Acordo comercial entre Europa e EUA ameaça soberanias nacionais

Os EUA e a União Europeia (UE) concluíram nesta terça-feira (18) uma avaliação das negociações sobre o livre-comércio. Em reunião, foram estabelecidas orientações para a quarta rodada de negociações, em março. A falta de transparência e o poder previsto às corporações pela Parceria de Comércio e Investimento Transatlântico (TTIP, na sigla em inglês) são denunciados por vários observadores: são um "ataque frontal potente à democracia", diz George Monbiot, autor de diversas críticas a respeito.

Reino Unido - Olivia Harris / Reuters

O representante do comércio estadunidense, Michael Froman, divulgou um comunicado, nesta segunda (17), informando que os EUA e a UE já trocaram opiniões sobre vários assuntos, durante a reunião de dois dias, como “cancelar de forma adequada as tarifas de bens, reduzir fiscalizações desnecessárias e expandir o comércio de serviços.”

"Os dois lados vão obter resultados positivos durante a negociação, mas ainda enfrentarão muitos desafios", considerou Froman, acrescentando que ambas as partes pretendem chegar ao acordo de livre-comércio de forma definitiva.

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A cúpula entre EUA e UE terá início no dia 26 de março na capital belga, Bruxelas, sede da Comissão Europeia, o órgão executivo do bloco. Segundo Froman, o presidente norte-americano Barack Obama deve discutir com o presidente do Conselho Europeu, Herma Von Rompuy, e o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso sobre pontos práticos na reunião.

As negociações tinham sido desaceleradas quando o escândalo sobre a espionagem global dos Estados Unidos atingiu também a chanceler da Alemanha Angela Merkel e suas chamadas telefônicas, mas foram retomadas recentemente.

Os aliados do Atlântico Norte negociam o maior acordo livre-comércio em todo o mundo, apesar das ressalvas variadas sobre a falácia deste conceito – já que as regras do jogo e os seus fluxos são definidos pelas grandes corporações – e os seus impactos avassaladores nas economias nacionais.

Juntos, os EUA e a União Europeia somam quase US$ 30 trilhões em rendimento, quase a metade do total mundial. De acordo com as autoridades europeias favoráveis à negociação, um acordo deve ser firmado até o final do ano e “contribuirá para o crescimento” dos 28 membros do bloco. Além de esta ser uma previsão quase retórica, uma série de consequências jurídicas colocará as grandes corporações acima dos governos, de acordo com vários críticos.

Negociação predadora e antidemocrática

Segundo George Monbiot – autor de dois livros sobre o domínio exercido pelas corporações no Reino Unido –  em artigo para o jornal britânico The Guardian, as bases institucionais do mercado único entre os EUA e a União Europeia podem permitir às corporações processar os governos através de painéis sigilosos, sem passar por tribunais ou parlamentos.

De acordo com outros observadores, o mecanismo, chamado “solução de disputas entre investidores-Estado”, é defendido ativamente pelo primeiro-ministro conservador do Reino Unido, David Cameron, e foi acolhido pela Comissão Europeia. Mas "Bruxelas tem se mantido silenciosa
sobre um tratado que deixaria empresas gananciosas subverterem nossas leis e a nossa soberania nacional," diz Monbiot.

David Martin, um parlamentar britânico trabalhista pela Escócia e membro do comitê para o comércio internacional do Parlamento Europeu, em outro artigo no Guardian, também disse que o seu e outros partidos mantêm uma disputa acirrada pela exclusão do mecanismo, mas os conservadores no governo britânico têm defendido a sua inclusão no acordo de forma incisiva.

Os Estados perderiam o direito regulatório e, caso proíbam a entrada de um produto, teriam de compensar a indústria que o produz ou permitir a sua importação. Monbiot perguntou ao codiretor do Conselho Transatlântico de Negócios, Stuart Eizenstat, se isto se aplicaria, por exemplo, às carcaças de frango tratadas com cloro nos Estados Unidos e que organizações civis e de saúde na Europa conseguiram proibir. A resposta foi positiva.

O autor expõe uma série de previsões superestimadas, como a do crescimento e a criação de empregos, já comprovadamente insuficientes para justificar a perda de soberania para o capital em outros acordos de livre-comércio. O comentarista Glyn Moody, citado no The Guardian, resume: “Os benefícios são poucos e ilusórios, enquanto os riscos são bem reais.”

Mas as esparsas reuniões dos governos com membros da sociedade civil são irrisórias em comparação com as reuniões intensas e sigilosas com os grupos de pressão das grandes empresas, o que torna o processo fundamentalmente antidemocrático, sem qualquer transparência ou espaço para a atuação contrária no processo.

Moara Crivelente, da redação do Vermelho,
Com informações do The Guardian