Julieta Palmeira fala sobre enfrentamento à violência de gênero

A secretária estadual de Políticas para as Mulheres da Bahia, em entrevista exclusiva, fala dos principais desafios de combate à violência contra a mulher e suas ações à frente da pasta.

Divulgação/SPM-BA

Os dados sobre violência contra a mulher no Brasil são alarmantes, estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia dividem as primeiras posições com maior número de casos registrados. Segundo a Rede de Observatórios da Segurança em pesquisa de 2021, a Bahia ocupa hoje o quarto lugar no índice nacional.

Porém, quando se trata de números de violência deste tipo, é preciso refletir sobre todas as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para registrar as denúncias; e sobre a necessidade de ações efetivas para que a totalidade dos casos seja registrada.

Em entrevista ao Portal Vermelho, a secretária estadual de Políticas Públicas para as Mulheres da Bahia, Julieta Palmeira afirma que há subnotificação da violência de gênero, ou seja, esse tipo de violência é ainda mais amplo do que os números mostram.

Para ela, há relevância em conhecer e visibilizar esses índices, uma vez que embasam iniciativas de políticas públicas e de ações de governo, instituições do sistema de justiça e também de organizações sociais. “Não são simples dados estatísticos, há vidas de mulheres envolvidas E em sua maioria vida de mulheres negras”, ilustra.

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Segundo Julieta, durante a pandemia da Covid-19, com o isolamento social, o quadro de violência doméstica e familiar se acentuou, houve elevação dos índices de violência de gênero e também o aumento da subnotificação dessa violência. Para ela, “as barreiras para se chegar às delegacias com o isolamento social ou as dificuldades de acessar canais de denúncia pela maior frequência do homem agressor em domicílio ou monitorando a mulher, nos leva a constatar que as mulheres estão em situação de vulnerabilidade no local onde deveriam estar em segurança, o seu lar”, pontou a secretária.

Para ela, é fundamental entender que a estruturação da sociedade capitalista no Brasil se dá com a interação da desigualdade social, desigualdade gênero (patriarcado) e racismo estrutural. “A cultura machista está assentada nesses pilares e se reproduz e vem naturalizando a violência de gênero ao longo dos anos, séculos”, afirma Julieta.

Julieta Palmeira

A inserção das mulheres no mercado de trabalho e em outros espaços de atividades sociais traz mudanças, possibilitando questionar essa cultura e a desigualdade. Porém, afirma a secretária, há ainda um longo caminho para acabar com a impunidade, mesmo com os marcos legais avançados e civilizatórios, a exemplo da Lei Maria da Penha; e também para transformar essa cultura machista e misógina que retroalimenta a violência de gênero.

Na entrevista, a secretária elenca os objetivos e principais ações de competência da pasta que ela dirige. Para ela, políticas públicas voltadas ao impulsionamento de mais mulheres na política, incluindo o enfrentamento à violência política gênero e ações educativas, são os passos fundamentais para dar empoderamento às mulheres e estabelecer efetiva participação feminina na democracia brasileira.

Confira abaixo a entrevista:

Portal Vermelho – Como tem sido a atuação da Secretaria de Estado de Políticas para Mulheres da Bahia (SPM-BA) para prevenir e combater a violência e o feminicídio?

Julieta Palmeira: Desde 2017, a secretaria desenvolve a campanha Respeita As Mina, de sensibilização pelo fim da violência contra as mulheres, em toda a diversidade e vivências representadas no termo mulheres. A campanha se iniciou sensibilizando contra o assédio no Carnaval de Salvador e hoje toma contorno nacional. É uma referência de sensibilização pelo fim de todos os tipos de violência contra as mulheres.

Carnaval Salvador

Na atualidade, a logomarca Respeita As Mina é de domínio público e livre para ser usada por qualquer grupo social. Na gestão pública na Bahia, o projeto representa também uma estratégia de gestão, englobando ações transversais e de políticas integradas em diversos campos de atuação como é o caso do projeto Quem Ama Abraça, em parceria com a Secretaria de Educação, que discute com educadoras, educadores e estudantes o enfrentamento à violência nas escolas da rede estadual de ensino. Nessa perspectiva, existem várias iniciativas.

Quais são as competências da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres?

A SPM-BA foi criada com a missão de elaborar, propor, articular e executar políticas públicas para todas as mulheres, respeitando suas diferenças com prioridade para as mulheres em situação de pobreza e/ou vulnerabilidade social em todo estado da Bahia.

Quais os serviços foram implantados desde a criação da secretaria que destacaria?

Desde 2011, quando foi criada, três secretárias passaram pela pasta. No período de 2011 a 2014, Vera Lucia Barbosa; 2015 a 2016, Olivia Santana; e a partir de 2017 estou à frente da gestão.

