Família Merlino x família Ustra: a ditadura volta ao banco dos réus

Testemunhas relataram que viram o jornalista ser torturado por diversas vezes Doi-Codi – Ustra chegou a participar de algumas sessões

O jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto sob tortura no DOI-Codi (Montagem: Intercept)

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) retomou nesta terça-feira (15) um julgamento que põe a ditadura militar brasileira (1964-1985) de volta ao banco dos réus. De quebra, ação joga luzes sobre o que foram os aparelhos de repressão do regime, como o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna).

A família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura, busca restabelecer a condenação do ex-coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores do regime. Militante do Partido Operário Comunista, Merlino foi preso em 15 de julho de 1971. Levado à sede do DOI-Codi, foi torturado por 24 horas e assassinado quatro dias depois.

Merlino não foi a única vítima de Ustra, que comandou o DOI-Codi de 1969 a 1975. Conforme a Comissão Nacional da Verdade, houve 50 mortes nas dependências do órgão, além de mais de 7 mil casos de tortura. Em 1971, agentes alegaram que Merlino teria se suicidado, mas testemunhas relataram que viram o jornalista ser torturado por diversas vezes Doi-Codi – Ustra chegou a participar de algumas sessões. O ex-comandante do DOI-Codi morreu em 2015, e sua família assumiu o caso.

Na primeira instância, os herdeiros de Ustra foram condenados a pagar R$ 100 mil de indenização à família de Merlino e a reconhecer sua participação na sessão nas sessões de tortura que levaram à morte do jornalista. Porém, o TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) derrubou a decisão, reconheceu a prescrição do caso e extinguiu a ação de indenização. Os Merlino recorreram, então, ao STJ, que iniciou o julgamento na semana passada, na Quarta Turma.

Nessa primeira sessão, o relator, ministro Marco Buzzi, votou pela imprescritibilidade de reparação civil por crimes de tortura na ditadura militar. Ao se declarar favorável à indenização, Buzzi exortou: “Ditadura nunca mais!”.

“Vale ainda ressaltar que, neste caso, trata-se de demanda ajuizada diretamente em face da pessoa natural a quem são imputados os atos de tortura”, registrou Buzzi. “No entanto, discussões a respeito de eventual ilegitimidade passiva não foram ventiladas nas contrarrazões ao recurso especial, tampouco foram objeto de análise pelo tribunal a quo no acórdão recorrido, razão pela qual não houve o devido prequestionamento apto a permitir a análise da matéria no âmbito deste tribunal superior.”

A ministra Isabel Gallotti, porém, sinalizou que deve manter o recuo do TJSP. “Embora a Lei de Anistia não tenha impedido a responsabilização civil de agentes públicos que atuaram na ditadura, a sua promulgação representou um pacto social de superação daquele momento político e de pacificação da sociedade brasileira”, tergiversou a ministra. O debate foi suspenso no mesmo dia após um pedido de vista de Isabel.

A Quarta Turma do STJ é composta por cinco membros. Com o empate por 1 a 1 até o momento, qualquer lado – e qualquer família – que conseguir dois dos três votos pendentes celebrará a vitória.

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