A luta entre Democratas e Republicanos: fim de um pacto

Mais: Chanceler de Mali toca na ferida / Vietnã exige que Taiwan cancele exercícios / Rejeição de Dina sobe para 77% / Uma visão “hegemon” sobre a ameaça à hegemonia.

No ano 2000 aconteceu a famosa disputa entre George W. Bush (republicano, filho do ex-presidente George Bush) e Al Gore (democrata) na eleição presidencial dos EUA. Com o andar da apuração, o resultado da eleição na Flórida, com seus 25 delegados, se tornou o fator decisivo. Como se sabe, a eleição nos EUA é indireta e o eleitor não vota no candidato, vota nos delegados indicados pelo partido em cada estado e estes delegados é que elegem o presidente. Bush filho, por exemplo, se tornou presidente mesmo com seu adversário tendo conquistado mais de 500 mil votos de vantagem no total. Hilary Clinton perdeu para Trump em 2016 tendo quase 3 milhões de votos a mais do que seu oponente. O sistema é o seguinte: o partido que tiver mais votos em um determinado estado indica 100% dos delegados a que o estado tem direito, o que causa muitas distorções. Mas voltemos à Flórida na eleição de 2000: o irmão de Bush, Jeb Bush, era o governador do estado. Na Flórida, nesta ocasião, dezenas de milhares de eleitores negros e pobres, historicamente eleitores dos democratas, foram impedidos de votar pelas mais esdrúxulas razões, inclusive mudanças repentinas de locais da votação, sempre e apenas nos bairros negros e pobres. Somente em um condado da Flórida, nada menos do que 27 mil eleitores (16 mil negros) foram impedidos de votar. Mesmo assim, as pesquisas de boca de urna, e, portanto, as projeções, apontavam para a vitória de Al Gore. Feita a apuração (a chefe oficial da apuração era também do Comitê de campanha de Bush) o republicano havia vencido por 537 votos, em um universo de 6 milhões de eleitores, vantagem ampliada depois para cerca de 900 votos pela chegada dos envelopes com votos de militares no exterior.

A atual luta entre Democratas e Republicanos revela o fim de um pacto II

Pela lei da Flórida, um resultado com esta margem exigia recontagem, medida confirmada pela Suprema Corte do estado que determinou a recontagem de 70 mil votos, incluindo 45 mil que não tinham sido contabilizados por “erros” da máquina de apuração. Os republicanos recorreram à Suprema Corte Federal, onde uma maioria confortável de juízes indicados pelos republicanos proibiu a recontagem. Mas ainda havia uma instância: na sessão conjunta da Câmara e do Senado, que homologa os resultados, se um senador e um deputado apoiarem alguma reclamação sobre o pleito, ela deve ser investigada. Quem presidiu a sessão conjunta, na qualidade de vice-presidente da nação e presidente do Senado foi justamente Al Gore, que já havia aceito a decisão da Suprema Corte Federal, e que rejeitou, impávido, uma por uma, as muitas reclamações apresentadas por representantes de eleitores negros e pobres da Flórida. Nenhum entre as cinco dezenas de senadores democratas apoiou quaisquer das petições. Veja, abaixo, um trecho do documentário de Michel Moore, Fahrenheit 11 de Setembro, que mostra o momento constrangedor.

O que levou Al Gore e os senadores democratas a desistirem da luta contra uma flagrante injustiça foi o fato de que havia um pacto entre os dois partidos. Democratas e Republicanos, representantes de facções diferentes da classe dominante, concordavam que jamais poderiam fragilizar o sistema. “O sistema é injusto, mas é injusto a nosso favor; é uma plutocracia, mas nós somos a plutocracia e, portanto, é o nosso sistema”, era o pacto não escrito, mas muito poderoso, que unia a burguesia americana. Esse pacto começou a ser rompido na última eleição e agora se aprofunda o racha, mostrando que a decadência geopolítica dos EUA vem inevitavelmente acompanhada da erosão de suas instituições até então intocáveis.

