Lula e Biden discutem desafios convergentes e compromissos

Biden diz que a democracia prevaleceu no Brasil e nos EUA e se disse familiarizado com os desafios enfrentados por Lula.

Lula e Biden (Foto: Ricardo Stuckert)

Ao se encontrar com o presidente Joe Biden, na Casa Branca, no fim da tarde, o presidente Lula convidou o norte-americano para trabalharem juntos por três causas: a democracia, a igualdade social e a proteção do meio ambiente. O encontro discutiu desafio convergentes, como os ataques à democracia nos dois países, conversaram sobre as divergências em relação à guerra na Ucrânia e assumiram compromissos sólidos em relação ao combate à mudança climática.

Na extensa agenda que cumpriu nesta sexta-feira (10), em Washington, nos Estados Unidos, Lula convidou Biden a lutar pela redução da desigualdade e anunciou o compromisso de fazer o Brasil chegar ao desmatamento zero na Amazônia até 2030. O brasileiro assegurou que o Brasil está de volta ao diálogo internacional.

Esta é a segunda viagem internacional de Lula pouco mais de um mês após tomar posse como presidente. No mês passado, ele visitou a Argentina e o Uruguai, fortalecendo a integração latino-americana. Nos próximos meses, Lula visitará a China e também países da África, como Angola, Moçambique e África do Sul.

Foto: Ricardo Stuckert

Familiaridade

Ao receber Lula no Salão Oval da Casa Branca, Biden ressaltou que as “duas nações são democracias fortes que foram duramente testadas e prevaleceram”. O presidente americano citou os atos de vandalismo nos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 e em Brasília, no dia 8 de janeiro deste ano. 

Ele estava se referindo às insurreições estranhamente semelhantes que ocorreram – com dois anos de diferença – nos Estados Unidos e no Brasil em 6 de janeiro de 2021 e 8 de janeiro de 2023, respectivamente.

“A democracia prevaleceu” em ambos os países, disse Biden, acrescentando que o Brasil e os Estados Unidos – as duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental – “rejeitam a violência política”.

“Nossos valores compartilhados e os fortes laços entre os nossos povos tornam o Brasil e os Estados Unidos parceiros naturais para enfrentarem os grandes desafios atuais, globais, mas especialmente a mudança climática”, argumentou Biden. 

Lula iniciou sua declaração agradecendo o rápido reconhecimento de Joe Biden em sua vitória nas eleições de 2021, diante do negacionismo do adversário Jair Bolsonaro. O presidente também afirmou que vai trabalhar para recolocar o Brasil na nova geopolítica mundial porque o país ficou fora do cenário nos últimos quatro anos. 

“O senhor sabe que o Brasil ficou quatro anos se automarginalizando. Um presidente que não gostava de ter relações com nenhum país”, disse. Sem citar Bolsonaro, afirmou que “seu mundo começava e terminava com fake news”. Biden respondeu que a situação “soa familiar”, em referência ao ex-presidente norte-americano Donald Trump.

Pautas convergentes

Mas ele também sinalizou outras pautas que dialogam com os dois países, com a desigualdade racial. Após a reunião, que durou mais de uma hora e foi seguida por outro encontro do qual participaram ministros dos dois governos, Lula disse à imprensa acreditar que os Estados Unidos possam contribuir com o Fundo da Amazônia, com o qual já colaboram países como Noruega e Alemanha.

“Temos alguns problemas para trabalhar juntos. Primeiro, nunca mais permitir que haja uma nova invasão do Capitólio, como houve aqui, e do Congresso Nacional, do Palácio do presidente e da Suprema Corte, como aconteceu no Brasil”, disse Lula.

O segundo ponto, segundo Lula, deve ser o combate à desigualdade e ao racismo. “Especialmente a juventude negra da periferia é muitas vezes vítima da incapacidade do Estado, pois a violência que existe na periferia é a ausência do Estado com políticas públicas para garantir sonhos para a juventude”, afirmou a Biden.

“A terceira coisa é a questão climática”, prosseguiu. “Nos últimos anos, a Amazônia foi invadida devido à irracionalidade política e humana, porque tivemos um presidente que mandava desmatar, mandava garimpo entrar nas terras indígenas. Eu assumi o compromisso de que, até 2030, nós vamos chegar ao desmatamento zero na Amazônia”, anunciou, fazendo com que Biden fizesse um gesto de comemoração.

“Eu tenho certeza de que os Estados Unidos, através do presidente Biden, está muito convencido da necessidade de ajudar a cuidar do mundo, sobretudo nos países que ainda têm muitas reservas florestais”, disse.

Clube da Paz

O presidente brasileiro disse ter proposto a Biden um grupo neutro para negociar um possível acordo de paz para a guerra entre Rússia e Ucrânia. Lula informou que já apresentou a sugestão ao presidente francês, Emmanuel Macron, e ao chanceler alemão, Olaf Scholz, que esteve em Brasília na semana passada.

