Julgamento de corrupção pode respingar na FIFA
Seis diretores do falido grupo suíço ISMM/ISL estão no banco dos réus em Zug, Suíça, acusados de fraude, falência forjada, queima de patrimônio, danificação de credores e obtenção ilícita de documentos. A FIFA acusou sua ex-parceira de marketing de ter
Publicado 13/03/2008 11:00
O tribunal de Zug encontra-se a 35 quilômetros da sede da Federação Internacional de Futebol Associação (FIFA), em Zurique. Mas, nas próximas semanas, as duas instituições estarão muito próximas uma da outra.
É que começou nesta terça-feira (11), em Zug, o julgamento de seis diretores da agência de marketing esportivo ISMM e de sua subsidiária ISL, que administrava a venda dos direitos de imagem das competições da FIFA, tinha parceria com o Flamengo no final da década de 90 e faliu em 2001.
As investigações contra a ISMM começaram em maio de 2001, após a FIFA apresentar uma queixa-crime contra sua ex-parceira, acusando-a de fraude, desvio de dinheiro e negócios ilícitos.
Desvio de dinheiro pago pela Globo?
Tratava-se supostamente do pagamento antecipado de 60 milhões de dólares feito pela TV Globo por direitos de transmissão da Copa de 2002, que a ISMM teria desviado para uma conta “secreta” em Liechtenstein, fora do controle da FIFA.
O processo acabou sendo ampliado e foi repassado à Promotoria Pública para encaminhamento à Justiça em março de 2005, apesar de a FIFA já ter retirado a queixa em 2004.
Na época, isso gerou especulações de que a FIFA pretendia evitar uma discussão pública sobre suas práticas duvidosas de concessão dos direitos de marketing e transmissão de suas competições pela televisão.
Desafio para a Justiça
O ponto alto das investigações então conduzidas pela Promotoria de Zurique ocorreu no dia 3 de novembro de 2005. Por ordem do juiz Thomas Hildbrand, funcionários da Justiça suíça vasculharam a sede da FIFA – principalmente o escritório do presidente Josef Blatter – para apurar denúncias de propinas supostamente pagas pela ISL a funcionários da entidade.
Por ironia do destino, Hildbrand e Blatter nasceram no mesmo povoado – Visp no cantão (estado) do Valais – e os túmulos das duas famílias são vizinhos no cemitério local. Para Blatter, a batida policial foi “como um raio que caiu do céu claro”, como disse no documentário “A FIFA – Poder e manobras no futebol mundial”, realizado pela TV alemã ARD.
O julgamento do caso representa um grande desafio para o tribunal de Zug, presidido por uma mulher, Carole Ziegler, de 40 anos. Na acusação de 228 páginas, com 80 pastas de documentos, os promotores pedem penas de reclusão entre 3 e 4,5 anos, enquanto todos os acusados juram ser inocentes.
A sentença no segundo maior processo penal econômico da história da Suíça, depois do julgamento do caso da Swissair, é prevista para meados do ano (a Swissair quebrou em 2 de outubro de 2001 e sua diretoria foi inocentada cinco anos depois pela Justiça).
Uma ampla rede de corrupção
Antes de falir em 2001, o grupo ISMM/ISL havia assegurado por 2,2 bilhões de francos os direitos de transmissão das Copas de 2002 no Japão e na Coréia do Sul e de 2006 na Alemanha fora da Europa (sem contar os EUA).
Depois da falência, esses direitos retornaram à FIFA, que também acabou empregando 35 ex-funcionários da ISL na sua própria empresa de marketing, fundada por ocasião da quebra do grupo ISMM/ISL.
Segundo a Procuradoria Pública suíça, há indícios de que por traz da concessão dos direitos de imagem das Copas de 2002 e 2006 havia uma ampla rede de corrupção, que teria favorecido, entre outros, dois representantes da FIFA no Paraguai e na Tanzânia.
Segundo a revista alemã Der Spiegel, os investigadores descobriram que, entre 1999 e 2001, a ISMM pagou 18,2 milhões de francos suíços em propinas a “pessoas direta ou indiretamente ligadas a contratos fechados pela empresa”.
Deste total, 211.625 francos teriam sido pagos através de um banco em Liechtenstein a Nicolás Leoz, desde 1986 presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). A entidade sul-americana nega todas as acusações contra seu presidente. O presidente do então conselho de administração da ISMM, Jean-Marie Weber, teria sido o mentor da operação.
Trajetória duvidosa
“O reino das sombras do grupo ISMM/ISL tem uma longa história”, como lembra o correspondente do jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung em Zurique. Ela foi fundada em 1982 pelo legendário dono da Adidas, Horst Dassler, que tinha entre seus “homens de confiança” Jean-Marie Weber (então diretor da filial da Adidas na Alsácia) e Sepp Blatter, na época secretário geral da FIFA, quando João Havelange era presidente.
Por esse motivo, alguns observadores questionam se o atual processo e as revelações sobre possíveis subornos, não poderão criar uma situação incômoda para Blatter, embora ele tenha apresentado a queixa-crime que desencadeou as investigações.
Weber dirigiu a holding Sporis, que nos anos 90 até planejou lançar ações na Bolsa de Valores, mas mais tarde se transformou no grupo ISMM/ISL e, segundo o jornal Sonntags-Zeitung de Zurique, “criou uma complicada rede de firmas de fachada”.
Segundo o diário, ela teria criado várias fundações em Liechtenstein, com nomes como Nunca/Sunbow, Sicuretta e Taora, e mantido “caixas postais” nas Ilhas Virgens Britânicas e em Hong Kong para camuflar fluxos de dinheiro.
O grupo de marketing sediado em Zug quebrou em 2001, após um dispendioso contrato com a Associação de Tenistas Profissionais (ATP) em 1999 e depois do fracasso de seu engajamento no futebol brasileiro.
No atual julgamento, os diretores da ex-parceira da FIFA são acusados de decretar falência forjada com um prejuízo de 4 bilhões de francos, mas a atenção da mídia concentra-se no sistema de venda dos direitos da FIFA. A ISMM também trabalhou para a União Européia de Futebol e para a Federação Internacional de Atletismo.
Fonte: Swissinfo