Como a Constituição de 1988 “salvou” a Saúde e a Educação

Em 2022, prefeitos investiram 9,89% da despesa em infraestrutura e em serviços urbanos, 25,49% em Saúde e 26,76% em educação e cultura. O “pacto federativo” protege minimamente as áreas sociais.

O Brasil vivia a segunda metade da década de 1920 quando Washington Luís chegou à Presidência da República e proclamou que “governar é abrir estradas”. Era uma resposta a um de seus antecessores, o ex-presidente Afonso Pena, que, defensor da ocupação do território nacional, dizia que “governar é povoar”.

O mineiro Afonso Pena administrou o País de 1906 a 1909. O carioca radicado em São Paulo Washington Luís ficou no Catete de 1926 a 1930. Eram, ambos, personagem da “política do café com leite”, que alternava o poder na República entre as elites de São Paulo e de Minas Gerais. Mas mesmo dentro um pacto tão longevo quanto aquele havia divergências.

“Governar é povoar, mas não se povoa sem se abrirem estradas – e de todas as espécies. Governar é, pois, fazer estradas”, declarou Washington Luís, que, antes de virar presidente, foi vereador, prefeito, deputado estadual, secretário estadual de Justiça e governador.

Ele também disse que “a questão social é caso de polícia”, mas ganhou apelidos jocosos pela outra citação. Foi chamado de “estradeiro” e “general estrada de bobagens”. Sua fórmula chegou aos governos locais, especialmente em São Paulo. O Plano de Avenidas proposto por Prestes Maia e Ulhoa Cintra, embalado como “planejamento urbano” ou “projeto estrutural”, seguia essa visão rodoviarista, “estradeira”.

Mais de cinco décadas após a deposição de Washington Luís, escorraçado da presidência com a Revolução de 30, o Brasil vivia um boom de grandes obras. Entre os projetos “faraônicos” da ditadura militar, havia, sim, estradas, como a rodovia Transamazônica (BR-230), a ponte Rio-Niterói e a Ferrovia do Aço (neste caso, uma estrada de ferro). O regime dos generais-presidentes ampliou a lista para usinas hidrelétricas e nucleares, entre outros projetos.

Em comum, tanto a República Velha quanto a ditadura sabotaram a saúde, a educação e outras áreas sociais. Para sorte dos brasileiros, entre esses dois períodos, houve a Era Vargas. Lembrado especialmente como idealizador da primeira legislação trabalhista nacional, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), Getúlio Vargas foi além.

Por meio do Decreto Nº 19.402/1930, seu governo “provisório” criou o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, responsável por “todos os assuntos relativos ao ensino, saúde pública e assistência hospitalar”. Em 1953, já em período democrático, a pasta foi dividida em duas – o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação e Cultura (de onde vem a sigla MEC).

Nem por isso a “questão social” ganhou protagonismo nos governos federais – e, por tabela, nos estaduais e municipais. Em 1972, o orçamento para essas áreas permanecia ínfimo. Conforme levantamento do OIM (Observatório de Informações Municipais), as prefeituras destinavam, na época, 27,41% de suas despesas em construção e manutenção de infraestrutura e serviços urbanos, mas apenas 5,67% com saúde e 14,82% com educação e cultura.

Esse cenário não mudou com tal ou qual governante, mas, sim, com a Assembleia Nacional Constituinte 1987-1988. Primeira Carta Magna construída no Brasil com grande participação da sociedade – através de 72 mil cartas, 122 emendas populares e inúmeras ações –, a “Constituição Cidadã” de 1988 salvou as áreas sociais. O texto aprovado reconhece a saúde e a educação como “direitos de todos” e “dever do estado”, além de fixar recursos obrigatórios para sua gestão.

A União deve destinar 15% da RCL (receita corrente líquida) para a Saúde e 18% da RLI (receita líquida de impostos) para a Educação. Os percentuais chegaram a mudar com o nefasto teto de gastos, que vigorou de 2018 a 2023, mas foi substituído pelo novo arcabouço fiscal.

Estados e municípios, por sua vez, passaram a aplicar, obrigatoriamente, um mínimo de 25% das receitas em educação. Iniciativas como o Fundef (Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, instituído em 1996) e o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, de 2006) procuraram qualificar a alocação desses recursos.

No caso da saúde, o avanço maior estabelecido pela Constituição de 1988 – e depois reforçado por medidas como a Emenda 29 – foi o SUS (Sistema Único de Saúde), baseado “numa rede regionalizada e hierarquizada”. O SUS deve receber ao menos 15% da receita corrente líquida da União, 12% dos estados e 15% dos municípios.

Em 2022, segundo o Observatório de Informações Municipais, os prefeitos investiram, em média, 9,89% da despesa em infraestrutura e em serviços urbanos, 25,49% em Saúde e 26,76% em educação e cultura. Eis a vitória da nossa Constituição. O “pacto federativo” vigente há 35 anos não impede um governante atual de abrir estradas, mas protege minimamente as áreas sociais.

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