Segundo Lula, os trabalhos começariam pela negociação de um cessar-fogo ou de um armistício. “A primeira coisa [do grupo] é terminar a guerra. Depois, negociar o que for acontecer no futuro”, afirmou. “Estou convencido de que é preciso encontrar uma saída para colocar fim a essa guerra. E senti da parte do presidente Biden a mesma preocupação, porque ninguém quer que essa guerra continue. É preciso que tenha parceiros capazes de construir um grupo de negociadores que os dois lados acreditem”.

Lula é entrevistado por Christiane Amampour, da CNN. Foto: Ricardo Stuckert

Em entrevista exclusiva à CNN, Lula defendeu que se autorizasse o envio de munições para o conflito entre Rússia e Ucrânia seria o mesmo que entrar na guerra.

“Lógico que ela [a Ucrânia] tem o direito de se defender. Lógico que ela tem o direito de se defender, até porque a invasão foi um equívoco da Rússia. Ela não poderia ter feito isso. Afinal de contas, ela faz parte do Conselho de Segurança Nacional. Ou seja, isso não foi discutido no Conselho de Segurança. O que eu quero é dizer o seguinte: olha o que tinha que ser feito de errado já foi feito”, explicou Lula à Christiane Amanpour, da CNN, em Washington, nos Estados Unidos. “Eu não quis mandar [munição para Ucrânia], porque se eu mandar, eu entrei na guerra. E eu não quero entrar na guerra, eu quero acabar com a guerra”, afirmou.

O presidente Lula declarou que trabalhará para construir um caminho para pacificação no cenário global. O pedido de munição de tanques foi feito pelo governo da Alemanha para apoiar a Ucrânia, em guerra com a Rússia.

“Estou comprometido com a democracia. No caso da Ucrânia e da Rússia, é preciso que alguém esteja falando sobre paz. Precisamos falar com o presidente Putin sobre o erro que foi a invasão [do território ucraniano], e devemos falar para a Ucrânia conversar mais. O que quero dizer a Biden é que é necessário um grupo de países pela paz”, disse. “Agora é preciso encontrar pessoas para tentar ajudar a consertar. E eu, eu sei que o Brasil não tem muita importância no cenário mundial, nessa lógica perversa dos conflitos do mundo. Mas eu posso te dizer que eu vou me dedicar para ver se encontro um caminho para alguém falar em paz”, acrescentou.

Em relação à ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), Lula disse ter levado a sugestão, historicamente defendida pela diplomacia brasileira, a Biden. O líder brasileiro disse que a ideia foi bem recebida pelo mandatário norte-americano.

“Pedi que outros países possam participar do Conselho de Segurança para que algumas decisões de ordem climáticas sejam tomadas a nível internacional. Senti muita disposição do presidente americano para contribuir com isso”, comentou Lula.

Com Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia como membros permanentes, o Conselho de Segurança da ONU concede o aval das Nações Unidas para guerras. Mais dez países têm assentos rotativos, com qualquer um dos cinco países com assentos permanentes tendo poder de veto.

Lula com a ministra Anielle Franco e parlamentares democratas

Brasil melhor em 4 anos

Antes de encontrar Joe Biden, Lula se reuniu com o senador Bernie Sanders e com deputados do partido Democrata dos Estados Unidos. Ele também concedeu uma entrevista à rede de tevê CNN.

Na conversa com a jornalista Christiane Amanpour, Lula disse ter certeza de que será possível reconstruir e unificar o Brasil. Ele lembrou que, nos 13 anos de governo do PT, o Brasil pagou sua dívida externa, fez uma reserva internacional de US$ 370 bilhões, reduziu o desmatamento em 80% e gerou 22 milhões de empregos formais.

“E é isso que vamos fazer agora. Minha política é muito simples: é incluir o povo pobre no orçamento. O povo pobre tem que participar da economia. Temos que ter uma política de incentivo ao empreendedor individual, à pequena e a média empresa e às cooperativas, temos que voltar investir em habitação popular, saneamento básico, estradas e ferrovias. Nós temos projeto e sabemos como fazer. Pode ter certeza que, daqui a quatro anos, o Brasil estará muito melhor (…) e muito mais democrático”, garantiu.

Lula também fez uma defesa da paz, explicando que o Brasil quer se colocar como um dos interlocutores na busca pelo fim da guerra na Ucrânia. “O errado já está feito. O que precisa agora é encontrar pessoas para consertar. Eu não quero entrar na guerra, eu quero acabar com a guerra”, argumentou.

Questionado se tratará sobre extradição do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está nos Estados Unidos desde o dia 30 de dezembro do ano passado, Lula afirmou que só falará caso o presidente americano Joe Biden aborde o assunto.

“Um dia ele terá que voltar ao Brasil e enfrentar os processos a que responde. Não vou falar com Biden sobre extradição do Bolsonaro, isso depende dos tribunais, e quero que ele seja considerado inocente até que seja provado o contrário, o que não aconteceu comigo. Só falo com Biden sobre isso se ele falar.”

