Partidos acionam Conselho de Ética da Câmara pela cassação de Nikolas

Deputado fez discurso transfóbico e debochado em plenário, justamente no Dia Internacional de Luta das Mulheres.

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, com a bancada Feminina da 57ª Legislatura, a maior da história da Câmara, no Dia Internacional da Mulher - Abertura da campanha Março Mulher. Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Os partidos PCdoB, PT, PDT, PSOL e PSB entraram com uma representação no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (CEDP) da Câmara dos Deputados, contra Nikolas Ferreira (PL-MG). A representação é uma reação ao discurso transfóbico proferido pelo parlamentar, nessa quarta-feira (8), em Plenário, durante sessão solene em homenagem ao “Dia Internacional da Mulher”.

A representação protocolada solicita ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que um processo disciplinar seja instaurado no Conselho de Ética na Casa e que Ferreira seja punido com a cassação ao fim de toda a análise. Na avaliação do grupo, o deputado quebrou o decoro parlamentar.

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As legendas pedem a cassação do mandato do deputado, diante das “gravíssimas violações à Constituição Federal, ao Código Ética e ao ordenamento jurídico”, declaram os partidos, e por ter agido “ilegal, abusivamente e de modo incompatível ao decoro parlamentar”.

O deputado já responde a um processo por conduta transfóbica, racismo e injúria racial. O processo investiga falas do deputado em novembro de 2020 contra a também deputada Salabert. Na época, os 2 eram vereadores de Belo Horizonte. 

Pela 1ª vez, a Câmara tem duas mulheres trans em sua composição: as deputadas Erika Hilton (Psol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG). 

Após passar pelo Conselho de Ética, o caso vai para o plenário da Câmara dos Deputados. Para cassar o mandato, são necessários ao menos 257 votos — maioria absoluta de deputados — em votação aberta e nominal.

Peruca e machismo

Pablo Valadares / Câmara dos Deputados

Em seu discurso, Nikolas Ferreira colocou uma peruca loira e se apresentou aos demais parlamentares como “deputada Nicole”, dizendo que “hoje se sente uma mulher”. O objetivo foi ridicularizar as mulheres trans. O deputado passou a proferir falas criminosas, em ofensa às mulheres trans e travestis. 

“As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres. Para vocês terem ideia do perigo que é isso, eles estão querendo colocar a imposição de uma realidade que não é a realidade”, disse ele, ignorando que este discurso odioso estimula a violência recorde no Brasil contra mulheres trans e travestis. 

No documento, os congressistas afirmam que a “fala em questão extrapola os limites da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar, uma vez que incentiva o ódio, o preconceito e a discriminação contra a população trans e travesti“.

Mulheres sem valor

Mas o deputado foi além, com um discurso machista. “Mulheres, retomem sua feminilidade, tenham filhos, amem a maternidade, formem sua família. Dessa forma, vocês colocarão luz no mundo e serão, com certeza, mulheres valorosas”, afirmou, reduzindo o papel das mulheres e menosprezando aquelas que não se enquadram em sua normatividade.

Para os partidos que assinam o pedido, o conteúdo do discurso de Nikolas, além de ofensivo é criminoso, “uma vez que foi direcionado a manifestar discriminação e ridicularizar pessoas transexuais e travestis”.

De acordo com os autores da ação,  discursos acalorados e opiniões divergentes fazem parte da democracia. “Entretanto, a declaração do deputado federal Nikolas Ferreira é extremamente grave e atenta contra a ordem jurídica e social fixada pela Constituição Federal; descumpre os deveres postos no CEDP da Câmara dos Deputados; agride o disposto em diversos tratados e acordos internacionais que o país se comprometeu a observar; e desborda, ainda, em ilicitude penalmente tipificada”, asseveram na peça.

Repercussão

A deputada Erika Hilton escreveu em seu perfil no Twitter que não há palco para transfobia.  “Nenhuma transfobia terá palco. E nenhuma transfobia passará sem respostas políticas e jurídicas à altura. Transfobia é crime”, afirmou.

Duda lembrou que seu processo contra Nikolas o impediu de andar armado. “Meu outro processo criminal contra Nikolas Ferreira pode levá-lo à cadeia por transfobia. Agora entrei com uma representação para que Nikolas Ferreira seja punido por quebra de decorro parlamentar”, completou.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) prestou solidariedade às deputadas trans em resposta ao protesto de Duda, e disse que o 8 de março “é sobre isso: combate ao ódio, à violência! Estamos contigo, Duda!” 

“Vamos marcar esse 8 de março como dia importante de aprovação de matérias para as mulheres brasileiras.  Que as diversas provocações como as que vimos hoje em plenário cessem porque quem estimula preconceitos às mulheres nas diversas identidades que  possuem, vai provocar também nossas respostas, sólidas, em discursos e providências”, ressaltou Jandira.

A presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann também defendeu que uma reprimenda pública contra o deputado pelo discurso transfóbico e misógino, como fez o presidente da Câmara, Arthur Lira, “é muito pouco”. “Gravíssimo diante de cenário violento com mulheres cis e trans. Tem que responder ao Conselho de Ética. É preciso conter essa gente, não podemos aceitar ataques, ofensas e crimes na Câmara”.

Ela acrescentou, dirigindo-se diretamente ao deputado Arthur Lira, que ele disse na 1a sessão, que atos desrespeitosos seriam punidos. “Passou da hora de agir! O deboche e o ultraje ocupam o plenário. Ontem um companheiro foi alvo de chacota, hoje um deputado colocou peruca pra zombar das mulheres, mulheres trans e do feminismo”, disse ela.

O líder e presidente nacional em exercício do PDT, deputado André Figueiredo (CE), um dos autores do pedido, repudiou o discurso “desrespeitoso e repugnante” do deputado Nikolas. “Ação como esta, deste dia histórico para o mundo, envergonha o parlamento brasileiro”, disse ao declarar apoio à deputada Duda Salabert (PDT-MG), deputada federal trans mais votada de Minas Gerais.

O Ministério Público Federal (MPF) também pediu, na quinta-feira (9), que o Conselho de Ética na Câmara investigue Nikolas pelo caso. “É repugnante um congressista usar as vestes da imunidade parlamentar para, premeditadamente, cometer crime passível de imputação a qualquer cidadão ou cidadã”, destaca a manifestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público.

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