Entenda o que está em jogo no julgamento do piso da enfermagem, na sexta, 23
Caso o parecer do ministro Barroso seja aprovado, nenhum novo piso salarial poderá ser pleiteado e o da enfermagem não será obrigatório.
Publicado 21/06/2023 19:08 | Editado 22/06/2023 07:40
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará nesta sexta-feira (23) o julgamento sobre a lei que aplica o piso salarial nacional da enfermagem. O julgamento foi agendado depois que o ministro Dias Toffoli devolveu o processo, após pedir vista (mais tempo para análise) na sexta-feira (16).
A análise será feita em sessão do plenário virtual até 30 de junho. No formato, os ministros apenas depositam seus votos no sistema eletrônico da Corte, sem debates. A categoria já antecipou que pretende realizar mobilizações no dia 28 e greve geral no dia 29, numa disposição inédita para a categoria.
A última interrupção foi feita logo após o julgamento ter sido retomado com uma inédita apresentação de voto conjunto dos ministros Roberto Barroso (relator) e Gilmar Mendes, em torno de um parecer que a categoria considera que esvazia o sentido da lei e desconfiara o piso.
O piso estava suspenso desde setembro de 2022, por decisão liminar (provisória) de Barroso, depois confirmada pelo restante do STF, a partir de provocação do setor patronal privado. A partir disso, começou uma peregrinação da categoria para garantir apoio de deputados, senadores e governo para cumprir as exigências do STF. Foram aprovadas novas medidas legislativas e garantidos recursos para o pagamento do piso para o setor público, hospitais filatrópicos e privados que atendem acima de 60% de pacientes do SUS.
Segundo levantamento recente do Conselho Federal de Enfermagem, há mais de 2,8 milhões de profissionais do setor no país, entre 693,4 mil enfermeiros, 450 mil auxiliares de enfermagem; 1,66 milhão de técnicos de enfermagem e cerca de 60 mil parteiras.
Segundo o Ministério da Saúde, a despesa anual com a assistência financeira da União aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios é estimada em R$ 10,6 bilhões. No entanto, a contar de maio até o fim deste exercício financeiro, são necessários R$ 7,3 bilhões.
Como desmontar uma lei
Na manifestação conjunta, Barroso e Gilmar votaram para liberar o pagamento do piso, desde que sejam cumpridos pressupostos, que, ao fim e ao cabo, desobrigam o cumprimento da lei tanto no setor público como privado. Além disso, ainda cria um impasse para as negociações coletivas dos sindicatos com patrões, que superam o piso.
Ao liberar a aplicação do piso da enfermagem, em decisão individual, Barroso determinou que a medida fosse aplicada por estados, municípios e autarquias só nos limites de valores repassados pela União. Para profissionais da iniciativa privada, o ministro previu a possibilidade de negociação coletiva com valores menores ao piso.
Barroso ainda definiu carga de 44 horas para o pagamento do piso, o que permite pagamentos menores para jornadas menores, o que descaracteriza o conceito de piso mínimo salarial. O início dos pagamentos a trabalhadores do setor público seria feito a partir de maio e de acordo com portaria do Ministério da Saúde. No setor privado, os valores devem ser pagos pelos dias trabalhados a partir do 1º de julho de 2023.
Barroso e Gilmar citaram a “preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde” em caso de aplicação direta e imediata do piso no setor privado. As entidades representativas entendem que este ponto não passa de blefe, na medida que a maioria das empresas cumprem a exigência de pessoal mínimo, previsto pela Anvisa.
Todas as condições estabelecidas por Barroso levam ao desmonte da Lei, num retrocesso ainda pior que aquele que existia antes da aprovação do piso.
“Como fundamentado pelo relator, a ideia é admitir acordos, contratos e convenções coletivas que versem sobre o piso salarial previsto na Lei n.º 14.434/2022, a fim de possibilitar a adequação do piso salarial à realidade dos diferentes hospitais e entidades de saúde pelo país”, afirmaram os ministros no voto. “Atenua-se, assim, o risco de externalidades negativas, especialmente demissões em massa e prejuízo aos serviços de saúde”.
Ainda mais grave, é que o parecer do ministro afeta todos os pisos salariais mínimos que vierem a ser disputados. Barroso e Gilmar manifestam haver uma “inconstitucionalização progressiva” na fixação de pisos salariais nacionais. A posição abre margem para que eventuais novos pisos para outras categorias sejam derrubados pela Corte ou tenham seus efeitos modificados pelos magistrados.
Segundo os ministros, em casos anteriores de fixação de pisos para professores e agentes de saúde, o STF “atuou de maneira deferente ao poder de conformação legislativa” do Congresso Nacional, “tendo em vista, inclusive, o aporte de recursos pela União Federal”.
“Porém, é importante deixar consignado que a generalização de pisos salariais nacionais coloca em risco grave o princípio federativo, que assegura a autonomia política, administrativa e financeira dos entes subnacionais”, afirmaram.
Fachin discorda
Na primeira tentativa de julgar a decisão individual de Barroso, no meio de maio, o ministro Edson Fachin havia divergido do relator.
Fachin votou para que o piso nacional salarial da enfermagem seja aplicado de forma imediata e integral aos trabalhadores da categoria, sem distinção entre servidores públicos e funcionários da iniciativa privada.
O voto é para que “todos os contratos da categoria de enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras, sejam implementados, respeitando-se o piso salarial nacional”, na forma e nos termos das normas aprovadas pelo Congresso sobre o tema.
Ao votar no julgamento, Fachin disse que a discussão envolve negociação sobre piso salarial, “cuja previsão constitucional está expressa” e, sem reserva legal, “tem-se a impossibilidade de que a negociação coletiva sobreponha-se à vontade do legislador constituinte e ordinário, no particular”.
“Ora, o destinatário do direito é o próprio trabalhador e, se o espírito do legislador constituinte foi o de garantir a ampliação da melhoria de suas condições sociais e de conferir maior segurança à negociação coletiva, não se afigura admissível interpretação literal que, ao invés de garantir o cumprimento da Constituição, subscreva a sua própria desconstitucionalização”, afirmou.