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No início, assinamos convênios federais e iniciamos projetos, a exemplo do Projeto Margaridas, voltado para apoio aos arranjos produtivos de mulheres do campo, das águas e da floresta e para a sensibilização contra a violência de gênero. Durante a gestão de Olivia Santana foi realizada a 4ª Conferência Estadual dos Direitos das Mulheres. Olívia deixou legados, a exemplo da criação da Ronda Maria da Penha, um serviço que, a partir de solicitação judicial, acolhe mulheres sob medidas protetivas, e iniciou o projeto Mulher com a Palavra, que traz mulheres inspiradoras para relatar suas vivências e opiniões ao palco do Teatro Castro Alves. Todos esses projetos continuam até hoje.

Reunião sobre projetos na secretaria.

Sou gestora num período em que os direitos das mulheres estão sendo subtraídos na mesma medida em que a democracia brasileira é ameaçada.

Uma das metas foi a continuidade dos serviços iniciados nos governos Lula e Dilma, a exemplo das unidades móveis do Projeto Mulher Viver sem Violência que percorrem povoados com uma equipe interdisciplinar com advogada, assistente social e psicóloga. O desafio é manter, qualificar e ampliar os serviços especializados de acolhimento às mulheres em situação de violência e o fortalecimento da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (CatalogoRedeDeAtendimentoAsMulheres.pdf), ampliando o número de Centros de Referência de Atendimento as Mulheres em Situação de Violência (Crams), entre outros projetos.

Ampliamos e hoje são três casas para atendimento regionalizado sob a responsabilidade da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Recentemente, desenvolvemos parcerias com o Instituto Avon e a Rede Accor para buscar apoiar municípios para o funcionamento do abrigamento temporário que é de responsabilidade dos municípios.

Contato de apoio

O serviço especializado mais recente é o Zap RespeitaAsMina. Investimos em desenvolvimento tecnológico proporcionando o acesso de forma mais simples, pelo Whatsapp.

É uma Central de Apoio às ocorrências/denúncias de violência doméstica e familiar para que se possa solicitar apoio e orientações. E em caso de emergência e urgência, dialogando em tempo real com atendentes especializadas.

O SacMulher Digital é uma categoria de serviços que reúne os serviços digitalizados existentes em âmbito do estado, facilitando às mulheres o acesso aos mecanismos e instrumentos para ações de enfrentamento à violência, acesso ao trabalho, produção e geração de renda, educação e saúde.

Há também o serviço Sine Bahia Mulher que abriu já a segunda unidade, fruto de parceria com a Secretaria do Trabalho, que disponibiliza postos de trabalho e qualificação para o mercado de trabalho para mulher.

Projeto de inclusão da mulher no mercado de trabalho. Sine Bahia Mulher.

Quais são os principais projetos da secretaria, seus objetivos e como cada um funciona? Alguns outros projetos em perspectiva?

Na pandemia, foi implantado o Portal Compre das Mina, um catálogo de produtos e serviços, que pioneiramente dá visibilidade a empreendimentos de origem na Bahia e liderados por mulheres com cadastramento gratuito e geolocalização, podendo ser realizada a compra direta com quem disponibiliza o produto.

Foram realizados vários editais com foco na dinamização produtiva de mulheres, a exemplo do Edital de Incentivo à Empreendimentos Solidários Liderados por Mulheres.

Em 2019, a SPM lançou o Edital Respeita as Mina, uma iniciativa que visa ampliar a implementação das políticas públicas para as mulheres e o apoio à execução de projetos para Empoderamento e Autonomia de Mulheres do Estado da Bahia.

A SPM-BA muito antes da pandemia da Covid-19 desenvolve o projeto Mulheres Produtivas que tem possibilitado entre outras iniciativas a disponibilização de casas de farinha móveis para grupos de mulheres, com equipamentos mais sustentáveis de alta produtividade. O equipamento disponibilizado pela SPM para ser operado por mulheres foi um dos equipamentos mais visitados na Fenagro 2019.

Projeto itinerante. Divulgação SPM-BA

No enfrentamento à violência são destaques, a Qualificação em Gênero da Policia Civil, em especial do contingente que atende as mulheres nas delegacias numa parceria com a Academia de Polícia – Acadepol. Essa iniciativa se estende para a Polícia Militar.

Já o Projeto Respeita As Mina na Saúde visa qualificar a equipe de saúde para a prevenção da violência institucional e obstétrica, em parceria com a UNFPA/ONU.

Dignidade menstrual. Escola Estadual Pinto de Aguiar. | Foto: José Nildo Almeida

Na contramão do desgoverno federal, a Bahia vem desde 2021, por meio da SPM, desenvolvendo o Projeto Dignidade Menstrual, em parceria com a Secretaria de Educação. Já alcançamos 226 mil estudantes, além de promover medidas educativas para quebrar os tabus e mitos sobre a menstruação. O Projeto também permitiu a ampliação de absorventes para mulheres em situação prisional.

Considero fundamental políticas públicas voltadas para o impulsionamento de mais mulheres na política, incluindo o enfrentamento à violência política gênero e ações educativas, afinal esse é o principal empoderamento, pois as mulheres querem deixar a sua marca na democracia brasileira.  

Perfil

À frente da secretaria desde 2017, Julieta Palmeira é médica, dirigente nacional e estadual do PCdoB. Participa ativamente do movimento de mulheres desde os anos de 1970.

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