O dia em que Chico Buarque se emocionou com o carnaval de Olinda

Chico viu o povo cantar em massa a letra de “Olinda, Quero Cantar”. Então ele, o compositor visitante, um músico de sucesso, não se conteve.

Da primeira vez em que escrevi sobre Clídio Nigro, inspirado autor de Olinda, Quero Cantar, verdadeiro hino do carnaval da cidade, eu não sabia ainda que ele era amigo de Chico Buarque. Mas fui informado por Dôra, filha de Clídio, sobre essa amizade. Antes, devo notar um traço arretado nas pessoas de Olinda que fazem política, são políticas, mas sem arroubo, pose ou exibição do valor que possuem. Não se anunciam como tais. Quando a gente menos espera, recebe o clarão da sua pessoa de esquerda.

A amizade de Clído Nigro com Chico Buarque vai pelo menos de 1969, depois do terror contra a peça Roda-Viva, até a campanha de Miguel Arraes para governador de Pernambuco em 1994. Por 26 anos, Chico visitou a casa de Clídio, bebeu, comeu, conversou, cochilou depois de muitas, e saiu de lá quase como entrou, oculto em uma máscara de palhaço. Assim ele se fantasiava para evitar assédio, que mesmo as jovens pernambucanas, no seu natural discreto, não deixavam de lhe fazer. Da última vez, passou a noite do fim de ano de 1994 com Marieta Severo e filhas na Ladeira da Misericórdia.

Dôra conta que Chico pedia sempre cachaça de cabeça, uma especial de alto teor alcoolico, que faz o bebedor soprar fogo como um dragão. Mas de leve, sem entornar de vez, que Chico não era bobo, e Clídio lhe pedia cuidado. Depois, entrava pelo uísque, saía pela cerveja, voltava ao uísque. Então eu perguntei a Dôra se Chico bebia até ficar bêbado, embriagado. Ao que ela me respondeu:

– De modo nenhum. Nunca ficou bêbado. Ele era um rapaz muito educado.

O cantor e compositor Chico Buarque

Ao que eu, sabedor assim da minha falta de educação, perguntei mais por maldade: “Mas ele não ficava nem assim, meio relaxado?”. Bem, aí sim, “ele ficava”, ela me responde. E de tal modo que ia pra janela, esquecido de que era Chico Buarque, de Hollanda, e lá ficava sem a máscara de palhaço. Então as moças discretas de Olinda saltavam-lhe em cima, e lhe pediam autógrafos, toques de passagem.

Numa dessas vezes, aconteceu o mais importante: Chico viu o povo cantar em massa, emocionado, uníssono, a letra de Olinda, Quero Cantar. Então ele, o compositor visitante, um músico de sucesso, não se conteve:

– Clídio, isso é que é o verdadeiro compositor popular. O povo canta!

Ao que Clídio, a sorrir, respondeu:

– Nada, o povo é que gosta das besteiras que faço.

(Adaptado do artigo “Clídio Nigro, o compositor mais popular do carnaval de Olinda”)

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