O singelo protocolo do vírus

Num país que acredita em curandeiros como João de Deus, o tarado de Abadiânia, o que esperar das pessoas, entregues voluntariamente à servidão das autoridades que governam por protocolos?

Ilustração: Aroeira

Acabo de receber o seguinte comunicado da síndica do meu condomínio: “Prezados Condôminos – Considerando o Decreto Distrital nº 40.961, de 08 julho de 2020, suspendendo os efeitos do Decreto nº 40.939, de 02 de julho de 2020, em virtude de decisão judicial, fecharemos novamente por tempo indeterminado a academia de nosso condomínio. O cumprimento rigoroso de tais medidas visa proteger os condôminos ao máximo da pandemia mundial que estamos vivendo. Contamos com a colaboração de todos…”

Mais um exemplo de que as autoridades, incluídos os síndicos, são em geral estúpidas. Elas seguem e impõem sofregamente os “protocolos”!

No dia 2 de julho, contrariando o bom senso e as melhores informações científicas, o governador do Distrito Federal havia decretado a reabertura de várias atividades comerciais e industriais. Como de praxe, o decreto incluía “protocolos e medidas de segurança”. Entre essas, a garantia mínima de dois metros entre as pessoas, a disponibilização de álcool em gel 70%, e a aferição da temperatura de todos os consumidores”.

Ora, lavar as mãos e fazer a higiene com álcool em gel, parece que já virou uma prática generalizada, menos, é claro, entre as populações das periferias que não têm água encanada disponível. Medir a temperatura dos consumidores é bom, mas, convenhamos, são raras as pessoas que saem de casa com febre. Quanto à distância mínima de dois metros, ora bolas! A “academia” do meu condomínio deve ter uns 30 metros quadrados. Provavelmente, abrigaria três atletas por vez, se eles não se mexessem demais…

Num país que acredita em curandeiros como João de Deus, o tarado de Abadiânia, o que esperar das pessoas, entregues voluntariamente à servidão das autoridades que governam por protocolos?

O presidente faz propaganda da cloroquina e grande parte da população começa a engolir toneladas desse medicamento fabricado pelo Exército e importado dos Estados Unidos, próprio para combater a malária. Alguns médicos charlatães distribuem protocolos de ivermectina, e outra parte do povo passa a consumir como pipoca arrobas desse antiparasitário, sem maiores efeitos contra a Covid-19, mas com a vantagem de, se não matar por intoxicação, livrará as vítimas por um bom tempo de lombrigas, piolhos, sarnas, chatos e bichos-de-pé.

Uma expressão lastimável da servidão voluntária é essa: você terceiriza para as autoridades, em geral idiotas, as suas decisões de como lidar com o novo coronavírus. Em vez de ouvir o seu médico e as recomendações da Organização Mundial da Saúde, você ouve o governador, advogado que ficou rico vendendo precatórios, agora especializado em protocolos.

Se você é síndico, esquece o que dizia há duas semanas sobre o distanciamento social, e se fia no decreto desse governador. Se a Justiça derruba o decreto, você suspende a abertura da academia, e diz que o “cumprimento rigoroso de tais medidas visa proteger os condôminos ao máximo da pandemia mundial que estamos vivendo”. Há duas semanas, as “tais medidas” previam o rigoroso distanciamento social…

Se você é londrino, corre ensandecido para o primeiro pub do seu bairro, confiado nos protocolos do Boris Johnson.

Se for americano, xinga de comunista o Dr. Anthony Fauci, o principal imunologista do país, e abre um crowdfunding para erigir uma estátua ao presidente Donald Trump sobre o pedestal da estátua do Cristóvão Colombo que um bando de native americans acaba de derrubar, lembrando que eles próprios são restos de vastas populações dizimadas pela guerra, escravização e epidemias trazidas pelos colonizadores.

Enquanto isso, o novo coronavírus segue um protocolo singelo e elegante: reproduzir-se e se espalhar, se espalhar e reproduzir-se, aproveitando as brechas abertas pelas autoridades protocolares.

Fonte: Brasiliários

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