Ativista argentina sofre abuso sexual e pichação pró-Milei

“Viemos te matar. Eles nos pagam para isso”, disseram os invasores da casa, pichada com a sigla “VLLC”, de Javier Milei. Vítima acusa governo de “terror e crueldade”

Em meio ao negacionismo de Milei, este domingo será de profundo pesar na Argentina pelos 48 anos do golpe que mergulhou o país numa ditadura brutal.

Após ter sua casa invadida na Argentina, uma ativista pelos direitos humanos foi espancada, abusada sexualmente e ameaçada de morte, denunciou o grupo HIJOS (Filhos e Filhas pela Identidade e Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio), que mantém viva a denúncia ao genocídio praticado pela ditadura militar (1976-1983) que levou à execução e desaparecimento de 30 mil oposicionistas no país sul-americano.

Circulando na Justiça argentina há alguns dias, a informação sobre o crime veio à tona nesta quinta-feira (21) através de um comunicado oficial do grupo, esclarecendo que os dois autores do ataque a esperavam regressar do trabalho e a surraram, taparam a boca, vendaram seus olhos, e abusaram dela durante uma hora. Ao longo da sessão de tortura deixaram claro que tudo aquilo tinha um objetivo. No final, após lhe advertir sobre a proximidade da morte, deixaram uma pichação na parede com a sigla “VLLC” (“¡Viva la libertad, carajo!”), slogan popularizado pelo presidente Javier Milei durante sua campanha presidencial no ano passado.

Desde então, a jovem abandonou o local onde morava e buscou refúgio na família. Também largou o trabalho, saiu das redes sociais e não atende mais o telefone. A verdade, diz a ativista de HIJOS, que teve a sua identidade preservada, é que “hoje, em plena democracia, um governo eleito pelo povo permite o exercício do terror e da crueldade através de todos os canais à sua disposição”.

Segundo Agustín Cetrángolo, representante da H.I.J.O.S. na cidade de Buenos Aires, o ataque ocorreu há mais de 10 dias, mas só agora foi divulgado para garantir a segurança da vítima. Ele também criticou duramente o governo de Javier Milei, descrevendo-o como “negacionista” e responsável por promover um ambiente de violência.

“Este é um governo para o qual o termo ‘negacionista’ é insuficiente. Eles são promotores do terrorismo de Estado porque têm um modelo econômico que terá consequências piores do que o do ministro de Economia da ditadura, José Alfredo Martínez de Hoz”, afirmou Cetrángolo em uma entrevista.

“Eu quero que a Justiça identifique os que me fizeram isso, porém também quero encontrar o aparato por trás disso”, declarou, frisando que considera ter sido um ataque à militância dos direitos humanos, poucos dias antes do golpe de 24 de março (o 31 de março brasileiro).

No seu depoimento, a militante diz que sua “vida mudou muito, está totalmente suspensa no ar”. “Conseguiram isso, que é também terror e impunidade. O que acontece se eles me escreverem me ameaçando? Não tenho outra rede além da minha família e dos meus colegas, sou apenas uma trabalhadora. Não tenho nada a esconder, não manipulo informações de poder, só fizeram isso comigo por ser militante”, explicou.

48 anos do golpe, hoje

O ataque ocorre em um momento de crescente tensão política na Argentina, que se prepara para lembrar o aniversário do golpe militar de 24 de março de 1976. O governo de Milei tem sido criticado por minimizar os crimes da ditadura militar e adotar uma narrativa revisionista sobre esse período sombrio da história argentina.

Enquanto o governo planeja uma campanha para difundir sua versão dos acontecimentos durante a ditadura, incluindo depoimentos de ex-agentes de inteligência e de um ex-membro da guerrilha de Montoneros que questiona o número oficial de desaparecidos, grupos de oposição propõem um “apagão” nas redes sociais para não alimentar debates políticos em um momento delicado.

Além disso, rumores sobre um possível indulto para os militares condenados por crimes de lesa humanidade têm causado polêmica. O ministro da Defesa, Luis Petri, negou essas especulações, mas sua aproximação com ativistas pró-indulto gerou controvérsias.

Sob a sombra dos provocadores virtuais

Questionado sobre o seu envolvimento, o presidente negacionista procurou distância do atentado sem expressar qualquer solidariedade. Habituado a responder tudo pelas redes sociais, Milei chamou a atenção ao endossar um ataque à vítima no X. “É incrível que eles usem seus desaparecidos para operar contra o governo. Eles são mais merdas do que se pensa. O bom é que eles têm cada vez menos credibilidade”, diz o post da usuária Lady Market carimbado com um “me gusta” por Milei.

O Lady Market virou tendência pela visibilidade que o presidente lhe deu. O chefe de Estado pensa o mesmo que um tweeter anônimo que expressa atrocidades nas redes, embora se esconda atrás de provocadores virtuais. 

Fernando Cerimedo , o estrategista de comunicação do La Libertad Avanza, foi uma das primeiras vozes do partido no poder a se expressar e encorajou, como o tweeter, a ideia de uma operação contra o governo nacional.

Ainda assim, o partido no poder não repudiou o ataque, nem sequer através do porta-voz Manuel Adorni, que omitiu toda a sua referência na sua conferência de imprensa diária, que teve lugar esta quinta-feira quando a denúncia já se tinha tornado pública.

Repúdio

Encabeçada pelo deputado Germán Martínez, a bancada da União pela Pátria (UP) rechaçou o ato de violência e abuso contra a militante pelos direitos humanos. “Terrível notícia. Fazemos nossas cada palavra do comunicado de HIJOS. Abraçamos nossa companheira com muita força e exigimos uma ação rápida da Justiça. Há 48 anos do golpe e algumas horas antes do 24 de março, dizemos muito alto: Nunca mais!”, enfatizou

Deputado, ex-ministro do Interior e integrante da HIJOS, Wado de Pedro, reiterou que “o povo argentino já disse Nunca Mais!” e destacou que “com quatro décadas de democracia, a violência política é inaceitável”.

O governador da província [Estado] de Buenos Aires, Axel Kicillof, se somou às manifestações populares condenando as atrocidades cometidas. “Repudiamos este fato gravíssimo e exigimos o seu esclarecimento imediato. Não podemos permitir que o ódio e a violência política se instalem em nosso país. Não vamos parar de dizer: Nunca Mais, Memória, Verdade e Justiça, sempre”.

“Este ataque à vida da nossa colega é um ataque político motivado pelos seus direitos humanos e pelo seu ativismo feminista”, denunciou a HIJOS, frisando que dialoga com a recordação do novo aniversário do golpe de Estado de 1976, o primeiro no quadro de um governo antinacional que nega abertamente os crimes contra a humanidade a que as organizações de direitos humanos – como a que integra a agredida -, organizações políticas, sindicais e sociais dirão “Nunca mais” neste domingo, 24 de março.

Com informações da Hora do Povo

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