Nilze Costa e Silva: Correntes de ódio

Por *Nilze Costa e Silva

Eu nunca tinha visto em toda minha vida tantas manifestações de ódio e preconceito como tenho observado nos últimos tempos no Brasil. No governo Lula, falava-se menos da corrupção e mais da origem pobre de um presidente sem curso superior e que bebia cachaça. Chamavam-no apedeuta. Convenhamos que este é um termo cunhado pela elite "intelectual" e raivosa. Logo trataram de espalhar pelo Brasil a tradução. Apedeuta: pessoa sem instrução, ignorante. Melhor dizendo: analfabeto. Ouvi de um médico muito conhecido em Fortaleza que Lula cortou um dedo propositalmente, para não trabalhar.

Nas manifestações contra o governo em 15/03/2015, o senador Ronaldo Caiado (DEM) debochou publicamente da deficiência física do ex-presidente Lula, usando e distribuindo várias camisas com o desenho de uma mão com apenas quatro dedos. Com Dilma foi bem pior. Afinal, ela é uma mulher.

Ainda guardamos na lembrança a abertura da Copa do Mundo em São Paulo (12/06/2014). No estádio Itaquerão, a presidenta foi virulentamente hostilizada com palavras de baixo calão, diante do mundo que assistia boquiaberto a essa demonstração de ódio explícito. Quem estava lá? A classe econômica mais privilegiada.

Nas redes sociais, a coisa fica pior: anta, imbecil, cachorra, vaca, vagabunda. É assim que os internautas raivosos e machistas insultam uma mãe, avó, idosa, que lutou contra a ditadura, foi torturada e se tornou a primeira mulher presidenta do Brasil.

Na imprensa, as charges chegam a assustar tamanho é o ódio que disseminam. A do cartunista Caruso (jornal "O Globo") causou indignação e repulsa de grande parte dos leitores. Dilma é retratada de joelhos, prestes a ser decapitada por um extremista islâmico, encapuzado. A imagem é sinistra, principalmente por ter sido publicada no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher e ainda relembrado o martírio de sua tortura no período da ditadura militar no Brasil. Recentemente o senador Aloysio Nunes (PSDB) assim se pronunciou sobre a nossa presidenta: "não quero o impeachment, quero ver a Dilma sangrar".

De onde vem tanto ódio? Segundo o cientista político Valton Miranda, essas correntes de ódio não são precisamente contra Lula e Dilma, mas contra uma classe que antes não tinha direitos nem bens necessários ao conforto de um cidadão e cidadã. Nos últimos anos as classes média e alta estão tendo que dividir com estes, mesas em restaurantes, lugares em shoppings e aviões. Esse ódio vem de patroas e patrões que não suportam conviver com a conquista dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas, porque jamais conseguiram tratá-las como iguais. É um ódio de classe, onde uma não suporta ver que seus filhos estejam perdendo vagas nas universidades públicas e particulares para as próprias domésticas e seus filhos.


*Nilze Costa e Silva é escritora

Fonte: Diário do Nordeste

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