Sobre estudos e conquistas em tempos de Copa no Brasil*

"É certo que as crianças devem saber que na vida é preciso “ralar, treinar, estudar”. É certo, também, que é muito comum ver pessoas sem oportunidade ralando. Mas é mais certo ainda que, para que o treino e o estudo tenham bom sucesso, precisa-se de oportunidade."

Thaissa Camara
No dia da triste derrota do Brasil para a Alemanha na Copa, em meio a piadas e choro, li, em grupos de redes sociais, uma mensagem que dizia:
 
[…] Isso representa mais que um simples jogo! Representa a vitória da competência sobre a malandragem! Serve de exemplo para gerações de crianças que saberão que pra vencer na vida tem-se que ralar, treinar, estudar! Acabar com essa história de jeitinho malandro do brasileiro, que ganha jogo com seu gingado, ganha dinheiro sem ser suado, vira presidente sem ter estudado! O grande legado desta copa é o exemplo para gerações do futuro! Que um país é feito por uma população honesta, trabalhadora, e não por uma população transformada em parasita por um governo que nos ensina a receber o alimento na boca e não a lutar para obtê-lo! A Alemanha ganha com maestria e merecimento! Que nos sirva de lição! Pátria amada Brasil tem que ser amada todos os dias, no nosso trabalho, no nosso estudo, na nossa honestidade! Amar a pátria em um jogo de futebol e no outro dia roubar o país num ato de corrupção, seja ele qual for, furando uma fila, sonegando impostos, matando, roubando! Que amor à pátria é este! Já chega!!! O Brasil cansou de ser traído por seu próprio povo! Que sirva de lição para que nos agigantemos para construirmos um país melhor! Educar nossos filhos pra uma geração de vergonha! Uma verdadeira nação que se orgulha de seu povo, e não só de seu futebol!! […]
É certo que as crianças devem saber que na vida é preciso “ralar, treinar, estudar”. É certo, também, que é muito comum ver pessoas sem oportunidade ralando. Mas é mais certo ainda que, para que o treino e o estudo tenham bom sucesso, precisa-se de oportunidade.
 
Há mesmo as exceções que, onde não se enxerga possibilidade de treino e de estudo, dão exemplo de superação das próprias condições de vida – passando por cima de todo o tipo de pobreza para traçar um caminho honesto rumo aos objetivos profissionais e pessoais. Isso se chama exceção, porque a regra é clara: quem não teve oportunidade de treino e de estudo tem dificuldades e não “ganha dinheiro sem ser suado”, mas trabalha e sua muito para ganhar o pouco dinheiro com o qual sustenta os seus.

Ironicamente, o presidente do Brasil entre 1995 e 2002 era “Doutor”. E foi, ainda ironicamente, esse o período que foi palco de um cenário de devastação das universidades públicas brasileiras. Em 2002 eu estudava na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e falava-se em cobrança de taxas. Nos anos seguintes o que vi foi a universidade se transformar em um canteiro de obras.

Ainda no campo da ironia, foi no governo da pessoa que chegou à presidência do nosso país “sem ter estudado” que surgiu o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e que se criou o PROUNI:
 

O Programa Universidade para Todos – Prouni tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior privadas. Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005 oferece, em contrapartida, isenção de tributos àquelas instituições que aderem ao Programa. Dirigido aos estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas integrais, com renda familiar per capita máxima de três salários mínimos […]. (http://prouniportal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=124&Itemid=140) (grifei)
E o que se tem atualmente são dados sobre a educação superior brasileira, liberados para consulta em outubro de 2013, apontando que em 2012 mais de 7 (sete) milhões de estudantes estavam matriculados em instituições de ensino superior no país, o que demonstra crescimento de 4,4% no número de matrículas em ensino superior, em comparação ao ano anterior (brasil.gov.br/educacao/2013/10/dados-sobre-educacao-superior-sao-liberados-para-consulta).

Vale lembrar que o Plano Nacional de Educação foi sancionado (Lei 13.005, de 25 de junho de 2014) e os investimentos em educação chegarão a 10% do PIB – bandeira histórica do movimento estudantil.

O que é isso? Mais investimentos em programas voltados à educação geram maior acessibilidade ao ensino superior. Isso significa um grande passo no rumo da democratização do ensino. Jovens em cujo perfil, nos tempos passados, já era traçado um futuro de pobreza e de imobilidade social, se hoje têm oportunidades de estudo amanhã terão perspectiva.

Falando em perspectiva, é bom lembrar quem é o público alvo de programas sociais como o Bolsa Família:
 

O Programa Bolsa Família foi criado para apoiar as famílias mais pobres e garantir a elas o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde. O programa visa à inclusão social dessa faixa da população brasileira, por meio da transferência de renda e da garantia de acesso a serviços essenciais. Em todo o Brasil, mais de 13 milhões de famílias são atendidas pelo Bolsa Família. A população alvo do programa é constituída por famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza. As famílias extremamente pobres são aquelas que têm renda per capita de até R$ 77,00 por mês. As famílias pobres são aquelas que têm a renda per capita entre R$ 77,01 a R$ 154,00 por mês, e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos. (http://www.caixa.gov.br/voce/Social/Transferencia/bolsa_familia/index.asp)(grifei)
Quem não teve oportunidade no passado acabou por não ter perspectiva de um futuro digno, e é por causa disso que pessoas em pobreza ou extrema pobreza – situações criadas na falta de oportunidade e de perspectiva – merecem ser alvo de programas sociais.

É, no mínimo, desrespeitoso chamar de “população transformada em parasita por um governo que nos ensina a receber o alimento na boca e não a lutar para obtê-lo” quem, por falta de oportunidade, vivia em situações de pobreza ou extrema pobreza, tendo nos programas sociais criados na história mais recente do país uma possibilidade.

E para os defensores de que “não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar”, só posso afirmar que quem atualmente pode fazer um curso, técnico ou universitário, enquanto a família recebe ajuda do governo, tem nas mãos a oportunidade de um futuro longe da pobreza e da miserabilidade. Acredito que isso se encaixa no conceito de “ensinar a pescar”.

Não ficou claro para mim o motivo pelo qual “o Brasil cansou de ser traído por seu próprio povo”. Em que momento essa traição aconteceu? O que aprendi é que a história do nosso país foi, e é, construída por um povo que luta diariamente pela sobrevivência e pela dignidade. E isso acontece desde quando nossas terras foram invadidas há mais de 500 anos.

Estranho foi receber o texto afirmando que “uma verdadeira nação […] se orgulha de seu povo, e não só de seu futebol” exatamente no momento em que o Brasil perdia a chance de disputar a final da Copa de 2014.

Enfim, faço questão de dizer que sou brasileira, que torço pelo Brasil em todos os sentidos, que sou a favor da oportunidade e da perspectiva, e que sinto muito orgulho do meu povo.
 

*Thaíssa Câmara é Advogada, Historiadora, Pós-graduanda no curso de Formação de Professores para a Educação Superior Jurídica.