No 75º aniversário de Hiroshima, a ameaça de armas nucleares cresce

Se o relógio da destruição atômica chegar à meia-noite, o mundo estará em um armagedom nuclear. Existem várias razões pelas quais o mundo está cada vez mais próximo desse destino.

Os EUA usaram seres humanos como sujeitos de teste: uma nuvem de cogumelo irrompe sobre o Atol de Biquíni durante um teste nuclear. 25 de julho de 1946 - Foto: Wikimedia Commons

Hiroshima, Japão – Tic tac, tic tac, tic tac. Esse é o som sinistro do Relógio do Juízo Final, hoje, no 75º aniversário do bombardeio dos EUA em Hiroshima, no Japão, em 6 de agosto de 1945. O terrível cronômetro é mantido pelo Boletim dos Cientistas Atômicos. O relógio deles está agora 100 segundos antes da meia-noite, o mais próximo da destruição atômica em todo o mundo desde o auge da Guerra Fria EUA-URSS em 1953, diz o boletim de Chicago.

Se chegar à meia-noite, o mundo estará em um armagedom nuclear, dizem os cientistas. Existem várias razões pelas quais o mundo está cada vez mais próximo desse destino, afirmam tanto o governador da província de Hiroshima no Japão, Hidehiko Yuzaki, como o editor do boletim, John Mecklin. Hiroshima está na vanguarda, compreensivelmente, da campanha mundial para abolir as armas nucleares.

Ninguém sabe quantas pessoas foram mortas nas duas explosões nucleares em Hiroshima e Nagasaki, três dias depois. As estimativas começaram em 125 mil, rapidamente ultrapassaram os 200 mil e subiram a partir daí, pois os sobreviventes morreram, mas seus filhos também, de doenças causadas pela radiação.

Mas enquanto os sobreviventes e seus aliados nos movimentos de paz em todo o mundo continuam suas campanhas, inclusive em cerimônias desta semana nos EUA, no Japão e em outros lugares, os líderes mundiais os afastaram, escreveu o governador.

“Ainda existem mais de 13 mil armas nucleares no mundo, com países que continuam a modernizar suas forças nucleares. Hoje, como o desarmamento nuclear continua estagnado, a situação relativa à eliminação de armas é extremamente sombria”, diz Yuzaki no site do boletim.

A seção, dedicada aos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki pela Força Aérea do Exército dos EUA e suas consequências, contém a análise de Yuzaki e outros. Os EUA continuam sendo o único país que já usou armas nucleares contra outra nação. A análise do atentado está em https://thebulletin.org/collections/hiroshima-nagasaki/.

“Isso é indicado pelo lapso incentivado pelos EUA no Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF); sua retirada unilateral do acordo nuclear com o Irã, oficialmente conhecido como Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA); a suspensão do Irã do cumprimento de alguns dos requisitos do JCPOA e a questão da extensão do Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START), que está programado para expirar no próximo ano”, continua o governador.

A dissuasão, no passado eufemisticamente denominada Destruição Mutuamente Assegurada, não funcionará, afirma Yuzaki. O motivo, ele diz, é que a capacidade de fabricar componentes de armas nucleares e as próprias bombas proliferou. E os políticos não querem controlá-lo.

“A corrupção contínua da ecosfera da informação da qual depende a democracia e a tomada de decisões públicas aumentou as ameaças nucleares e climáticas”, escreveu Mecklin quando o boletim mudou o relógio de dois minutos para meia-noite para os atuais 100 segundos no início deste ano.

“No último ano, muitos governos usaram campanhas de desinformação ativadas pela internet para semear desconfiança contra instituições e entre nações, minando os esforços nacionais e internacionais para promover a paz e proteger o planeta.”

“Essa situação – duas grandes ameaças à civilização humana, amplificadas pela propaganda sofisticada impulsionada pela tecnologia – seria séria o suficiente se líderes de todo o mundo estivessem focados em gerenciar o perigo e reduzir o risco de catástrofe. Em vez disso, nos últimos dois anos, vimos líderes influentes denegrirem e descartarem os métodos mais eficazes para lidar com ameaças complexas – acordos internacionais com fortes regimes de verificação – em favor de seus próprios interesses estreitos e ganho político interno.”

“Ao minar as abordagens cooperativas, baseadas na ciência e na lei, para gerenciar as ameaças mais urgentes à humanidade, esses líderes ajudaram a criar uma situação que, se não for tratada, levará à catástrofe, mais cedo ou mais tarde.”

