Barroso esvazia Piso da Enfermagem ao propor que paga quem quer

Para sindicalista, revisão do voto por Roberto Barroso é pior que novo atraso do julgamento pedido por Dias Toffoli. Categoria discute mobilização

Nelson Jr./SCO/STF

O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal) pediu vista (mais tempo para análise) em sessão nesta 6ª feira (16) do plenário virtual para julgar o piso nacional de enfermagem. O julgamento que havia recomeçado dia 9 para debater a decisão liminar do ministro Roberto Barroso, relator do processo, já vinha de uma interrupção desde 24 de maio a pedido do ministro Gilmar Mendes.

Desta forma, a novela do piso da enfermagem não apenas continua, como parece que terá uma longa temporada. A presidenta da Federação Nacional de Enfermeiros, Solange Caetano, disse ao Portal Vermelho que a luta está só começando. Nesta tarde, o Fórum Nacional de Enfermagem (FNE) está reunido para deliberar sobre as próximas mobilizações, com possibilidade de paralisações para sensibilizar o mercado de saúde e os ministros do STF.

Desde a tarde, tem havido discussão de propostas do Fórum de mobilizações que pode incluir paralisação ou atos políticos.

Barroso e Mendes decidiram por barrar outros pisos de categorias e determinaram uma negociação coletiva prévia no setor privado antes da implementação do piso da enfermagem com o objetivo de “evitar demissões em massa”.

Antes da interrupção, Barroso havia votado favoravelmente ao pagamento da remuneração à categoria parcialmente, com especificações para custear os gastos com o piso no setor público. Já o ministro Edson Fachin divergiu, votando para que a medida fosse integral e valesse também para outras categorias. O ministro defendeu em seu voto a integral aplicação do novo piso nacional da enfermagem, independente da fonte de recursos.

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Desta forma, a FNE, pós sua vez, pediu reunião com os ministros que ainda não votaram para argumentar sobre a importância de seguirem a linha do ministro Edson Fachin, que defendeu a lei, em vez de Gilmar Mendes e Barroso. “A luta pela articulação em defesa da lei é política e jurídica”, apontou ela.

Além disso, a entidade dos trabalhadores também discute com a Advocacia Geral da União (AGU), que piso não é remuneração, a que se junta gratificações para chegar ao valor prevista do piso. 

Lei esvaziada

Mas Solange diz que a suspensão do julgamento por pedido de vistas nem é o mais grave. Para ela, a maior controvérsia está na reformulação da decisão do ministro Luis Roberto Barroso, com apoio do voto de Gilmar Mendes. 

“Isso é mais preocupante porque esvazia a Lei do Piso Salarial Nacional. Tínhamos a posição do [Edson] Fachin de que a lei era válida, e, portanto, tinha que ser cumprida, e esperávamos que o Gilmar Mendes fosse acompanhar esse parecer”.

A ideia de um piso básico para o trabalho de todo profissional de enfermagem, e similares, perde totalmente o sentido, de acordo com a sindicalista. “A mudança do parecer esvazia a lei quando diz que as instituições que estão cobertas pela emenda da Constituição 127, – prefeituras, filantrópicas e privados que contratam 60% do SUS -, terão que pagar unicamente se tiver repasse do Governo Federal no valor exato necessário, ou não são obrigadas. Com isso, ele joga toda a responsabilidade do pagamento do piso nacional sobre o Governo Federal e desresponsabiliza o cumprimento da lei”, explica ela. Desta forma, acrescenta ela, caso o governo alegue ter atingido o teto, os municípios vão pagar o que der. 

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Ministro Barroso (segundo da esquerda) tem se reunido com defensores da Lei do Piso Salarial da Enfermagem, mas não se sensibiliza e esvazia sua aplicação.

Proporcionalidade 

O outro problema é a vinculação do piso à jornada de trabalho de 44 horas semanais. Solange ressalta que a lei obriga o pagamento do piso independente da jornada contratual. “A modulação para uma jornada específica favorece que se pague proporcionalmente a quem tem jornadas menores. A lei prevê o contrário. Se alguém trabalha trinta horas, recebe o piso, e quem trabalha mais recebe proporcionalmente mais”, pondera.

Mais grave ainda, é que Barroso não apenas esvazia a lei, como invalida negociações sindicais para 36 horas, que já preveem salários tão avançados quanto o piso. “Em vez de beneficiar o trabalhador, ele prejudica, pois abre brecha para que o setor privado negocie salários inferiores aos que já existem em convenções coletivas. Um problema inclusive para os sindicatos de trabalhadores”, diz ela.

