7 de Setembro: As lutas pela independência, por José Carlos Ruy

História das lutas sociais no Brasil demonstra de forma inequívoca a falsidade das teses que atribuem ao povo brasileiro uma “índole pacífica”

Com sua tela, Antônio Parreiras retratou "O Primeiro Passo para a Independência da Bahia", evocando as lutas de 1820

Muita gente gosta de repetir o jargão conservador de que os brasileiros são um povo pacífico, que não luta e aceita a opressão quase sem se rebelar. Esta mentira, repetida por escritores e ideólogos conservadores, e pela mídia patronal, não corresponde à verdade histórica, não resiste ao exame da história a partir de um ponto de vista popular.

De acordo com o grande historiador José Honório Rodrigues, a história do Império teria sido a crônica de uma guerrilha permanente. Ele poderia ter ampliado esta avaliação para toda a história brasileira, que tem sido, desde o desembarque dos portugueses nesta parte do mundo, a crônica de uma resistência sem fim pela liberdade, contra a escravização, pela liberação da terra, contra a opressão.

A história das lutas sociais no Brasil demonstra de forma inequívoca a falsidade das teses que atribuem ao povo brasileiro uma “índole pacífica”. Como todos os povos, de todos os lugares, o povo brasileiro defendeu-se, muitas vezes de armas na mão, contra os opressores.

Tamoio e Xavante

A conquista portuguesa do Brasil enfrentou poderosa e decidida resistência armada por parte dos ocupantes originários da terra. Os pontos altos dessa resistência foram a “Confederação dos Tamoio” (1554-55 a 1567), entre São Paulo e o Espírito Santo, ou a “Confederação dos Janduim” (conhecida também como “Guerra dos Bárbaros“, de 1683 a 1710), no sertão do Nordeste.

Ao lado dessas grandes insurreições indígenas, ocorreram ações menores, constantes em toda a história do Brasil. Nas primeiras décadas do século 20, os Xavante tornaram-se célebres por sua ousada resistência à ocupação das terras do Brasil Central. E hoje, na Amazônia, são escritas talvez as páginas mais recentes dessa resistência heroica e desesperada. Basta ler os jornais e acompanhar seu desenrolar.

Revoltas escravas

Desde os primeiros momentos da escravidão no Brasil os negros lutaram contra o estatuto que os oprimia. Essa luta assumiu a forma de fugas para as matas, com a formação de quilombos; guerrilhas; insurreições urbanas; revoltas urbanas organizadas para a tomada do poder; e a participação em movimentos políticos conduzidos por outras camadas sociais.

O Quilombo de Palmares é a manifestação mais marcante dessa luta. Já nos fins do século 16 há notícias, na Serra da Barriga, de quilombos formados por negros que escaparam dos engenhos de açúcar na região dos atuais estados de Alagoas e Pernambuco. O quilombo cresceu a partir de 1630, ocupando uma área de mais ou menos 60 léguas, abrigando cerca de 25 mil moradores – uma população imensa para a época. Em 1694, comandada por Domingos Jorge Velho, a maior força armada jamais vista em todo o período colonial destruiu o quilombo, depois de quase um século de resistência.

Quilombos existiram por todo o tempo em que durou a escravidão. Em 1759, Bartolomeu Bueno do Prado destruiu o quilombo de Campo Grande, em Minas Gerais e Goiás. Por volta de 1770, formou-se o quilombo da Carlota, em Mato Grosso. E, no Maranhão, o quilombo do Preto Cosme ficou famoso por sua participação na Balaiada (1838/1843).

As insurreições armadas urbanas e as revoltas organizadas para tomar o poder tem, entretanto, alcance social mais profundo, e ocorreram também em todo o território nacional. As mais conhecidas compõem a série de revoltas urbanas ocorridas em Salvador (Bahia) em 1807, 1808, 1809, 1813, 1814, 1822, 1823, 1826, 1827, 1830, 1835 e 1844.

