia. Pena que não se comemore Mapuá por falta de interesse acadêmico e se esqueça Muaná para encobrir uma farsa colonial que levou a região à convulsão. Cujo trauma ainda hoje se ressente e que precisaria de um Mandela tupiniquim para reconciliar e dar fim. Sabendo-se, todavia, que a Cabanagem de 7 de janeiro de 1835 houve raizes remotas no levante tupinambá de 7 de janeiro de 1619. Portanto, a pífia anistia de 1840 não podia ser simples amnésia, mas só estará concluida, de direito e de fato, com a inclusão social e cidadania, justa e perfeita, desta brava gente.


 



Com os primeiros passos à democracia participativa amazônida, a velha Cabanagem manifesta no movimento paraense 14 de Abril (M14), com a lembrança dos seus 40 mil mortos, está concretizanco, pouco a pouco, seus objetivos históricos por via pacífica.


 



Historiadores do futuro poderão achar, dentre diversos acontecimentos estudados, peças de uma única Demanda popular que se encaixam num mosaico federativo a começar dos sítios arqueológicos passando pelo romanceiro de Dalcídio Jurandir e os “cacos de índio” juntados por Giovanni Gallo: a carta do Marajó-Açu manifestada pelo Grupo em Defesa do Marajó (GDM), em 30 de abril de 1995; a demanda social promovida pelos bispos da Igreja Católica do Marajó, com o documento eclesial de 1999; a carta do Lago Arari encaminhada ao presidente da República, em 7 de setembro de 2003; a moção de Muaná de 8 de outubro de 2003, encaminhada às Conferências estadual e nacional de Meio Ambiente, pedindo criação da reserva da biosfera do Marajó… A determinação da Constituinte paraense de 1989, para criação da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó; o ato executivo federal criando a primeira Reserva extrativista marinha da Amazônia, demanda da comunidade remanescente do velho Pesqueiro Real (concentração de índios escravos), em Soure; Reserva florestal de Mapuá – rio onde o padre Vieira e os caciques do Marajó, há 350 anos (2009) celebraram a paz de 1650; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Gurupá-Baquiá; Reserva Extrativista de Pacuúba, em Muaná, São Sebastião da Boa Vista e Curralinho… O projeto da União “Nossa Várzea” de regularização fundiária de comunidades ribeirinhas, que já ultrapassa a mais de 20 mil famílias agroextrativistas ou 100 mil pessoas diretamente beneficiadas. Peças do mesmo processo emancipatório e de organização sócio-econômica da população tradicional com fundamento na recuperação da Cultura Marajoara, de 1500 anos de idade. Enfim, trata-se de um Brasil amazônico profundo que o Brasil urbano não conhece, e muito menos o mundo industrial esquizofrênico, adorador do Bezerro de Ouro, em sua louca corrida para o suicídio planetário.


 



Aqui está se falando de uma politica regional orgânica e participativa integrada de Direitos Humanos, Natureza e Cultura exercida e desenvolvida pelo próprio povo e negada há três séculos e meio, sistematicamente, por forças coloniais dentro e fora do País. Em suma, da urgente necessidade de levar a tardia descolonização a termo.


 



Para isto, há que se despertar as autoridades brasileiras para recuperar e considerar o documento-base de Mapuá (1659), no qual se assenta a autodeterminação de Muaná (1823). Perdido na copiosa correspondência do autor da “História do Futuro”, registro do momento fundamental da amazonidade. Quando, depois de 36 anos de hostilidades recíprocas entre as duas margens da foz do Amazonas, a missão pacificadora do payaçu Antônio Vieira alcançou êxito sem precedentes junto aos caciques nheengaíbas da ilha do Marajó, fato a completar 350 anos em 2009, junto com a famosa carta “As Esperanças de Portugal”, escrita a caminho de Cametá e que levaria o precursor da teologia da libertação ao banco dos réus do tribunal do Santo Ofício.


 



Sem aquela inacreditável paz, apesar da formidável incursão de Pedro Teixeira (1637-1639) a Quito, é improvável que o argumento do uti possidetis que Alexandre de Gusmão defendeu face aos delegados espanhóis tivesse êxito nas difícies negociações do tratado de Madrí de 1750, para revogar o tratado de Tordesilhas de 1494. Pelo motivo de que os estreitos de Breves tinham se tornado as “colunas de Hércules” da conquista portuguesa: antes pelas fortificações holandesas e inglesas e após a expulsão destes, a guerrilha naval dos aguerridos Nheengaíbas, amigos dos “hereges” (holandeses e britânicos) há mais de meio século, até então.


 



Jamais vencidos pelas armas coloniais, os pragmáticos nativos do Marajó, senhores dos rios e do labirinto das Ilhas; depressa consentiram nas ditas pazes apenas oferecidas pelos Padres (aliás, legalmente investidos de autoridade real nos negócios indígenas pela lei de 1655), sempre com alta ambição de reconquistar o espaço de seus antigos povoamentos dentro do rio dos Tocantins e na costa do Pará, no país do Cruzeiro do Sul (Arapari, Brasil).


 



Sem o acordo prévio de Mapuá, é lógico, não poderia ter existido a Adesão do Pará – Amazônia lusitana (1616-1823) – à Independência do Brasil (1823). A “linha” de Tordesilhas teria permanecido – por necessidade e acaso – à força de flechadas e dardos envenenados: as Ilhas do Pará, Amapá e o grande vale do Amazonas poderia ser inglês, holandês, francês ou castelhano como rezava o acordo luso-hispânico de 1494. Porém, a História é outra coisa além de tratados de cúpula e a efêmera historiografia das épocas. No Ceará, por exemplo, o casamento da índia Paraguassu (Iracema, de José de Alencar) com o aventureiro Martim Soares Moreno fez as “impossíveis” pazes entre o Bom Selvagem tupinambá e odiados portugueses. No Marajó, um padre e geopolitico com a utopia sebastianista no coração e o Quinto Império do mundo na cabeça e uns temíveis caciques ávidos de colocar o pé na terra-firme, passam o apagador sobre o mapa de Tordesilhas: eis a verdadeira história da Amazônia brasileira confirmada com o sangue dos heróis de Muaná, em 28 de Maio!


 


Nota


 


Participe da campanha para tombamento da “Academia do Peixe Frito” no patrimônio cultural imaterial do Ver o Peso (Belém do Pará).


Com os sinceros cumprimentos de
José M.Varella Pereira
http://mobilimundo.org/o_arary/