Ataque aos sindicatos

Além disso, Barroso cria um prazo de 60 dias para negociações de valores inferiores ao que está na lei, o que, na opinião da categoria, endurece a negociação coletiva, podendo ter prejuízo nas cláusulas sociais que já eram garantidas para os trabalhadores.” Não sabemos como serão as próximas negociações coletivas com o setor privado, altamente lucrativo, endurecendo ainda mais a negociação”, indagou Solange. 

Segundo a proposta de Barroso, os funcionários da iniciativa privada contratados por meio da CLT terão o piso conforme a lei, “exceto” se houver convenção coletiva que estabeleça outros valores levando em conta “a preocupação com demissões em massa ou comprometimento dos serviços de saúde”.

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Demissões em massa

Com a manutenção da decisão enquanto o caso não termina de ser julgado, os empresários do setor privado ameaçam fechar unidades e demitir 165 mil profissionais com fechamento de postos de trabalho, segundo cálculos preliminares.

Para Solange, esta ameaça não passa de blefe. O que ela diz que está ocorrendo é que alguns empregadores demitem o técnico de enfermagem para recontratá-lo como  auxiliar, que custa menos. “Para nós, isso é uma fraude processual, em que a empresa considera que quem é formado para fazer mais, pode fazer menos, mas acaba cumprindo a função de técnico do mesmo jeito”, avalia.

Existem várias formas de burlar a legislação, especialmente para o nível médio, segundo ela, que as entidades já notificam. Mas para o nível superior, a maioria já ganha mais que o piso o que dificulta esta prática. 

“Aqueles que não ganham não podem ser demitidos, porque as empresas já estão no limite do cumprimento do dimensionamento de pessoal de acordo com o que está instituído pela Anvisa, que é menos do que exige o Conselho Federal de Enfermagem. Não tem como ficar com menos do que já tem”, explica a sindicalista. Por outro lado, ela lembra que grandes instituições zelam pelo nome, já pagam acima do piso, e não vão prejudicar a qualidade da prestação de serviço.

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“Não vejo esta questão da empregabilidade, como chantageiam os empresários, de forma tão alarmante”, diz ela. Em outros momentos de mudança na carreira da enfermagem, Solange diz que este mesmo discurso foi usado, mas tudo se acomodou conforme a necessidade. 

Relembre as diversas temporadas da novela do Piso Nacional da Enfermagem:

Aprovação no Congresso Nacional – em 14 de julho de 2022, o Congresso promulgou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que torna o piso salarial para enfermeiros constitucional (Emenda Constitucional 124, de 2022). O texto determina piso salarial de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos em enfermagem e R$ 2.375 para os auxiliares de enfermagem e parteiras;

Tema chega ao STF – ainda em agosto, a CNSaúde protocolou uma ADI na Suprema Corte questionando dispositivos da lei e alegando que haveria prejuízos ao setor privado. O caso foi distribuído, por sorteio, ao ministro Roberto Barroso;

Suspensão do piso – em 4 de setembro de 2022, Barroso determinou a suspensão do piso salarial e pediu que o governo federal, Estados, Distrito Federal e entidades do setor prestassem informações acerca do impacto financeiro da lei. A decisão foi referendada pela Corte por 7 votos em 16 de setembro;

Nova emenda constitucional – em 23 de dezembro de 2022, o Congresso Nacional publicou uma nova emenda à Constituição que estipula que a União ajudará os Estados e Municípios a pagarem o novo piso;

PLN do piso da enfermagem – em 26 de abril deste ano, o Congresso aprovou o Projeto de Lei do Congresso Nacional enviado pelo Planalto sobre o tema. O projeto liberou R$ 7,3 bi dos cofres públicos para o Ministério da Saúde e permite que Estados, municípios e entidades privadas com ou sem fins lucrativos que atendam pelo menos 60% de seus pacientes pelo SUS recebam recursos para bancar o aumento nas despesas com salários;

Verba é sancionada – o presidente Lula sancionou, em 12 de maio, a medida aprovada pelo Legislativo, de iniciativa do Palácio do Planalto;

Piso é restabelecido – em 15 de maio, Barroso restabeleceu o piso salarial por meio de uma decisão liminar (provisória).

Prazo no setor privado – Barroso deu 45 dias para empresas privadas negociarem eventuais valores menores do que o piso nacional da enfermagem. Esse prazo vai até a 1ª semana de julho. Depois disso, se não houver acordo, o piso salarial terá de ser pago, tendo como consequência possíveis demissões no setor.

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