África Ocidental: segurança e a fixação militarista do Ocidente

As potências ocidentais estão respondendo à insegurança no Sahel [região entre o Norte africano e o deserto do Saara] instigando maiores projetos militares. Mas isso pode levar aos mesmos resultados que o Ocidente diz estar tentando evitar.

Por Peter Dorrie* 

Soldados malianos apoiados por tropas francesas - CBC.ca

Ganhos territoriais por grupos islamitas no Mali são o motivo dado pela França para a sua intervenção militar (em 11 de janeiro). Um ataque sangrento a uma instalação de gás na Argélia contribuiu para a decisão dos EUA de enviar drones (aviões não tripulados) de vigilância à região.

Os governos ocidentais parecem prontos a aumentar seu apoio militar aos países do Sahel e do Saara. Mas fazem isso com base em suposições incorretas, com objetivos tortos e por métodos questionáveis. Na melhor das hipóteses, essa tendência custará muito dinheiro e muitas vidas, e alcançará poucos resultados. Na pior, levará a uma maior espiral de violência, produzindo os mesmos resultados que dizem temer.

Padrões de intervenção

As intervenções militares ocidentais na região não são novidade. O exército francês possui uma rede formidável de bases em países como a Costa do Marfim, Burkina Faso, Chade e Gabão, com tropas de elite, equipamentos pré-posicionados e capacidades de ataque aéreo consideráveis. Um resultado dos laços pós-coloniais, a França tem usado esses recursos frequentemente desde a década de 1960 para salvar ou destronar regimes, realizar operações contraterroristas e garantir interesses políticos e econômicos.

O interesse dos Estados Unidos é mais recente e tem que ser visto amplamente, no contexto da “Guerra contra o Terror” pós 11 de setembro. Com seus espaços abrangentes, habitados de forma esparsa e com governos menos centralizados, o Saara sempre foi visto como um “paraíso” potencial para o terrorismo por planejadores militares do Pentágono.

Essa impressão foi fortalecida com uma série de sequestros por vários grupos, alguns afirmando abertamente serem ligados à Al-Qaeda, desde 2005. Isso resultou em ao menos US$ 500 milhões gastos pelos EUA no treinamento e no abastecimento de forças militares regionais, assim como o envio de aviões espiões e, numa escala menor, de operações de Forças Especiais.

A União Europeia (UE) e seus membros também cooperam com forças militares locais e com órgãos oficiais de aplicação da lei, com um foco específico no tráfico de seres humanos e na imigração ilegal para a Europa, assim como na expansão do comércio de drogas.

Esses padrões, já vigentes antes da crise recente no Mali, têm determinado de forma abrangente as abordagens variadas dos atores externos no Saara. Infelizmente, nem o Ocidente nem os governos ou elites locais têm considerado totalmente as consequências dessas políticas, o que resulta numa abordagem profundamente falha, se não perigosa, à crise atual.

Violência, a única opção considerada

Depois que grupos islamitas tomaram a rebelião liderada pelos tuaregues separatistas no ano passado e começaram a introduzir a sharia (conceito islamita menos moderado para o sistema de justiça), no norte do Mali, a organização regional Ecowas (Comunidade de Estados da África Ocidental) e a França quase imediatamente defenderam uma solução militar. Nomeadamente, uma intervenção liderada pelos africanos para a retomada dos territórios perdidos para tais grupos.

Internacionalmente, o principal oponente a essa abordagem era, de fato, o governo dos EUA, que tentou pressionar por um acordo político antes de qualquer intervenção, com o sul do Mali em desarranjo depois do golpe realizado por oficiais decepcionados.

A junta em Bamako não apreciava a noção de uma presença militar estrangeira que seu líder, o capitão Amadou Sanogo, via como uma ameaça à sua própria influência política. Sanogo disse que as forças do Mali seriam capazes de retomar o norte sozinhas, se recebessem a quantia necessária de apoio financeiro, material e logístico.

A possibilidade de um acordo negociado para a crise do Mali nunca foi realmente considerada por qualquer ator doméstico ou internacional importante, e esse processo foi deixado para Blaise Compaoré, o presidente da vizinha Burkina Faso. As negociações falharam. Mencionando as preparações para a guerra por parte da França, da Ecowas e dos líderes militares malianos, os militantes no norte se recusaram a aceitar uma trégua, no começo de janeiro, e atacaram as cidades centrais do Mali, Konna e Diabaly, depois de mais de meio ano de um conflito limitado.

Essa ação, provavelmente planejada para tomar controle da base militar e do campo aéreo da vizinhança em Sévaré e, assim, tornar qualquer intervenção militar estrangeira drasticamente mais difícil, foi o toque final que a França precisava para justificar seu envolvimento direto.

Preparada para este cenário há algum tempo, usou todos os seus recursos na região para um efeito enorme: ataques aéreos entravaram o avanço insurgente, e forças expedicionárias retomaram rapidamente Konna e Diabaly, primeiro, e depois as grandes cidades nortenhas remanescentes.

Os rebeldes islamitas evitaram, enquanto isso, qualquer confrontação aberta e basicamente espalharam-se frente ao avanço francês. Outro alvo foi escolhido por, ao que pareciam, militantes relacionados àqueles: uma estação de produção de gás na vizinha Argélia. A estação foi invadida num ataque de larga escala por “aqueles que assinam em sangue”, um dos grupos associados a al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM).

