Toffoli reforça esvaziamento do piso salarial da enfermagem

Ao propor regionalização do piso, o ministro do STF acrescenta mais um ingrediente da desconfiguração de um piso nacional

Dias Toffoli, ministro do STF

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada contra a lei que estabeleceu um Piso Salarial Nacional para a categoria da Enfermagem vai de mal a pior no Supremo Tribunal Federal (STF). Como se não bastassem os ministros, Luís Roberto Barroso – o relator – e Gilmar Mendes, que o apoiou em seu parecer para esvaziar o sentido da lei, nesta sexta-feira (23), o ministro Dias Toffoli acrescentou ao seu voto a defesa de que o piso seja regionalizado para funcionários celetistas.

A análise foi retomada hoje, após o ministro, que havia pedido vista, devolver os autos. Na prática, ele acompanhou em parte o voto conjunto dos ministros, mas defendeu a medida que derruba o sentido nacional do salário base, que já havia sofrido outras desconfigurações. O ministro Alexandre de Moraes o acompanhou na proposta. 

A presidenta da Federação Nacional da Enfermagem (FNE), Solange Caetanto, explicou ao Portal Vermelho que ainda há o agravante de Toffoli falar em remuneração e não piso, o que favorece salários compostos por gratificações que não são agregadas, mas podem completar o piso. Devido a este processo de desconfiguração da lei, o Fórum Nacional da Enfermagem já havia deflagrado mobilização no dia 28 e greve geral no dia 29 de junho. O julgamento também deve gerar precedente para outros pisos salariais nacionais que vierem a julgamento.

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Em meio às pressões da categoria, Simone Tebet (MDB), ministra do Planejamento e Orçamento, anunciou há dois dias, nas redes sociais, que o orçamento de 2024 prevê a destinação de R$ 11 bilhões de recursos da União para apoiar o pagamento do piso salarial da enfermagem pelos estados e municípios. O Fórum dos trabalhadores tem criticado o Ministério da Saúde por ainda não ter agilizado o pagamento do piso, o que fragiliza a lei no julgamento do STF.

Condicionantes

Barroso e Gilmar votaram pela liberação do pagamento do piso, com condicionantes. No caso de “insuficiência de assistência financeira”, a União deverá providenciar crédito suplementar. Com isso, defenderam que, se o governo não providenciar o suplemento, a enfermagem receberá abaixo do piso previsto.

“Entendo que esse piso deve ser fixado de forma regionalizada, mediante negociação coletiva nas diferentes bases territoriais e nas respectivas datas bases, privilegiando-se, a um só tempo, a autonomia sindical, a liberdade econômica dos empregadores da saúde e as peculiaridades regionais”, escreveu Toffoli.

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Este voto que esvazia a lei tem tido como um repetido argumento, o de que o piso pode levar a demissões em massa dos profissionais. A categoria avalia que esta ameaça patronal do setor privado é um blefe, na medida em que há pessoal mínimo exigido pela Anvisa, que é o que a maioria das empresas cumpre. É como se o aumento salarial viesse sempre acompanhado de demissões obrigatórias de trabalhadores, um argumento que não fica de pé.

Toffoli defendeu em seu voto que, apesar de o piso ter sido fixado como um instrumento de valorização da categoria, pode gerar o efeito contrário e levar à desvalorização desses profissionais, devido a uma possível queda na empregabilidade. Segundo Toffoli, a elevação geral no padrão salarial da categoria sem considerar os cenários regionais induziria empregadores a restringir contratações ou dispensar empregados.

Em linha com Barroso e Gilmar, afirmou que a negociação coletiva prévia é uma “condição procedimental” para fixar o piso salarial. Ele reforçou que a jurisprudência do STF reconhece “a prevalência das convenções e dos acordos coletivos sobre as normas previstas na legislação ordinária”.

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“Sendo frustrada a negociação coletiva, caberá dissídio coletivo, de comum acordo ou, independentemente deste, em caso de paralisação momentânea dos serviços promovida por qualquer das partes”, diz o voto de Toffoli. Este é outro argumento que, segundo os sindicalistas, cria um problema novo para as negociações coletivas, que perdem segurança jurídica quando são definidas acima do piso.

Dias Toffoli pondera que a fixação do piso salarial dos profissionais de enfermagem pela lei questionada desconsiderou as diferenças salariais regionais. “Por exemplo, ao passo que a observância do novo piso salarial dos enfermeiros no estado de São Paulo significaria um aumento salarial médio de apenas 10%, no Acre o incremento equivaleria a 126%”, afirma.

O ministro também mencionou o dispositivo presente no voto conjunto de Barroso e Gilmar a possibilitar a redução da remuneração proporcionalmente à jornada de trabalho no caso de servidores públicos. “No entanto, o entendimento aplica-se a todos os servidores e também para os celetistas”, defendeu Toffoli.

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Voto divergente

Até o momento, apenas o ministro Edson Fachin havia votado para que o piso da enfermagem seja aplicado imediatamente, defendendo a lei aprovada no Congresso Nacional. Ele argumenta que como a discussão envolve negociação sobre piso salarial, cuja previsão constitucional está expressa e, sem reserva legal, “tem-se a impossibilidade de que a negociação coletiva sobreponha-se à vontade do legislador constituinte e ordinário, no particular”.

“A liberdade do empregador, seja ele um ente público ou uma empresa privada, quanto à restrição de direitos fundamentais dos cidadãos trabalhadores, está vinculada e comprometida com a noção de que a concretização dos direitos fundamentais requer a manutenção da rede de proteção social deferida ao cidadão-trabalhador, haja vista que, ausente valor constitucional que fundamente a restrição a um direito fundamental, as medidas restritivas, como é o caso da flexibilização do valor nacional do piso salarial, implicariam desfazimento do sistema constitucional de garantia de direitos sociais trabalhistas, que, em razão de sua condução à elevação da pessoa humana e de sua vida em sociedade, deve servir de orientação à atuação do Estado”, escreveu Fachin.

O ministro pontua que “medidas flexibilizadoras implicariam desfazimento do sistema constitucional de garantia de direitos sociais trabalhistas, e de esvaziamento da orientação à atuação negocial coletiva”.

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Até a tarde desta sexta, os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes haviam registrado seu voto, após Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. O julgamento prossegue no plenário virtual até o fim da noite e deve continuar na próxima sexta (30).

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