Com ministros, Lula cumprimenta o senador democrata Bernie Sanders. Foto: Ricardo Stuckert

A Embaixada dos EUA divulgou declaração conjunta dos presidentes, onde trata de temas como democracia, direitos humanos, segurança alimentar, com destaque para igualdade racial, parceria líder contra a mudança climática, além do debate sobre a segurança global. Leia a íntegra da declaração:

Declaração conjunta da reunião entre os presidentes Lula e Biden

Nesta sexta-feira (10), o presidente dos Estados Unidos, Joseph R. Biden Jr., e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, reuniram-se em Washington, D.C. Durante o encontro, os dois líderes reafirmaram a natureza vital e duradoura da relação Brasil-EUA e ressaltaram que o fortalecimento da democracia, a promoção do respeito aos direitos humanos e o enfrentamento da crise climática permanecem no centro da agenda comum.

Como líderes das duas maiores democracias das Américas, o presidente Biden e o presidente Lula se comprometeram a trabalhar juntos para fortalecer as instituições democráticas e saudaram a segunda Cúpula pela Democracia, a realizar-se em março de 2023.

Ambos os líderes notaram que continuam a rejeitar o extremismo e a violência na política, condenaram o discurso de ódio, reafirmaram sua intenção de construir resiliência da sociedade à desinformação, e concordaram em trabalhar juntos nessas questões.

Eles discutiram objetivos comuns de avançar a agenda dos direitos humanos por meio da cooperação e coordenação em questões como inclusão social e direitos trabalhistas, igualdade de gênero, equidade e justiça raciais, e a proteção dos direitos das pessoas LGBTQI+.

Eles também se comprometeram a revitalizar o Plano de Ação Conjunta Brasil-EUA para a Eliminação da Discriminação Racial e Étnica e Promover a Igualdade para benefício mutuo de comunidades raciais, étnicas e indígenas marginalizadas, incluindo afrodescendentes em ambos os países.

Os dois líderes estão determinados a dar prioridade urgente à mudança climática, ao desenvolvimento sustentável e à transição energética.

Eles reconhecem o papel de liderança que o Brasil e os EUA podem desempenhar por meio da cooperação bilateral e multilateral, inclusive sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e o Acordo de Paris.

Os presidentes Lula e Biden recordaram a Iniciativa Conjunta sobre Mudança do Clima estabelecida em 2015, que criou o Grupo de Trabalho de Alto Nível Brasil-EUA sobre Mudança do Clima (GTMC).

Eles decidiram instruir o GTMC a voltar a reunir-se com a maior brevidade possível para discutir áreas de cooperação, como o combate ao desmatamento e à degradação, o fortalecimento da bioeconomia, da implantação de energia limpa, das ações de adaptação e a promoção de práticas agrícolas de baixo carbono.

Como parte desses esforços, os EUA anunciaram sua intenção de trabalhar com o Congresso norte-americano para fornecer recursos para programas de proteção e conservação da Amazônia brasileira, incluindo apoio inicial ao Fundo Amazônia, e para alavancar investimentos nessa região crítica.

Os líderes também expressaram sua determinação em combater a fome e a pobreza, melhorar a segurança alimentar global, promover o comércio e remover barreiras, promover a cooperação econômica e fortalecer a paz e a segurança internacionais.

Eles também discutiram seu interesse em intensificar a cooperação bilateral em áreas como comércio e investimento, energia, saúde, ciência, tecnologia e inovação, defesa, educação e cultura, e assuntos consulares, por meio de uma abordagem focada em resultados que beneficie ambas as sociedades.

Reconhecendo a importância da resiliência das cadeias de suprimentos, especialmente na atual conjuntura global, os presidentes se comprometeram a continuar a cooperação nesse campo com diálogos público-privados específicos.

Os dois líderes também discutiram uma ampla gama de questões globais e regionais de interesse mútuo. Eles lamentaram a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional e pediram uma paz justa e duradoura.

Expressaram preocupação com os efeitos globais do conflito na segurança alimentar e energética, especialmente nas regiões mais pobres do planeta, e manifestaram apoio ao pleno funcionamento da Iniciativa Grãos do Mar Negro.

O presidente Lula e o presidente Biden tencionam fortalecer a cooperação em instituições multilaterais, particularmente no contexto da próxima presidência brasileira do G20.

Os dois líderes expressaram a intenção de trabalhar juntos para uma reforma significativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluindo a expansão do órgão para incluir assentos permanentes paras países na África e na América Latina e Caribe, de modo a torná-lo mais representativo dos membros da ONU e aperfeiçoar sua capacidade de responder, de forma mais eficaz, as questões mais prementes de paz e segurança global.

O presidente Lula convidou o presidente Biden a visitar o Brasil, e o presidente Biden aceitou o convite. Os dois líderes se comprometeram a ampliar o diálogo e a buscar uma cooperação mais profunda na preparação para a celebração do bicentenário das relações diplomáticas Brasil-EUA em 2024.