O Cerrado e as eleições 2022

É mais urgente falar da ausência do Cerrado no debate eleitoral, justamente nessas que são eleições cruciais para uma virada de rumo

Foto: Agência Brasil

Esse não é um texto para falar das muitíssimas importâncias do Cerrado para a vida no Brasil e no planeta. Apesar do Cerrado continuar a sofrer com a destruição em mais um dia a ele dedicado, não escrevo para exaltar sua biodiversidade, os conhecimentos e culturas dos povos cerratenses, os serviços ambientais prestados, dentre eles o papel fundamental no fornecimento de água doce para o país, ou ainda seu valor intrínseco, seu direito de existir, e o dos seres humanos de poderem admirá-lo. Até poderia dedicar o texto a esses essenciais assuntos, merecedores de toda a atenção. Mas é mais urgente falar da ausência do Cerrado no debate eleitoral, justamente nessas que são eleições cruciais para uma virada de rumo, uma ruptura com o fascismo e a livre “passagem da boiada” em direção a tempos com mais democracia, empatia e responsabilidade.

Ainda que às custas de muita destruição e perdas de vidas humanas, a temática ambiental finalmente vem adquirindo força e centralidade no debate político no país. O centro das atenções é o desmatamento da Amazônia, alvo de críticas severas ao governo Bolsonaro quanto o assunto é o descaso com o meio ambiente e a conivência com a violência no campo, e objeto de preocupação de candidatos e mídia quando o debate se volta aos cuidados com o planeta e, sobretudo, às relações internacionais e a preocupação global com o modo como o Brasil tem (des)cuidado da floresta.

Leia também: “Bolsonaro prepara sua grande mentira no Brasil”, diz a The Economist

Enquanto isso, o discurso hegemônico de exaltação do Agronegócio segue firme e inabalável na bancada da mídia comercial e nos pronunciamentos dos políticos. Apesar de todas as evidências indicarem o Agronegócio como o principal agente destruidor do Cerrado, ele continua sendo “tech, pop e parceiro do meio ambiente” para a Rede Globo e afins, e exemplo do “Brasil que dá certo” nas falas de candidatos liberais e ultraliberais, ligados à bancada ruralista. Mesmo nos discursos mais afinados com a ideia de sustentabilidade e de respeito aos povos tradicionais, como é o caso de Lula, o Cerrado não é sequer citado, ficando de fora do plano de conservação e uso sustentado que parece incluir apenas a Amazônia.

É, portanto, fundamental que o Cerrado seja incluído nessa onda de transformar o Brasil em modelo mundial de preservação ambiental e de desenvolvimento sustentável. Propostas e projetos já existem, inclusive no Congresso Nacional. A PEC 504/2010, aprovada por unanimidade no Senado, aguarda desde 2010 ser pautada na Câmara para incluir Cerrado e Caatinga dentre os biomas tratados como patrimônio nacional no artigo 225 da Constituição Federal. Já o projeto de lei nº 5462/2019, que dispõe sobre a Política de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Cerrado, anda por alguma gaveta da burocracia do poder legislativo. Ambos precisam ser tratados como prioridade pelo novo governo e a nova legislatura. Essas e outras políticas de valorização do segundo maior bioma brasileiro são primordiais para reverter o quadro de descaso que tem resultado em tamanha destruição, e que trará consequências para todo o país, inclusive a própria Floresta Amazônica. Ambientalistas, cientistas e políticos responsáveis com o futuro do planeta não podem perder essa derradeira oportunidade de salvar o que resta do Cerrado.

Autor