Brasil corrige meta climática e retoma ambição do Acordo de Paris

Anunciado por Marina Silva, país se compromete em reduzir emissões em 48% até 2025 e 53% até 2023. Pesquisador em direito ambiental explica se metas são factíveis

Fotomontagem: Agência Brasil/Pixabay

O compromisso brasileiro em restabelecer uma agenda climática séria tem sido levado adiante pelo governo federal. Nesta semana, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, anunciou a ampliação de 37% para 48% na meta brasileira de redução de emissões até 2025 e de 50% para 53% até 2030. 

 A correção da meta climática foi realizada durante a Cúpula da Ambição, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA). Com a mudança, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) brasileira, alterada pelo governo Bolsonaro, retorna ao patamar apresentado em 2015, no Acordo de Paris.

Na carta lida, em nome do presidente Lula, a ministra disse: “Não basta zerar o desmatamento para resolver a questão da mudança do clima. O mundo requer uma transição energética mais ampla. O Brasil, que já tinha uma das metas climáticas mais ambiciosas do mundo, decidiu ir além. Tenho a satisfação de anunciar hoje que vamos atualizar nossa contribuição nacionalmente determinada no âmbito do Acordo de Paris. Vamos retomar o nível de ambição que apresentamos originalmente na COP21 e que tinha sido alterado no governo anterior.”

Retomada da ambição

Ao Portal Vermelho, o advogado e geógrafo André Castro Santos, mestre em direito ambiental e doutorando em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Lisboa e em direito ambiental pela USP, explica que o anúncio feito por Marina retoma a meta de 2015 que o governo anterior havia ‘rebaixado’.

André Castro Santos. Foto: Reprodução Redes Sociais

“No governo do Bolsonaro, quando o Brasil fez a atualização do NDC, na prática, foi sempre reduzindo as ambições. Aparentemente não parecia que era isso, mas quando se olhava a metodologia utilizada para calcular a meta era percebido que, no final das contas, em termos absolutos, havia uma redução menor na emissão de gases de efeito estufa. O que a ministra está fazendo, na verdade, é retornando com a meta que o Brasil apresentou em 2015. Isso é muito importante, porque o Acordo de Paris estabelece que é proibido ter um retorno da ambição. Ele coloca que sempre que os países apresentarem as NDCs ou as atualizarem é preciso ter um aumento da ambição”, aponta.

André que é membro da Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action (LACLIMA) e do Conselho Consultivo Acadêmico do Youth Climate Leaders (YCL) salienta que o anúncio é particularmente importante porque, hoje, cumprir o que foi estabelecido há oito anos e próximo da data limite é ainda mais difícil.

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“O Brasil passou pelo governo Bolsonaro, com boiada, desmatamento recorde, sendo que o desmatamento e a mudança do uso da terra são os principais causadores de gases de efeito estufa no Brasil. Então hoje cumprir a meta de 2015 até 2025 é muito mais desafiador do que era na data que a meta foi apresentada. Parece que não se fez grande coisa, só foi reforçada uma meta antiga, mas é um desafio importante, sendo que passamos por um governo que, inclusive, cogitou sair do Acordo de Paris, além do que essa foi uma agenda [ambiental/climática] deliberadamente prejudicada”, afirma.

Cumprir a meta

Ao ser questionado sobre se o Brasil terá condições efetivas de cumprir ao que foi anunciado, o pesquisador lembra que uma porcentagem muito relevante das emissões no Brasil advém do desmatamento e de mudanças de uso solo.

“Caso o Brasil consiga implementar uma política eficiente de redução do desmatamento, e isso passa pela retomada do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) que foi uma das políticas que o Lula colocou logo no começo do mandato dele, pode funcionar. Claro que se o Brasil fizer a transição energética, o Congresso está para regulamentar a produção de energia eólica offshore, esse é o tipo de ação que vai também contribuir. Mas o país não vai conseguir cumprir a meta se não reduzir o desmatamento e isso não é algo que se faz de um dia para o outro”, alerta.