O exército argelino, igualmente tentando demonstrar um ponto, recusou qualquer forma de negociação e liderou um ataque frontal à instalação. O resultado: a morte da maioria dos insurretos, de ao menos 37 reféns ocidentais, e de um número desconhecido de civis e soldados argelinos.

As reações da França e da Argélia aos desenvolvimentos recentes ilustram como atores importantes estão falhando em suas abordagens na região. Essas são as “soluções” no sentido em que eles permitem o respectivo governo a continuar na sua zona de conforto militar e política específica (material e ideologicamente), mas não contribuem significativamente para resolver a crise.

Crescente engajamento militar ocidental

Os EUA, por sua vez, declararam que enviariam drones desarmados e estritamente para vigilância, provavelmente de uma ainda desconhecida localização no Níger. O exército estadunidense também aumentará seus esforços no treinamento e abastecimento dos seus aliados regionais, incluindo a Mauritânia, o Níger e a Nigéria.

A França declarou publicamente a vitória, e o presidente François Hollande prometeu retirar suas tropas tão rapidamente quanto as enviou. Ao mesmo tempo, enviou forças especiais para guardar minas de urânio, gerenciadas pelo monstro nuclear francês, Areva, no vizinho Níger. É provável que as forças especiais francesas continuem ativamente envolvidas na luta contra AQIM e outros grupos associados.

Já da Ecowas, assim como de outras tropas africanas, espera-se a responsabilização pelo comando da missão de intervenção Afisma apoiada pela ONU, ainda chefiada pela França. Atualmente planejada para uma força de 8.000 soldados, essas tropas consistirão essencialmente de chadianos e nigerianos (ambos acusados de graves violações de direitos humanos em outras ações militares), com vários outros países como Senegal e Burkina Faso enviando tropas para guardar áreas pacíficas. A União Europeia e outros países apoiarão a Afisma financeiramente, com logística e com uma missão de treinamento.

Entre tudo isso, há uma complexa rede de problemas internos ao Mali por resolver: grupos armados com recursos consideráveis e prioridades variadas; o exército maliano com sua própria agenda política; insurgentes tuaregues que esperam por outra oportunidade, e vários grupos étnicos que também querem afirmar suas reivindicações.

Suposições incorretas e resultados fatais

Nenhuma das ações tomadas pelos governos ocidentais está necessariamente errada, mas uma falta de apreciação das razões básicas para a violência e a fragilidade do Estado na região do Saara as torna perigosas. Para tornar isto claro, não é necessário analisar mais do que o primeiro-ministro britânico David Cameron, que declarou à Câmara dos Comuns que AQIM e seus afiliados são uma “ameaça existencial”, supostamente para o Reino Unido.

Exatamente como um grupo de 2.000 insurgentes, há milhares de quilômetros de distância, e com divisões internas profundas poderia chegar a ameaçar a Grã-Bretanha, ele não disse.

Essa retórica, empregada por Cameron e outros, é claramente imprecisa e enganadora. AQIM é, e tem sido desde a sua criação, focada na sua agenda política local, que tem o Ocidente como alvo apenas quando há ganhos para eles ou quando afeta o governo argelino. Assim como o nigeriano Boko Haram, também declarada uma “organização terrorista internacional” pelos Estados Unidos, AQIM deveria ser vista primeiramente como em seu contexto doméstico específico.

As abordagens ocidentais para lidar com os temidos “espaços sem governo” e “redes criminosas” são igualmente enganadas. Muitos locais provavelmente identificariam as elites corruptas e autocráticas governando os Estados como a sua principal fonte de fraqueza.

Os governos ocidentais, ainda assim, preferem essas mesmas elites como parceiras em suas tentativas de “fortalecer” Estados e governos, como ficou evidente na cooperação ocidental com os afins da Burkina Faso, Blaise Compaoré, e da Mauritânia, Abdel Aziz.

Drogas e tráfico humano são as principais preocupações da UE quando se trata do Saara, com financiamento considerável doado, por exemplo, ao governo do Mali, que tem sido acusado de envolvimento nessas mesmas atividades. Nenhum esforço real é feito pela UE para reavaliar as danosas políticas de drogas e imigração, que dão a essas atividades criminais a sua razão de ser.

A decisão dos países da UE e dos EUA de tornarem-se ainda mais ativamente envolvidos militarmente os fará, provavelmente, piorar a situação. Mais ajuda militar aos países da região significa ainda mais armas e recursos circulando.

Mais pessoal militar significa mais alvos potenciais, talvez dando o incentivo para até então grupos locais adotarem uma agenda mais global, como aconteceu com al-Shabaab, na Somália. E maior atividade terrorista levará mais cedo ou mais tarde ao uso de drones, e o Saara vai tornar-se o mais recente teatro na “guerra de drones”. Todas essas dinâmicas introduzirão novas camadas de violência.

Não está claro o que os políticos ocidentais e seus estrategistas estão esperando alcançar ao trilhar esse caminho. Não há uma estratégia de saída e apenas objetivos vagos foram formulados. Aparentemente, na sua busca por encontrar soluções militares para problemas fundamentalmente não militares, os governos ocidentais vão ver-se perdidos nas areias do Saara e, até agora, eles nem parecem dar-se conta disso.

Peter Dorrie é jornalista e cientista político.

Fonte: All Africa
Tradução: Moara Crivelente, da Redação do Vermelho