Tratado internacional inclui assédio no trabalho como violência

Antônio Rodrigues Freitas Júnior destaca que o documento da OIT permite interpretar os casos de ameaça como violência e o conceito de assédio seja válido a casos isolados e não apenas a atos contínuos, como ocorre no Brasil

Em dezembro deste ano, entra em vigor a Convenção 190, também conhecida como Convenção sobre Violência e Assédio no Mundo do Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o primeiro tratado internacional sobre o tema, que traz inovações importantes, como uma nova interpretação de assédio e violência de gênero.

Antônio Rodrigues Freitas Junior – Foto: Divulgação/Enamat

A Convenção 190 havia sido aprovada em 2019, com 439 votos favoráveis, sete contrários e 30 abstenções e começou a valer em junho deste ano. A aprovação ocorreu no aniversário de 100 anos da OIT, durante sua 108ª Conferência, realizada em Genebra, na Suíça. Até o momento, apenas sete países a ratificaram (Argentina, Equador, Fiji, Ilhas Maurício, Namíbia, Somália e Uruguai).

Mas, lembra o professor Antônio Rodrigues Freitas Júnior, especialista em Direito do Trabalho da Faculdade de Direito (FD) da USP, trata-se de um processo de longo prazo e que varia de país a país, ficando assim a ratificação dependente de sistemas e mecanismos legislativos próprios de cada nação. Mas, no caso do Brasil, que é membro da OIT, não existe a necessidade de se tornar signatário, já que essas “convenções tendem a ser, com o passar do tempo, ratificadas e assimiladas à ordem jurídica brasileira”. 

Ampliação da visão sobre violência no trabalho

Para o professor Freitas Júnior, o tratado conseguiu incorporar à violência no ambiente de trabalho “toda prática, comportamento ou ameaça inaceitáveis, ainda que isoladas, que tenham por objetivo, resultem ou tendam a resultar em ofensa econômica, sexual, psicológica ou física”. Destaca ainda que o documento permite interpretar os casos de ameaça como violência e o conceito de assédio seja válido a casos isolados e não apenas a atos contínuos, como ocorre no Brasil.

A ampliação de visão sobre a violência para a proteção da pessoa envolve as relações entre todos que “gravitam em torno do mundo do trabalho”, incluindo aprendizes, estagiários, ex-empregados, voluntários, candidatos a uma possível vaga ou posto de trabalho, prepostos, fornecedores, terceirizados, subcontratados e clientes; perpassando por todos os ambientes de trabalho, não apenas os físicos, mas todos os relacionados às atividades laborais.

Violência de gênero no trabalho

A Convenção 190, segundo Freitas Júnior, já devem produzir efeitos priorizando a proteção da pessoa também quanto à violência baseada em gênero. O que é bastante inovador, avalia, uma vez que “esse conceito de gênero não está relacionado apenas ao sexo binário, envolve, portanto, toda violência praticada motivada por intolerância em razão da diversidade de gênero”. 

Essas inovações mostram o posicionamento da OIT diante de um novo mundo, porque representa um redirecionamento da interpretação de direitos humanos “sobretudo para a inclusão, para a construção de uma cultura de tolerância e de paz”, diz o professor. 

A proteção do trabalhador, afirma, é o que confere à Convenção 190 “natureza de direitos humanos”, justificando que a prática de violência ou assédio no ambiente de trabalho “podem, sim, configurar violência aos direitos humanos” . E, quando isso ocorre, pode estar suscetível ao controle dos mecanismos internacionais e regionais dos direitos humanos. 

Edição de entrevista à Rádio USP