A atual luta entre Democratas e Republicanos revela o fim de um pacto III

O que aconteceu nas últimas eleições estadunidenses todos viram. Inclusive a contestação do resultado com amplo apoio de parte da opinião pública. E o que está acontecendo agora? Agora o candidato derrotado Donald Trump responde a vários processos que, segundo autoridades policiais e judiciais estão plenos de provas. Antes, com o pacto em vigor, um político alvo de tais processos seria execrado por ambos os partidos e sua cabeça seria entregue em uma bandeja de prata em sacrifício ritual à “Deusa democracia americana”. Com a dessacralização desta Deusa e de suas instituições, não só parte importante da opinião pública apoia Trump como importantes autoridades do partido republicano, incluindo governadores, senadores, deputados, prefeitos e todos os pré-candidatos que concorrem com ele à indicação pela legenda, corroboram suas afirmações de que é alvo de uma Justiça seletiva que não age da mesma forma com os democratas, “algo muito triste de se assistir, um presidente corrupto em exercício teve seu principal oponente político detido sob acusações fabricadas e falsas, das quais ele e vários outros presidentes seriam culpados, bem no meio de uma eleição presidencial na qual ele está perdendo“, acusa Trump que já anunciou que, depois de uma eventual eleição, iria destacar um procurador para “ir atrás de Biden”. Ora, Trump não é inocente de nada provavelmente desde os 10 anos de idade quando começou a ser formar como o misógino, racista e fascista que é, porém, como toda boa mentira, as mentiras de Trump têm uma base de verdade na qual de forma precária se sustenta. E a verdade é a seguinte: o sistema judicial e político dos EUA nunca foi justo ou imparcial, apenas segue os rituais já consagrados, que funcionavam antes da ruptura do pacto, que exigia que alguns fossem sacrificados e outros protegidos para salvar as aparências. A justiça e a mídia ainda tentam seguir o curso anterior: neste caso atacando Trump (e com carradas de razão, como diz a música) e protegendo Joe Biden das cada vez mais constrangedoras investigações sobre seu envolvimento e o de sua família em escândalos de corrupção com empresários ucranianos.

Acusação de corrupção na Ucrânia envolvendo Biden abafada pela mídia

Como apontamos na Súmula do dia 02/06, um documento que o FBI negava existir e que depois, graças à pressão de parlamentares republicanos, passou a reconhecer que estava em poder do órgão (o formulário FD-1023), detalharia as operações corruptas de Joe Biden e de seu filho junto a empresários ucranianos, sendo que um deles supostamente deu pelo menos US$ 5 milhões a família Biden. Nesta última segunda-feira (12) o senador republicano, Chuck Grassley, um dos poucos que conseguiu ver parte do formulário, revelou que os documentos contidos no FD-1023 apontam que um alto executivo da empresa de gás ucraniana Burisma, o mesmo que teria pago US$ 5 milhões ao presidente dos EUA e a seu filho Hunter Biden, manteve 17 gravações de áudio de suas conversas com eles como uma “apólice de seguro”. O senador republicano fez o básico: instou o Departamento de Justiça a liberar uma cópia completa do Formulário FD-1023, que registra uma entrevista do FBI em 2020 com uma fonte confidencial “altamente confiável”, alegando a existência de um esquema criminoso de suborno entre Joe Biden quando ele era vice-presidente (2009-2017) e um cidadão estrangeiro. “De acordo com FD-1023, o estrangeiro possui quinze gravações de áudio de ligações telefônicas entre ele e Hunter Biden. De acordo com FD-1023, o estrangeiro possui duas gravações de áudio de ligações telefônicas entre ele e o então vice-presidente Joe Biden“, disse Grassley. Finalmente, Grassley exigiu respostas sobre “o que foi feito, se é que algo foi feito, pelo Departamento de Justiça e pelo FBI, para investigar a existência destas gravações”, pergunta o senador. Essa acusação do senador foi feita, repetimos, na segunda-feira, mas mesmo os que acompanham atentamente as notícias internacionais dificilmente tomaram conhecimento do fato, que não aparece nas listas de principais notícias de nenhuma agência internacional hegemônica e, portanto, igualmente não aparece nas páginas e sites da mídia hegemônica brasileira. Não é de espantar: um ex-presidente réu em vários processos e um atual presidente envolvido com corrupção justo em um país no qual os EUA investem tudo em uma guerra por procuração, talvez seja mais do que a já fragilizada institucionalidade estadunidense pode aguentar. Gosto muito e já citei mais de uma vez uma frase de Leonel Brizola perfeita para uma situação como essa. A briga entre Republicanos e Democratas é como um duelo entre o capeta e o coisa ruim, quem ganha no final é sempre o inferno. O fim do mito da democracia estadunidense é uma boa notícia para os povos do mundo e, antes de mais nada, para o próprio povo dos EUA que deve saber, e saberá, encontrar as respostas que desbravem os caminhos da construção de uma verdadeira democracia, nas condições peculiares do país, que há muito tempo convive com uma plutocracia cujo único desejo é o de preservar seus velhos privilégios enquanto busca, atarantada, conter um declínio (externo e interno) para o qual não encontra solução.

