Uma política desastrosa

O aumento do número de moradores de rua na capital, que nos últimos nove anos foi de quase 50% é mais um dado importante que se vem juntar aos argumentos apresentados contra as medidas tomadas pela Prefeitura para restringir o número de vagas nos albergues situados na região central, dois dos quais foram fechados. A conjugação desses dois elementos agrava esse problema social e humano e cria tensões que certamente prejudicarão a implantação do projeto de revitalização do centro.

Um novo levantamento sobre aquela população carente, promovido pela Prefeitura e concluído no fim do ano passado, indica, como mostra reportagem do jornal Folha de S.Paulo, que o número dos que hoje vivem nas ruas é de 13 mil. Em 2000, de acordo com o levantamento anterior, eles eram 8.700. Esse crescimento de quase 50% é altamente preocupante, porque fica muito distante do aumento da população da capital como um todo, que foi de 5% no mesmo período, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Urbano.

A inadequação dos programas sociais desenvolvidos atualmente pelo poder público é, segundo a pesquisadora Camila Giorgetti, a principal causa do fenômeno. Outras explicações apontadas por estudiosos do problema são o desemprego e a disseminação do vício da droga. Quanto ao desemprego, embora não se possa evidentemente negar seu peso, é preciso avaliar com cuidado a sua real influência, porque, no período analisado, a sua tendência foi declinante. Idêntico cuidado deve-se ter com relação ao vício da droga, que pode levar as pessoas a abandonar família e trabalho. Mas não há dados que indiquem aumento expressivo do número de viciados na Cracolândia, por exemplo ? a região onde sua concentração é maior ?, capaz de explicar o salto da população de rua. O problema da Cracolândia é menos o número de viciados do que a sua recusa em se tratar e a impossibilidade legal do poder público de obrigá-los a isso.

A determinação, ainda que aproximada, do peso de cada um desses elementos é fundamental para atacar o problema, e essa deveria ser a próxima meta da Prefeitura. As informações colhidas pelo novo levantamento ? idade e sexo dos moradores de rua, assim como os bairros em que moram ? são valiosas. Mas é necessário mais do que isso para traçar dessa população um perfil que possa levar a uma melhor adequação das políticas sociais ? programas de complementação de renda, auxílio-moradia e qualificação profissional ? ao objetivo de evitar, tanto quanto possível, que as pessoas vão morar nas ruas e, quando isso acontece, dar-lhes meios de sair dessa condição.

Essas são medidas que produzem efeitos a médio e longo prazos. A curto prazo, talvez a coisa mais importante a ser feita, como vêm reclamando entidades que defendem os moradores de rua, seja rever a reforma do sistema de albergues. A revelação de que a população de rua teve aquele aumento expressivo mostra que tal reforma ? que vem sendo criticada desde o ano passado ? é ainda mais desastrosa do que se imaginou. As 8 mil vagas existentes no ano passado ficaram reduzidas a 7.300, com o fechamento dos albergues Jacareí (400 vagas) e Glicério (300 vagas). Como a população de rua é, sabe-se agora, de 13 mil pessoas, 6.300 delas, portanto, não têm onde dormir. Se no verão muitas suportam dormir ao relento, no inverno a situação muda e, sobretudo, as mais velhas e doentes passam a correr um sério risco. É o que acontecerá em breve, se a Prefeitura não mudar sua maneira de encarar o problema e continuar a fechar albergues.

O que foi feito até agora para compensar a eliminação de vagas nesses abrigos não funcionou. O Espaço de Convivência Jardim da Vida, por exemplo, criado e mantido em convênio, no Parque Dom Pedro II, com a Secretaria Municipal de Assistência Social, tem muito pouco do que a sua titular, a vice-prefeita Alda Marco Antônio, prometera para atender os moradores de rua. Em resumo, o número de desamparados cresceu muito nos últimos anos, mas o de vagas nos albergues para dar-lhes um mínimo de assistência está diminuindo. Uma situação inaceitável e insustentável.

Fonte: O Estado de São Paulo