Como o projeto de Lula traz avanços à luta por igualdade salarial

Falta de isonomia é agravada não pela inexistência de mecanismos legais – mas, sim, pela impunidade. Com seu projeto, Lula enfretou o problema.

Foto: Lula Marques (Agência Brasil)

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começa a tirar do papel o compromisso de promover a igualdade salarial entre homens e mulheres. Nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, Lula anunciou um projeto de lei que endurece a pena para empresas infratoras.

Não que faltassem dispositivos legais para coibir a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Tanto a Constituição quanto a legislação trabalhista já incorporam o princípio básico da isonomia salarial – “salário igual para trabalho igual”.

–  O artigo 5º da Constituição indica que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”;

– O artigo 7º da Constituição cita a “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.

– O artigo 461 da CLT sustenta que, “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”.

– O artigo 461 da CLT também prevê que, “no caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia”, a empresa pagará multa de 50% “limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”.

– O artigo 30 da Lei Nº 14.457/2022 diz que “às mulheres empregadas é garantido igual salário em relação aos empregados que exerçam idêntica função prestada ao mesmo empregador”.

A despeito desses marcos legais, a diferença salarial entre gêneros chegou a 22% no final no 2022 – pior patamar desde o início da pandemia de Covid-19. Segundo o IBGE, as mulheres recebiam, em média, 78% do salário dos homens. A desigualdade é ainda maior (superior a 30%) em setores com mão de obra majoritariamente feminina, como educação e saúde.

A falta de isonomia é agravada não pela inexistência de mecanismos legais – mas, sim, pela impunidade, que dá guarida à cultura do patriarcado, do machismo. É um problema estrutural, que parece não ter sido mitigado nem com a profusão de leis e medidas pró-igualdade.

Ao propor mais uma lei a esse arcabouço, Lula corria o risco da redundância, do “chover no molhado”. Daí a expectativa para o principal anúncio reservado pelo presidente para este 8 de Março. O que fazer para fortalecer uma luta que se revela ainda longa e atribulada, como a batalha da igualdade salarial?

Ressalvas à parte, a iniciativa do governo traz, sim, avanços que podem fazer com que a isonomia se efetive cada vez mais no mundo do trabalho. “É importante lembrar que nesse projeto de lei tem uma palavra que faz a diferença de tudo que já foi escrito sobre trabalho igual entre homens e mulheres”, disse Lula. “E essa mágica palavra é ‘obrigatoriedade’ de pagar o salário igual.”

Para o presidente, o termo “obrigatoriedade” praticamente impede que as empresas busquem brechas legais para reinterpretar a lei e criar jurisprudências que preservem a desigualdade. Além disso, Lula conta com mais três trunfos no projeto:

* Transparência: para evitar que a prática de pagamento de salários tão desiguais continue a ser uma “caixa preta”, as empresas com mais de 20 empregados terão de divulgar relatórios de transparência sobre suas faixas salariais;

* Fiscalização: o projeto de Lula também amplia a fiscalização e facilita o acesso do Ministério do Trabalho aos dados da empresa. Em caso de denúncia de grave discriminação de gênero, um juiz poderá expedir uma liminar para que a empresa iguale de imediato – no mesmo mês – o salário da mulher ao do homem;

* Punição: a multa para quem praticar discriminação salarial “por motivo de gênero, raça ou etnia” será de dez vezes o maior salário pago na empresa. Em caso de reincidência, o valor da multa será 100% maior.

Outro mérito de Lula: sob muitos aspectos, o projeto se antecipa a uma eventual judicialização da causa. A fim de evitar a banalização da lei e o risco de fraudes, a multa deixa de ser paga à empregada discriminada e passa a ser destinada ao erário. Porém, uma trabalhadora vítima de desigualdade salarial poderá pedir à Justiça indenização por danos morais.

Além disso, para que a falta de isonomia seja configurada, haverá critérios como “tempo de casa”, função e escolaridade. Assim, o projeto não prejudica iniciativas defendidas pelo movimento sindical, como o plano de carreira.

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