Diálogo israelense-palestino não avança; EUA anunciam intervenção

Em meio ao crescente descrédito das negociações entre Israel e Palestina e do papel dos EUA, o governo do presidente Barack Obama anuncia que apresentará um plano para a elaboração de um “acordo-quadro” sobre a resolução final do conflito em janeiro. A declaração, dada à imprensa por uma parlamentar israelense, nesta segunda-feira (4), soma-se ao pedido de demissão não-efetivado do negociador palestino Saeb Erekat, em reação à falta de avanço.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

John Kerry Tzipi Livni Saeb Erekat - NBC News

Os palestinos têm alternativas. Apesar da sensação de impotência frente à ocupação sistemática da Palestina por Israel, o reconhecimento do Estado palestino (como “observador e não-membro”) pela Organização das Nações Unidas (ONU), que está prestes a completar um ano, trouxe possibilidades com as quais as autoridades palestinas contam de forma estratégica.

Segundo o direito internacional, por exemplo, os palestinos poderão aceder ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI) e denunciar Israel pelos crimes de guerra e crimes contra a humanidade que comete cotidianamente, de forma institucionalizada, mas suficientemente reconhecida.

Além disso, poderá integrar ainda mais agências e organizações internacionais, o que tem importante peso simbólico na política internacional para a efetivação e legitimação da sua condição de sujeito de direito. São as esperanças que restam, pois a retomada das negociações, em julho, foi mais uma demonstração de comprometimento com a diplomacia do que uma entrega confiada à possibilidade de justiça.

Não se pode esperar justiça de um Estado colonizador que conta, historicamente, com o apoio das hegemonias europeias e da estadunidense, igualmente colonialistas, cada uma a seu modo e todas mais ou menos da mesma forma.

Secretário de Estado norte-americano, John Kerry ainda precisa provar não ser mais um Henry Kissinger sionista (colonialismo europeu-judeu, que criou raízes na Palestina na década de 1880), ou seguir a linha do ex-presidente Bill Clinton e se empenhar por acordos interinos que garantam apenas o que interessa: a continuidade impune da ocupação e o despojo dos territórios palestinos.

Kerry teria informado o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, durante uma reunião na Itália, há duas semanas, que apresentará um plano. O chefe da política externa norte-americana é esperado em Israel nesta terça-feira (5), e deve reunir-se com Netanyahu e com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, no dia seguinte, segundo o jornal israelense Ha’aretz.

Solução final ou continuação da colonização

“A administração Obama planeja alcançar um grande avanço diplomático no começo de 2014”, disse a parlamentar do partido Meretz (“Energia”, em hebraico, que se classifica como esquerda), Zahava Gal-On. “Os estadunidenses querem sair da coordenação entre os dois lados para uma fase de intervenção ativa”, explicou. Isso é o que vêm pedindo os palestinos há algum tempo, mas a oposição de Israel tem prevalecido.

Segundo a parlamentar, citada pelo Ha’aretz, os EUA devem apresentar uma proposta diplomática que incluirá todos os assuntos centrais, baseada nas fronteiras de 1967, conforme reivindicado pelas autoridades palestinas, mas com trocas territoriais acordadas entre os dois lados. Afinal, a partir da Guerra dos Seis Dias, em 1967, os israelenses ocuparam e anexaram vastas porções de terras árabes (palestinas e de outros vizinhos).

A colonização gradual e o confisco regularizado (sob a lei colonialista de Israel) das terras palestinas são denunciados reiteradamente e rechaçados inclusive pela ONU, mas a construção de colônias é contínua, assim como a expulsão, desapropriação e destruição das casas palestinas e a detenção sistemática dos que se organizam em resistência.

A ocupação é onipresente, multidimensional e sustentada de forma estratégica. É uma arma política, formulada de maneira “intelectualizada” pelos primeiros teóricos do sionismo, com documentos detalhados, retomados por seus críticos para demonstrar a intenção estrutural da continuidade do chamado “conflito israelense-palestino”.

A situação é assim denominada, segundo o professor Joseph Massad, que ensina Política Árabe Moderna na Universidade de Columbia, para esconder a sua real configuração: trata-se de colonização, pura e crua, que se mantém em pleno século 21, através da ocupação, e não de um conflito clássico com dois lados ativos.

Construção da ocupação

Relembrando aspectos centrais da Declaração Balfour, que estabeleceu a investida sionista no início do século 20 com apoio fundamental do Reino Unido, o professor Massad cita declarações reveladoras dos líderes dessa ideologia colonialista (Theodor Herzl, Vladimir Jabotinsky e o primeiro premiê de Israel, em 1949, David Ben-Gurion, antes membro e chefe de grupos paramilitares) sobre os detalhes da subjugação estratégica de um povo, com o empenho que parece ter saído de um clássico literário, em que se prega que “guerra é paz, e paz é guerra”. Para isso, Herzl ensinava que era preciso garantir o patrocínio de potências mundiais (financeiro e político, conforme demonstrado pelo governo israelense).

Há 20 anos, com a assinatura dos Acordos de Oslo, em 1993, as autoridades israelenses institucionalizaram mais um ensinamento dos intelectuais sionistas: jogar com a ilusão da paz. O falso empenho nas negociações e o trato de questões específicas pontuaram um acordo interino que deveria ser transformado em uma situação permanente cinco anos depois, mas que até o momento continua mantendo uma situação de dependência econômica, política e securitária e o estado de ocupação infinita de todos os aspectos da vida dos palestinos.

Não é surpreendente, assim, a completa falta de confiança na nova rodada de negociações, iniciada em julho, com a iniciativa dos Estados Unidos. A consequência inclui o questionamento da própria Autoridade Palestina que, consciente da falta de compromisso de Israel com a paz e a justiça, já tem alternativas como as citadas antes, possibilitadas por um cescente apoio internacional à sua causa.

As equipes negociadoras dos dois lados reuniram-se 15 vezes desde julho, segundo Kerry. De acordo com a parlamentar israelense Gal-On, a proposta estadunidense também deverá incluir a Iniciativa de Paz Árabe, apresentada pela Liga Árabe em 2002, com pontos controversos que convergem para a dimensão regional do conflito, com a oferta de normalização das relações entre os países árabes e Israel, em troca de uma solução final. Os termos dessa solução, entretanto, são profundamente questionáveis.

Por enquanto, não houve avanço significativo, e tem se mantido um impasse que mais parece um precipício, dada a centralidade das questões que o sustentam, para os palestinos, e a posição irredutível de grupos religiosos radicais e de direita na política israelense, inclusive na continuidade da construção de colônias.

Membro do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Abed Rabbo declarou à rádio Voz da Palestina, nesta segunda (4): "Há apenas um lado nas negociações, e este somos nós, enquanto o outro lado não está propondo qualquer coisa que se adeque à legitimidade e ao direito internacional".

Além disso, Israel recusa-se a apresentar posições claras na questão das fronteiras, pede a manutenção das suas tropas na fronteira entre a Palestina e a Jordânia (entre outras áreas) e exige o seu reconhecimento como um Estado judeu, o que oficializaria a segregação no país.

Segundo o Ha’aretz, nos próximos três meses, as partes devem conduzir as negociações com a participação do enviado especial dos EUA, Martin Indyk, no sentido de cobrir as lacunas, embora se espere que as posições básicas sejam mantidas. Por isso, em janeiro, a representação estadunidense deve acabar apresentando uma proposta de resolução própria, e restará esperar que não se trate de mais um Acordo de Oslo.