Lavagem de terras na Zona da Mata pernambucana expõe violência no campo

Ex-proprietários de engenhos tentam expulsar 1,5 mil famílias das terras por leilões judiciais irregulares e pelo medo; Conselho Nacional dos Direitos Humanos acompanha os casos

Visita a comunidade Fervedouro, município de Jaqueira, região da Mata Sul em 19 de setembro de 2022 - Créditos: Thomas Bauer - CNDH/ H3000

Os conflitos por terra na Zona da Mata de Pernambuco têm deixado um rastro de violência e medo na população. Desde 2021, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) procura atuar na região, após receber denúncias de violações. No ano passado, uma comissão visitou as cidades afetadas que passam uma transformação imposta por antigos proprietários de engenho de açúcar. Estes visam promover a “lavagem de terras” para cobrir débitos com o governo ou dar nova destinação econômica, no caso, para pastagens de bois.

De acordo com apuração da Agência Brasil, as disputas por terra envolvem cerca de 1,5 mil famílias na Zona da Mata sul. O conflito que perpassa gerações teve como um dos casos mais lamentáveis a morte de uma criança de 9 anos assassinada a tiros em 2022, após a invasão de uma residência no Engenho do Roncadorzinho.

Os conflitos acontecem, principalmente, nos municípios de Maraial e Jaqueira, e envolvem as comunidades camponesas dos Engenhos Fervedouro, Barro Branco, Várzea Velha, Caixa D’água, Laranjeira, Guerra e Jaqueira.

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Nestes locais vivem agricultores de até terceira geração e muitos foram ex-empregadas/os da Usina Frei Caneca que ficou devendo créditos trabalhistas.

Partes dos trabalhadores conseguiu na Justiça do Trabalho o direito pelos lotes que ocupavam em decorrência das dívidas nas quais eram credores. No entanto, as “áreas nunca teriam sido individualizadas e desmembradas pela Usina devedora, em desrespeito às sentenças homologatórias de acordos celebrados”, aponta o Relatório Preliminar da Missão realizada pelo CNDH na Zona da Mata de Pernambuco.

Missões nos locais realizadas em 2022 observaram que as famílias estão sendo ameaçadas desde então “de perder suas terras em decorrência do manejo, por grandes empresários locais, em certos casos associados a agentes públicos e políticos, de mecanismos judiciais e extrajudiciais de diversas naturezas”.

Para isso, estes empresários promovem “lavagem de terras” que consiste na “limpeza de engenhos e usinas das suas dívidas para com o erário federal e estadual, esquema este operado por proprietários e ex-proprietários dessas empresas, via terceiros ou “laranjas”, o que contaria com a possível participação de agentes públicos e políticos do estado de Pernambuco”, aponta o relatório.

Este crime tem como finalidade deixar as “terras lavadas” com a chancela judicial para terem outros destinos de interesse econômico.

Entre os mecanismos utilizados para isso, o Conselho destaca a utilização de:

1 – Leilões na Justiça do Trabalho;

2 – Participação em leilões em Execuções Fiscais na Justiça Federal e na Justiça Estadual contra empresas (engenhos/usinas) precedente;

3 – Realização de cessões e transferências de áreas/terras em pagamentos de supostas dívidas ou para uso e fruição, com todos os indícios de fraude, em Ações de Recuperação Judicial;

4 – Sucessivas transferências ou mudanças de razões sociais, com reiteradas alterações/inscrições no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, objetivando obstar/dificultar o rastreio de dívidas e outras obrigações;

5 – Utilização de múltiplas ações possessórias, calcadas em contratos/títulos de posse/propriedade “novos”, em face de camponesas/es, ora de modo individualizado, ora de modo coletivo;

6 – Criminalização das Lideranças dos/as trabalhadores/as.

Assim, as empresas do ramo do açúcar têm se utilizado desses artifícios: entram em falência, colocam as terras na dívida para pagar os funcionários com a recuperação judicial, mas voltam a recuperar as terras “limpas” sem obrigações com os ex-funcionários e com encargos para o governo por meio dos leilões, como exemplo.

Somado a isto observa-se as seguidas violações de direitos humanos como a negação do acesso à educação aos camponeses, água potável, alimentação, saúde, entretenimento, transporte, saneamento coleta de lixo etc. Estas são colocadas como omissões e negligências do Estado que se “mantém no interesse das elites e da burguesia pernambucana e de estados vizinhos”.

Violência

Segundo a reportagem da Agência Brasil, não bastasse o conflito pelas terras a violência tem sido utilizada como instrumento para intimidar e expulsar os trabalhadores. Neste mês de agosto relatos apontam que pistoleiros tem ameaçado com armas os camponeses com a conivência da polícia. Além disso, estavam marcadas ações de reintegração de posse na região.

Neste aspecto, a pecuária tem sido o motivo para que antigos proprietários de engenho queiram as terras dos antigos canaviais para transformarem em pastos.

Os capatazes desses proprietários também atuam destruindo lavouras e jogando agrotóxicos nas plantações camponesas para pressionar pela saída.

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Para completar, a instalação de um frigorífico da Masterboi na região tem contribuído para este cenário de desmatamento para transformação em pasto.

Conforme é trazido, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em seu relatório sobre violência no campo, em 2022, Pernambuco registrou 42 conflitos por terra, que impactaram 4.259 famílias.

Veja aqui as recomendações do CNDH para diversas instâncias do governo sobre o tema.

Para entender melhor como funciona a “lavagem de terras”, assista ao vídeo:

Confira como foi a Audiência Pública sobre os conflitos agrários da Zona da Mata em Pernambuco, realizada no ano passado:

*Com informações Agência Brasil. Edição Vermelho, Murilo da Silva

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