Isso deixa os cidadãos ativistas pelo desarmamento nuclear diante de uma colina íngreme a subir, mesmo quando usam o 75º aniversário dos dois atentados para impulsionar sua causa. A carnificina horrível e as mortes e doenças subsequentes – Yuzaki diz que os moradores de Hiroshima ainda encontram evidências delas – levaram a uma campanha mundial em favor dos sobreviventes pela abolição completa das armas nucleares.

Alguns historiadores, notadamente Gar Alperovitz, no Los Angeles Times, questionam se foi necessário lançar as bombas para derrotar o Japão nos dias finais da Segunda Guerra Mundial. Ele argumenta que o presidente Truman as usou mais como um aviso à URSS de que no novo mundo do pós-guerra os EUA eram supremos. E a URSS também desenvolvia capacidade para fazer bombas nucleares, desde 1942.

Pelo menos um cientista que trabalhou na bomba, o físico Leo Szilard, chegou a essa conclusão, mas por um caminho diferente. Szilard argumentou corretamente, em retrospecto, que usar a bomba desencadearia uma corrida armamentista ruinosa, especialmente com a URSS, e evitá-la “poderia ser mais importante do que o objetivo de curto prazo de tirar o Japão da guerra”, escreveu o historiador David McCullough em sua biografia, “Truman”.

Mas o memorando longo e detalhado de Szilard foi para F. D. Roosevelt, que morreu antes de poder lê-lo. Truman e seus assessores, em memórias subsequentes, descreveram como o presidente dos EUA obliquamente contou a Stalin em 1945 sobre “uma nova arma de grande força” que os EUA estavam desenvolvendo.

As memórias acrescentam que Stalin recebeu as notícias de Truman, na cúpula do pós-guerra em Potsdam, Alemanha, e ordenou aos cientistas soviéticos que acelerassem o trabalho de desenvolvimento da bomba atômica. Stalin também concordou em continuar a luta da União Soviética contra o Japão que vinha ocorrendo na China, e se juntou à luta no Pacífico.

Alperovitz afirma que os japoneses tinham muito medo dessa expansão soviética e que isso os levaria a se render. As bombas foram lançadas contra as cidades enquanto Truman estava a bordo de um porta-aviões no caminho de volta para de Potsdam para Washington.

Isso torna os cidadãos ativistas contra as bombas. Não apenas os de Hiroshima e Nagasaki, mas também dos EUA, onde milhões de pessoas viviam a favor do vento em locais de testes atômicos – como os residentes de St. George e Utah – ou que trabalhavam com materiais atômicos – como os trabalhadores nucleares em Hanford, Washington, e Oak Ridge, Tennessee.

A maioria eram antigos petroleiros, químicos e trabalhadores em energia nuclear, agora metalúrgicos. Eles e seus descendentes agora são beneficiários de um programa federal de ajuda especial para cobrir suas contas médicas.

E Hanford e Oak Ridge são apenas duas das centenas de locais onde pessoas, trabalhadores nucleares e civis inocentes, foram expostas à radiação atômica nos anos desde que as bombas foram lançadas.

O Comitê de Paz de Hiroshima / Nagasaki da Área da Capital Nacional mantém um banco de dados de fontes de radiação nuclear em todo o país que expõem as pessoas ao perigo. O comitê está organizando uma série de eventos pró-paz de 6 a 9 de agosto na área de Baltimore, apesar da pandemia de coronavírus.

O perigo nuclear, como advertem os defensores dos cidadãos, não está apenas nas bases militares. Está em usinas nucleares, hospitais, reatores, locais de armazenamento, locais de despejo, laboratórios e antigos locais de desenvolvimento de armas e plutônio, como Hanford, Oak Ridge e Paducah, Ky.,entre outros.

Somente Illinois tem 109 locais, variando de nove nos Laboratórios Nacionais de Argonne, na Batávia, a nove reatores nucleares em Braidwood, Bryon, Dresden e Seneca. Um deles é o local da primeira reação nuclear, feita em 1942, e supostamente “limpa” em 1993. Esse local do reator está agora ao lado da biblioteca principal da Universidade de Chicago. É marcado por uma monumental escultura de Henry Moore em bronze, alertando sobre os perigos da bomba. Moore esculpiu um crânio, em forma de nuvem de cogumelo.

Fonte: People´s World/Tradução: José Carlos Ruy

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