Como Bolsonaro boicotou a inclusão de negros nas universidades

Entre 2020 e 2021, Bolsonaro não concedeu auxílios-permanência a estudantes cotistas

Foto: Alma preta jornalismo/ Reprodução

A evasão universitária disparou no Brasil sob a gestão Jair Bolsonaro e prejudicou especialmente estudantes negros e indígenas. É o que indica a pesquisa “Avaliação das Políticas de Ação Afirmativa no Ensino Superior no Brasil: Resultados e Desafios Futuros”, elaborada desde 2020 pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior da UFRJ e pela Ação Educativa.

O trabalho – que ainda será finalizado – contou com 39 pesquisadores de seis universidades: UFMG, UFPA, UFPR, UFRB, UFGD e UFRJ. Uma síntese de suas conclusões iniciais foi divulgada nesta quarta-feira (20) em reportagem de Rodrigo de Souza para o portal UOL.

Bolsonaro freou a democratização de acesso à universidade pública iniciada nos governos Lula e Dilma Rousseff. O maior marco dessa democratização foi a Lei Nº 12.711/2012, sancionada por Dilma e conhecida como “Lei de Cotas”. Antes dela, porém, já havia ações afirmativas em 70% das instituições federais e estaduais, beneficiando estudantes negros, indígenas e quilombolas.

As cotas realmente democratizaram o ensino superior porque, em 2010, “10% dos estudantes chegavam às universidades federais via reserva de vagas. Já em 2019, os cotistas representavam 39% dos entrantes”.

Havia, também, incentivo à permanência. “Desde 2013, o MEC disponibilizava bolsa-permanência a estudantes indígenas e quilombolas (R$ 900) ou em situação de vulnerabilidade econômica (R$ 400)”, diz o UOL.

Mas Bolsonaro simplesmente não destinou verba ao Programa Nacional de Assistência Estudantil, responsável por essas ações de incentivo. “Segundo o ministério, a concessão do auxílio foi interrompida em 2019, quando 4 mil bolsas foram distribuídas. Entre 2020 e 2021, os benefícios não foram concedidos.”

“Apesar de franquear acesso ao ensino superior a populações historicamente afastadas dos bancos universitários, a reserva de vagas instituída pela Lei de Cotas não garante que elas concluam os cursos”, aponta a pesquisa. Com o agravamento da crise econômica, auxílios estudantis que garantam a permanência desses universitários no ensino superior tornam-se mais urgentes.

Muitos jovens afrodescendentes foram os primeiros de suas famílias a alcançarem o ensino superior. Sem auxílios, no entanto, tiveram de desistir da graduação.

“A proporção de diplomados entre os brancos aumentou em índice superior ao de pardos, enquanto o índice de formandos entre pretos e indígenas mal se mexeu”, aponta a reportagem, que se baseia em dados do IBGE. “O crescimento dos diplomados tem se dado com a manutenção de desigualdades raciais. É significativo o incremento para a população branca, mas os avanços são bem mais tímidos para os negros.”

Depois que Bolsonaro assumiu, a taxa de abandono entre cotistas disparou. “Há uma perda que ocorre ao longo da graduação. Também há estudantes que entram e demoram mais a se formar por causa das dificuldades financeiras”, resume a pesquisadora Rosana Heringer, professora da Faculdade de Educação da UFRJ e uma das coordenadoras do estudo.  

De acordo com a pesquisa, “o volume dos benefícios aos estudantes cotistas é muito menor do que a demanda crescente, intensificada pelos efeitos brutais das crises econômica e pandêmica na vida dos estudantes e de suas famílias, gerando insatisfação e cobranças por parte dos estudantes”.

O resultado é similar ao da pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), feita com 424 mil alunos de 63 universidades federais em 2018: “Dificuldades financeiras são o principal motivo que faz homens e mulheres negras pensar em abandonar a universidade (…).Este também é o principal fator que atrapalha a vida e os estudos apontado por estas pessoas, enquanto a maioria dos homens brancos indicaram a falta de disciplina para estudar e a razão preponderante entre mulheres brancas foram os problemas emocionais”.

Além da falta de investimentos, os estudantes foram afetados pelo Teto de Gastos – a nefasta Emenda Constitucional 95/2016, que tirou verbas da Educação. “Na UFRJ, que anunciou que pode fechar as portas em setembro por falta de recursos, o edital para a distribuição de bolsas no primeiro semestre letivo de 2022 recebeu mais de 3.600 inscrições para as diferentes modalidades de auxílio, mas atendeu apenas 1.700 solicitações”, diz o UOL.

A situação pode piorar ainda mais. “Este mês, reitores foram informados de uma previsão de 12% de corte no orçamento do MEC para as universidades em 2023. Serão cerca de R$ 600 milhões a menos do que o valor deste ano”, afirma a reportagem. “Outra previsão de corte foi comunicada aos institutos federais de ciência e tecnologia, que também oferecem auxílios para permanência. Para eles, o orçamento para o ano que vem pode ser até R$ 300 milhões menor do que em 2022.”

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