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Segundo Santos, a implementação de políticas públicas em territórios tão difíceis é desafiador, sendo necessária vontade política para seguir com os projetos. Vontade esta que ele identifica no atual governo. No entanto, pondera que 2025, ano em que a primeira meta vence e que está marcada a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP) em Belém, no Pará, será determinante para observar o desempenho do país.

“Existe muita expectativa para ver se o país vai conseguir. Olhando com os olhos de hoje acho que o Brasil está fazendo o que tem de ser feito, se vai dar certo ou não é preciso aguardar”.

Brasil ‘liderança climática’

Sobre o posicionamento do Brasil que visa retomar o papel de liderança das discussões sobre as mudanças climáticas, o especialista em direito ambiental entende que o discurso ‘nacional’ sobre o tema nunca mudou, mas apontas as diferenças de tratamento da questão em diferentes governos.

“A posição do Brasil não mudou em relação ao que sempre foi, que é: preciso de dinheiro para fazer as minhas políticas de mitigação e adaptação e vocês [países ricos] não podem me cobrar, então se vocês quiserem me cobrar primeiro vocês devem me financiar. Esse é um discurso que o Brasil adota desde 92 quando a convenção do clima foi adotada, não deixou de adotar com Protocolo de Kyoto e não deixou de adotar com o Acordo de Paris. A diferença é que o Bolsonaro colocava o dinheiro como condição absoluta: se não tiver dinheiro eu não vou fazer nada. Já com o Lula, a postura desse novo governo é do tipo: olha, estou fazendo até mais do que eu deveria sem financiamento, então com financiamento eu vou fazer muito mais”, interpreta Santos.

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Na sua visão, a dinâmica adotada pelo atual governo é interessante, pois a partir dela o Brasil se aproximou dos outros países Amazônicos pela Cúpula da Amazônia e criou formas de cooperação.

Segundo ele, no âmbito das discussões sobre o clima na COP da ONU os países amazônicos e com florestas tropicais não formam um bloco de negociação. Na convenção do clima o Brasil participa de outros blocos, como o G77 mais China (países em desenvolvimento), às vezes participa com os países da América Latina e Caribe, ou se alinha no grupo chamado ABU (Argentina, Brasil e Uruguai).

“Esses são blocos políticos de negociação na COP, mas os países amazônicos e com florestas, de maneira geral, o que inclui a Indonésia e o Congo, não tem um bloco. Porém estes países tem se aproximado, por isso é possível que nas próximas edições da COP venham a formar um bloco”, projeta.

André e a ministra Marina Silva durante a COP27, realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito. Foto: Reprodução Redes Sociais

Sobre a influência que o Brasil pode ter para contribuir ainda mais com medidas de mitigação de gases de efeito estufa, Santos indica que pode existir uma articulação dentro do G77 mais China para diminuir a resistência que muitos dos países do bloco tem em relação a questão dos combustíveis fósseis, em especial os países árabes e a Índia.

“Acho que uma das coisas que o Brasil pode fazer é, dentro desse bloco, tentar intervir para que compromissos de redução de uso combustíveis fósseis sejam assumidos, o que conta com muita resistência dos países em desenvolvimento”, revela.

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Apesar dessa pretensão, o pesquisador alerta que o Brasil precisa se posicionar quanto à exploração de petróleo em biomas como o amazônico, pois pode ser cobrado por isso.

“Nesse sentido o Brasil adotou uma postura incoerente, porque se colocou como protetor das florestas, precisando de dinheiro, mas ao mesmo tempo quer, como política de Estado, investir em petróleo na Foz do Amazonas. Com certeza o Brasil vai ser cobrado por essa postura. Essa é uma incoerência que a sociedade civil cobra bastante e, certamente, é um ponto que o Brasil será cobrado também na COP”, projeta André Castro Santos.