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Livro do governo cobra resposta à dívida com desaparecidos de 64

Um documento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência diz que, sem uma resposta oficial do Estado brasileiro sobre desaparecidos políticos na ditadura de 1964 a 1985, não pode ser considerada "plenamente concluída a longa transição para uma democracia".

O jornal Folha de S.Paulo obteve o livro "Habeas Corpus – que se Apresente o Corpo, a Busca dos Desaparecidos Políticos no Brasil", que será lançado pelo ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, nesta terça-feira (21), na Assembleia Legislativa do Rio.

Na "Apresentação e Dedicatória", Vannuchi afirma que a falta de resposta oficial sobre os desaparecidos políticos "é uma dívida inegável do Estado Brasileiro, ainda não resgatada".
Vannuchi assume publicamente "discordâncias" entre ele e o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Dedica a obra a famílias dos desaparecidos.

O ministro dos Direitos Humanos afirma que o presidente Lula teve de arbitrar as diferenças entre Defesa e Direitos Humanos a respeito da proposta de criação de Comissão Nacional da Verdade, projeto de lei do Executivo que tramita no Congresso.

O número de desaparecidos políticos na ditadura brasileira é incerto. O livro estima entre 150 e 180 pessoas. Adota como critério de desaparecido a interpretação da ONU (Organização das Nações Unidas). "Desaparecido é aquela vítima para a qual permanece a ocultação do destino ou paradeiro, ou seja, quando não se divulgou ou identificou os restos mortais, ou não se encontrou a pessoa viva".

O livro cita opinião do ex-deputado federal Aldo Arantes, representante do PCdoB que acompanha as missões do GTT (Grupo de Trabalho Tocantins), que cobra "que os militares que participaram da ação repressiva venham a se manifestar dando indicações mais precisas para a localização dos restos mortais dos guerrilheiros".

O GTT é um grupo que procura restos mortais de cerca de 60 desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, movimento do PCdoB dizimado pela ditadura de 1972 a 1974. O livro narra operações de "limpeza" dos militares no Araguaia nos anos 80 e 90.

No lançamento, será inaugurada exposição sobre o deputado Rubens Paiva, um dos mais importantes desaparecidos. O documento conta que a ditadura tentou construir várias versões para o assassinato de Paiva.

"Jobim maculou biografia"

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o ministro Paulo Vannuchi diz que o colega Nelson Jobim  "maculou" a própria biografia ao atacar de modo "indesculpável" o projeto do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos. Para ele, Jobim reforçou "os piores segmentos militares" contra a ideia de criar uma Comissão Nacional da Verdade para dar resposta às famílias de desaparecidos políticos na ditadura de 1964.

O plano foi lançado por decreto presidencial no início do ano e modificado após pressão de Jobim. O ministro da Defesa criticou a comissão, que consta do plano. Mas Vannuchi reconhece que houve "ponto de consenso" entre os dois para que o presidente Lula enviasse em maio ao Congresso a proposta de criar a comissão.

"Sem demonstrar cabalmente que o Estado fez tudo o que podia, fica difícil construir uma verdadeira reconciliação nacional em torno desse passado traumático." O ministro afirma que "muitos militares ainda vivos possuem informações que levariam, com certeza, à localização" de desaparecidos.

Tem expectativa "positiva" sobre a possibilidade de a presidenta eleita, Dilma Rousseff, dar resposta às famílias: "Mas não pode haver pressão indevida sobre ela". Crê que ela agirá com "firmeza e gradualismo". Vannuchi deixa o cargo junto com Lula em 1º de janeiro. Jobim vai seguir no Ministério da Defesa. Vejqa abaixo a entrevista.

Folha:  Do que trata o livro "Habeas Corpus, que se Apresente o Corpo"?
Paulo Vannuchi: Resume informações, pistas e hipóteses colhidas em mais de 40 anos por jornalistas, pesquisadores, entidades de direitos humanos e autoridades. Vale como roteiro para as buscas, quando o Estado resolver, finalmente, levar à frente esse esforço.

Folha: Jobim e as Forças Armadas ajudam ou atrapalham?
Vannuchi: Em cinco anos como ministro, conheci os três comandantes das Forças Armadas. Me deixaram a melhor impressão. Mas há cultura da Guerra Fria e de preconceitos da antiga Doutrina de Segurança Nacional ainda não substituídos pelo ensino de direito constitucional e dos direitos humanos na formação militar.

Quanto a Jobim, foi indesculpável atacar o Plano de Direitos Humanos e a mim pessoalmente, sabendo dos problemas reais de comunicação entre nós nas vésperas do lançamento do decreto presidencial.

Nos chamar de revanchistas maculou sua própria biografia. Reforçou os piores segmentos militares, extremamente minoritários e quase exclusivamente da reserva, que ainda se orgulham de assassinatos e desaparecimentos.

Mas o projeto de criação da Comissão Nacional da Verdade, enviado por Lula ao Congresso, garantiu ponto de consenso e exigiu flexibilidade de todos.

Folha: Militares ativos e inativos escondem segredos?
Vannuchi: Esta é a questão fundamental. Muitos militares ainda vivos possuem informações que levariam, com certeza, à localização de pelo menos parte dos restos mortais dos desaparecidos. Esse esforço é a favor das Forças Armadas, para que os brasileiros se orgulhem delas sem isso representar aprovar crimes hediondos como tortura, degola e violação sexual de opositores da ditadura.

Folha: O sr. acha que Dilma dará resposta satisfatória?
Vannuchi: Minha expectativa é muito positiva, mas não pode haver pressão indevida sobre ela.
Não temos sentimento revanchista. A profunda consciência democrática de Dilma é garantia de que levará adiante o esforço de resgate da dívida que o Estado brasileiro ainda não resgatou. Com a firmeza e o gradualismo necessário.

Folha: Por que Lula não conseguiu dar essa resposta?
Vannuchi: Deu respostas consistentes. Embora não tenhamos dado demonstração cabal por desacordos internos e resistências de segmentos atrelados ao passado e de parte da mídia. O saldo mais palpável de Lula é a proposta de criar a Comissão Nacional da Verdade. A bola está com o Congresso.

Com Folha de S. Paulo