Vanessa Grazziotin: Lei de importunação sexual atinge cotidiano do machismo

Ex-senadora explica que o diabo mora nos detalhes, em que o dia-a-dia das mulheres é permeado de pequenos atos de importunação sexual sistemática. Campanha deve divulgar ainda mais a lei que caracteriza o crime e o distingue penalmente do assédio sexual e do estupro.

Guarda Municipal realiza ação de combate ao assédio no transporte coletivo de Manaus. Foto: Marcio James / Semcom

Apenas dois anos em vigor, e a LIS, Lei de Importunação Sexual (a Lei 13.718/18), já levou à punição de casos durante os dois últimos carnavais, entre outros, e vai se tornando cada vez mais conhecida pelas mulheres que passam a cobrar o direito a não ser importunada. Agora, a ONG Think Olga se uniu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que abrange os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, para criar estratégias de disseminação da lei, celebrando os dois anos da mudança da legislação.

Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM)

Em entrevista ao portal Vermelho, a ex-senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) comemorou a iniciativa. “A Lei da Importunação Sexual tende a se tornar tão importante no combate ao machismo, quanto a Lei Maria da Penha”, ressaltou. Ela explicou que, assim como a lei contra a violência feminicida, a LIS pode ser acionada por qualquer cidadão que queira proteger alguém da importunação sexual. A vítima também não pode voltar atrás na denúncia.

Outro aspecto que Vanessa destaca é que o machismo não é feito apenas de assassinatos e estupros, ou assédio sexual, mas de pequenas práticas naturalizadas no cotidiano das mulheres, as importunações sexuais, como beijos roubados no carnaval, toques em partes íntimas sem o consentimento ou cantadas grosseiras. As mulheres se sentem violadas em sua liberdade de ir e vir, ao serem importunadas por grupos de homem na rua ou num transporte coletivo, quando alguns chegam a segui-las ou até se masturbar diante delas. “Desnaturalizar essas práticas do cotidiano machista é uma forma preventiva de impedir que se chegue à violência física”, explicou Vanessa.

Para ela, a lei tem, principalmente, um caráter educativo ao estimular os homens a repensar suas práticas e se colocarem no lugar da mulher que se sente incomodada. Mulheres que incorporam a cultura machista, aceitando com naturalidade a importunação sexual também acabam repensando esses hábitos masculinos. ˜São medidas que contribuem para, gradualmente, descontruírem o machismo na sociedade brasileira, que se expressa das mais diversas formas”, afirmou.

De contravenção à crime

A LIS foi sancionada pelo então presidente Michel Temer tendo como base o PL 5452/16, de autoria da senadora do PCdoB, pouco mais de 6 meses depois do projeto ser aprovado na Câmara dos Deputados.

Como é uma lei muito nova, é pouco conhecida pela população e até pela esfera pública, como juízes e policiais, e o crime é comumente confundido com assédio sexual ou estupro. Por isso, a iniciativa da ONG Think Olga com o TRF-3 terá um papel fundamental na populariação da lei.

Em 2017, um caso de importunação sexual ficou conhecido por todo o Brasil provocando o debate no Congresso. Diego Novaes ejaculou no pescoço de uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo e foi preso, com o caso registrado pela Polícia Civil como estupro, caracterização inadequada que acabou levando a sua soltura, mesmo com histórico de pelo menos outros 16 casos semelhantes em transportes públicos da capital paulista pelo mesmo rapaz.

Até então, o ato de “importunar alguém em local público, de modo ofensivo ao pudor” era considerado apenas um delito previsto no artigo 61 na Lei de Contravenções Penais. Com a nova lei, foi revogada a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor.

Na mesma semana de sua soltura, Novaes foi pego “se esfregando” em outra mulher no transporte público, com o agravante de tê-la prendido na sua posição. Dessa vez, ele foi indiciado por “suspeita de ato obsceno”, posteriormente mudando a classificação para crime de estupro. Na ocasião, segundo a decisão do juiz responsável pelo caso, Antonio de Oliveira Agrisani Filho, na época da 27ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, Novaes foi condenado por infração ao artigo 215 do Código Penal.

Importunação, assédio e estupro

Pouco mais de um ano depois, foi sancionada a Lei de Importunação Sexual, que buscava sanar uma lacuna na legislação que dificultava a punição de autores de crimes como esses, que não poderiam ser considerados estupro ou assédio sexual. 

A lei caracteriza como crime atos libidinosos na presença de alguém sem seu consentimento, como toques inapropriados, beijos sem permissão, “encoxar”, cantadas invasivas, obscenidades. A importunação acontece, em geral, em espaços públicos e sem uso de força.

Já o assédio sexual acontece quando há uma posição de hierarquia entre o assediador e a vítima, como no ambiente de trabalho, e caracteriza-se por constrangimentos com a finalidade de obter favores sexuais, segundo o Artigo 216 do Código Penal. Estudos internacionais revelam que o Brasil é considerado o país onde meninas se sentem mais ameaçadas e importunadas em seu cotidiano.

O estupro, por sua vez, é o ato de constranger alguém mediante violência ou ameaça, a ter conjunção carnal ou permitir que com ele se pratique um ato libidinoso, segundo o Artigo 213 do Código Penal.

Quem pratica atos que se encaixem na Lei da Importunação Sexual pode pegar de 1 a 5 anos de prisão. Antes, como era apenas uma contravenção, os culpados apenas pagavam multas. A lei tem sido pouco aplicada porque é pouco conhecida, por isso, agora o trabalho deve ser difundir a lei para que seja mais fácil enquadrar esses casos.

Um comentario para "Vanessa Grazziotin: Lei de importunação sexual atinge cotidiano do machismo"

  1. Flavio disse:

    Muito bem, concordo. Mas o que me dizem de eu ter que ficar vendo peito, vagina e bunda praticamente todos os dias? Se as mulheres reclamam dos homens, temos direito fe reclamar da vulgaridade e da falta de respeito que vejo nas ruas, escolas, locais públicos todo o tempo. Para reforçar o feminismo, nos forçam a ver isso. Não quero criar meus filhos nesse ambiente, bem como elas não querem ver caras se masturbarem nas ruas. Se é pra sermos iguais, sejamos.

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