STF decide que abordagens policiais não podem se basear na cor da pele

Para corte, uso de critérios como raça, sexo, orientação sexual ou aparência é ilegal. Estudo mostra que 51% das pessoas abordadas por suspeita de tráfico são negras

Foto: Divulgação/PC-AM

Em meio a um cenário marcado pela truculência e arbitrariedade em muitas das ações policiais — baseadas, sobretudo, na cor da pele e na condição social dos possíveis suspeitos —, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (11), por unanimidade, que são ilegais abordagens e revistas pessoais baseadas em critérios como raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física. 

De acordo com o plenário da corte, a busca pessoal sem mandado judicial deve estar fundamentada em indícios de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos que possam representar indícios da ocorrência de crime.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, salientou a importância do STF definir a tese de que a filtragem racial é inaceitável. “Nós estamos enfrentando no Brasil um racismo estrutural que exige que tomemos posição em relação a esse tema”, declarou. 

Alvos negros

O entendimento assumido pelo Supremo é central para o combate a abusos por parte das forças de segurança que, historicamente, têm no homem negro, jovem e pobre o principal alvo de suas ações. 

Estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado no final do ano passado mostra que mais da metade (51%) das pessoas abordadas por suspeita de tráfico é negra — brancos são 20%. 

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Além disso, o Ipea mostrou, também, que moradores de bairros mais pobres e periféricos são muito mais abordados do que os que vivem em locais ricos. Segundo o estudo — feito com base em ocorrências registradas em Manaus, Fortaleza, Brasília, Curitiba e Rio de Janeiro, capitais onde houve maior quantidade absoluta de entradas em domicílios — 84,7% aconteceram em bairros predominantemente ocupados por pessoas negras e 91,2% em localidades com renda domiciliar mensal per capita de até um salário mínimo. 

O levantamento conclui que “em se tratando de policiamento em domicílios no contexto da política de drogas, existe uma seletividade sociorracial e geográfica nas entradas em domicílio”. 

No caso de situações extremas, nas quais ações da polícia levam à morte, a situação não é diferente e as principais vítimas são negras. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 83% dos mortos pela polícia em 2022 no Brasil eram negros e 76% tinham entre 12 e 29 anos. 

“Jovens negros, majoritariamente pobres e residentes das periferias seguem sendo alvo preferencial da letalidade policial e, em resposta a sua vulnerabilidade, diversos estados seguem investindo no legado de modelos de policiamento que os tornam menos seguros e capazes de acessar os direitos civis fundamentais à não-discriminação e à vida”, aponta o anuário. 

Caso julgado

O entendimento fixado pelo STF diz respeito a um habeas corpus apresentado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em favor de um homem negro condenado a dois anos de reclusão, por tráfico de drogas, pelo porte de 1,53 grama de cocaína. 

A Defensoria alegou que a prova seria ilícita porque a abordagem policial teria ocorrido unicamente em razão da cor da pele do suspeito.

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De acordo com a corte, no caso em questão, a condenação foi mantida por maioria de votos, uma vez que  prevaleceu o entendimento de que a revista não foi motivada por filtragem racial, mas porque o suspeito tinha uma atitude que indicava oferta do produto em um local conhecido como área de tráfico de drogas. 

Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, que consideraram as provas ilícitas, pois a abordagem teria sido motivada unicamente pela cor da pele do suspeito.

Com informações do STF