Chanceler de Mali toca na ferida: “Surpreende que países que praticaram a escravidão e o colonialismo venham dar lição de direitos humanos”

A agência RT reporta que o ministro das Relações Exteriores do Mali, Abdoulaye Diop (foto), criticou que países que antes se beneficiavam da escravidão e da colonização na África agora se sintam em condições de dar aulas sobre direitos humanos. “O Mali não quer que os direitos humanos sejam manipulados ou politizados, já que não são prerrogativa de nenhum país ou civilização”, disse o ministro das Relações Exteriores neste último sábado (10). “É surpreendente que alguns países que praticaram escravidão ou colonização hoje sejam os que dão lições de direitos humanos a outros”, declarou. O ministro das Relações Exteriores do Mali citou a situação em torno da Palestina como exemplo, indicando que a maioria prefere “olhar para o outro lado” em vez de falar sobre direitos humanos no contexto do conflito israelense-palestino. Neste contexto, sublinhou que a vida humana tem o mesmo preço “onde quer que esteja, na Ucrânia, no Sahel, na Palestina ou na América Latina”. Uma vez que esta intervenção ocorreu na véspera do Dia da Rússia, que se comemora a 12 de junho, Abdoulaye Diop aproveitou para saudar a atual aproximação entre Bamaco e Moscou, sublinhando que ambas as partes têm “trabalhado para promover o desenvolvimento económico” desde diversos setores, como agricultura, transporte, mineração, defesa e segurança, entre outros. Além disso, o ministro das Relações Exteriores indicou que Mali tem “uma convergência de pontos de vista” com a Rússia em uma ampla gama de questões internacionais, especialmente a abordagem da Rússia para desenvolver um mundo multipolar. “Desde a sua independência, o Mali estabeleceu fortes laços com a Rússia. Compartilhamos uma vontade comum de trabalhar por um mundo justo e equilibrado, um mundo multipolar onde as contribuições de todos os países, civilizações e religiões sejam igualmente respeitadas”, sublinhou. Além disso, o alto funcionário acrescentou que “as numerosas aquisições de equipamentos e ferramentas de defesa russas” que o Mali fez nos últimos meses estão ajudando o país a combater o terrorismo.

Vietnã exige que Taiwan cancele exercícios ilegais

O Vietnã se opõe resolutamente e exige que Taiwan cancele os exercícios de tiro real nas águas ao redor da ilha de Ba Binh, pertencente ao Truong Sa do Vietnã, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Pham Thu Hang no dia 8 de julho. Hang fez a declaração em resposta às perguntas dos repórteres sobre a reação do Vietnã aos exercícios de fogo real conduzidos por Taiwan em 7 de junho. “O Vietnã tem base legal completa e evidências históricas para afirmar sua soberania sobre Truong Sa“, disse ela, enfatizando que os exercícios conduzidos por Taiwan violam gravemente a soberania territorial do Vietnã sobre Truong Sa, ameaçam a paz, a estabilidade, a segurança e a proteção da navegação, causam tensão e complicam ainda mais a situação no Mar do Leste. A porta-voz instou Taiwan a não repetir violações semelhantes no futuro.

Peru: Rejeição de Dina sobe para 77% enquanto 81% desaprovam Congresso

A desaprovação da presidente do Peru, Dina Boluarte, aumentou dois pontos percentuais em junho, chegando a 77%, segundo pesquisa realizada pela empresa Ipsos. “Em geral, você diria que aprova ou desaprova a gestão da presidente Dina Boluarte?”. Reprovação: 77%. Aprovação: 14%. Não sabe: 9%, aponta o estudo da Ipsos realizado para a emissora de televisão local América TV. A pesquisa realizada em maio pela Ipsos indicava que a desaprovação da presidenta era de 75%. Por outro lado, 81% da população condenam a gestão do Congresso, 13% aprovam e 6% não sabem.

Uma visão “hegemon” sobre a ameaça à hegemonia

É sempre útil para os lutadores anti-imperialistas terem contato com pontos de vistas oriundos do “coração da besta”. No dia 2 de junho, um dos principais colunistas internacionais do jornal Washington Post, Fareed Zakaria, incapaz de reconhecer os evidentes sinais de decadência do império, fez a seguinte constatação, certamente expressando visões correntes em um setor do establishment estadunidense que não se perfila com a extrema-direita: “Durante as duas últimas décadas, houve uma grande mudança no sistema internacional. Países que antes eram populosos, mas pobres, passaram das margens para o centro do palco (…) Antes representavam uma parte insignificante da economia mundial, mas agora esses ‘mercados emergentes’ chegam à metade. Seria justo dizer que eles vieram à tona. À medida que estes países se tornaram economicamente fortes, politicamente estáveis e culturalmente orgulhosos, tornaram-se também mais nacionalistas, sendo esse nacionalismo muitas vezes definido em oposição aos países que dominam o sistema internacional, ou seja, o Ocidente (…) O ‘novo mundo’ é caracterizado não pelo declínio dos Estados Unidos, mas pela ‘ascensão do resto’, daqueles que antes eram ‘peões no tabuleiro de xadrez’, mas agora são jogadores com a intenção de fazer seus próprios movimentos, defender seus próprios interesses. Eles não serão fáceis de intimidar ou persuadir. Eles precisam ser persuadidos, com políticas que são praticadas em casa e não apenas pregadas no exterior. Navegar nesse cenário internacional é o grande desafio da diplomacia americana”.

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