A mais importante entre estas foi a de 1835 – com um planejamento meticuloso e envolvendo todos os escravos do Recôncavo, teve seu início precipitado por uma delação. Na prisão, alguns deram exemplo de grande dignidade, como o nagô Henrique que, sob tortura, e já com as primeiras contrações do tétano que o mataria, recusava-se a delatar seus companheiros afirmando que “não dizia mais nada porque não é gente de dizer duas coisas, e o que disse está dito até morrer”.

Independência

As primeiras manifestações de uma dinâmica autônoma frente aos interesses coloniais ocorrem na luta contra os holandeses que, em 1624, atacam Salvador, (BA), cuja população fugiu para o interior. Dom Marcos Teixeira, bispo da cidade, organizou a resistência para expulsar os invasores.

Em 1630, os holandeses ocuparam Pernambuco e em seguida uma faixa do território entre Alagoas e o Rio Grande do Norte. Quando a exploração holandesa mexeu com os interesses dos grandes proprietários rurais, eles mobilizaram todas as forças sociais da Colônia – clero, camadas pobres, índios e até mesmo os negros – e, em 1654, forçaram os holandeses a assinar a rendição.

Nos últimos anos do século 18, houve várias conspirações pela independência, como as Inconfidências Mineira (1789), do Rio de Janeiro (1794) e a Revolução dos Alfaiates (1798), liderada por soldados e alfaiates negros de Salvador e envolvendo padres, profissionais liberais, funcionários públicos, oficiais das milícias, sapateiros, pedreiros, além de muitos escravos.

Em 1817, comerciantes brasileiros, grandes proprietários, parte do clero e pobres sem acesso à terra instalaram em Recife (Pernambuco) o primeiro governo nacional brasileiro, abrangendo Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. A falta de coesão política entre os dirigentes (causada por divergências sobre a abolição da escravidão e a mobilização do povo em defesa da revolução) tornou o novo governo muito frágil. Em maio de 1817, tropas portuguesas desembarcaram em Recife, os revolucionários saíram para o interior e o sonho de independência teve fim.

Mas serviu, contudo, para mostrar que o jugo português tinha seus dias contados. Em junho de 1822, os liberais baianos iniciaram no interior um movimento contra as tropas portuguesas. A luta durou até julho de 1823, com a expulsão do colonizador. No Piauí e no Maranhão, a luta contra o domínio português foi até março de 1823.

Os levantes da Regência

As lutas entre nacionalistas e portugueses marcaram todo o primeiro reinado. Em 1823, D. Pedro 1º dissolveu a Assembleia Constituinte, atribuindo-se poderes absolutos. Os liberais em Pernambuco não aceitaram a Constituição outorgada e, com apoio da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, proclamaram a Confederação do Equador, em 1824.

Em 1831, um levante popular no Rio de Janeiro, com apoio da tropa, obrigou Pedro 1º a abdicar, abrindo-se assim o período agitado da Regência, com revoltas em diversas províncias: a Setembrada, no Maranhão, a Novembrada e a Abrilada, em Pernambuco, as Revoltas Federalistas, na Bahia, a Guerra dos Cabanos (1832 a 1835) nos sertões de Alagoas e Pernambuco.

Em 1835, houve uma revolta em Ouro Preto, Minas Gerais; em, 1834-35, a Carneirada, em Pernambuco; em 1837, a Sabinada tentou instaurar uma república independente na Bahia. No Rio Grande do Sul, a Revolução Farroupilha instaurou uma república independente que durou de 1835 a 1845. Ocorreram também a Cabanagem (1835-1840), no Pará, onde pela primeira vez as camadas populares conquistaram e mantiveram o poder por longo espaço de tempo.

Em 1838, houve a Balaiada, no Maranhão, reprimida por Caxias com apoio dos liberais que, tendo aderido à revolta, foram anistiados pelo mesmo repressor com a condição de aderirem à luta contra camponeses e ex-escravos, que haviam sido seus aliados. Em 1842, houve a Revolução Liberal, em São Paulo e Minas Gerais, também reprimida por Caxias. E, de 1848 a 1850, houve a Revolução Praieira, em Pernambuco, um movimento democrático e antilatifundiário, com grande apoio popular.

NOTA DA REDAÇÃO

Este artigo é uma adaptação do ensaio “As lutas do povo brasileiro”, escrito pelo autor em 2020.

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