Messias Pontes – Blanchard Girão: uma vida de amor e de lutas
Há homens que lutam um dia e são bons; há os que lutam muitos anos e são excelentes, mas os que lutam a vida toda são imprescindíveis. Nesta última categoria se enquadra perfeitamente José Blanchard Girão Ribeiro, uma referência como ser humano e como pro
Publicado 27/03/2007 19:48 | Editado 04/03/2020 16:37
Ainda menino, mesmo sem o conhecer pessoalmente, apaixonei-me por ele ouvindo diariamente A Nossa Palavra, sua crônica que ia ao ar exatamente ao meio dia pelas ondas da Rádio Dragão do Mar, exuberantemente lida pelo radialista Waldir Xavier. Almir Pedreira e Narcélio Limaverde, outros grandes profissionais do rádio, também tiveram o privilégio de lê-la. Era o maior pico de audiência do rádio cearense até que a truculência dos generais golpistas a calou, usurpando o direito do cearense continuar bem informado. Os golpistas calaram a Dragão, mas não calaram jamais a voz deste que foi, indubitavelmente, ao meu juízo, o maior jornalista do Ceará em todos os tempos.Seu espírito de brasilidade era impressionante.
Ao conhecer pessoalmente Blanchard Girão, minha paixão transformou-se em amor porque ele irradiava amor por todos os poros. Amante incorrigível da justiça social, nunca deixou de acreditar que um outro mundo é possível. Mas sabia que não se transforma o mundo sem muita luta. Por isso sua vida foi marcada pelo amor e pela luta. Nunca deixou de defender o seu País e os excluídos. E por isto ganhou também inimigos.
Por ser legalista e democrata, defendeu a posse de João Goulart depois da renúncia do presidente Jânio Quadros. Defendeu também com coragem as reformas de base apregoadas pelo governo Goulart, e sempre condenou com veemência o imperialismo norte-americano, denunciando os vende-pátria e as elites carcomidas nacionais. Suas posições ganharam o coração e a mente de milhares de cearenses que lhe deram um mandato de deputado estadual que ele soube honrar como poucos. Por isso foi preso e teve seu mandato cassado logo depois do golpe de 1º de abril de 1964.
Durante o tempo em que esteve preso no quartel do 23 BC passou por momentos difíceis: seu pai morreu e não lhe permitiram ir ao enterro; sua primeira filha nasceu e a ele foi negado o direito de conhecê-la. Mesmo assim Blanchard continuava firme, discutindo política e dando força aos companheiros que com ele amargavam a falta de liberdade.
Tive o privilégio de conviver com ele durante muitos anos. No jornal O Povo, onde ele era editor-geral; na TVE (hoje TVC), onde ele era o diretor-superintendente; no Sindicato dos Jornalistas, onde era presidente; e nos últimos anos na Sociedade Cearense dos Poetas Vivos, que se reúne mensalmente toda última sexta-feira, em almoço, e ele era um dos primeiros a chegar.
A companhia de Blanchard sempre era prazerosa. Em 1º de julho de 2004 , convidados pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, através do professor Leunam Gomes, Pró-Reitor de Extensão e Desenvolvimento Municipal, fomos, eu e ele, conferencistas da I Roda de Conversa com Radialistas da Zona Norte do Ceará, realizada no Campus da Betânia, em Sobral, oportunidade em que, juntamente com o Monsenhor Assis Rocha, abordamos o tema Ética, Política e Comunicação. Dona Cleide, sua esposa, e o professor Cláudio Régis Quixadá, viajaram conosco. Não deu nem para sentir o tempo gasto na viagem, tal era o prazer de tão boa companhia. Blanchard era o próprio protótipo da ética e ninguém melhor do que ele para falar sobre o assunto para mais de 50 profissionais de rádio de toda a Zona Norte.
Coincidentemente, Blanchard Girão nos deixou no dia em que os comunistas comemoravam os 85 anos da fundação do Partido, no dia em que pioneiramente o Ceará libertava os seus escravos e no dia da fundação da Rádio Dragão do Mar.
Messias Pontes é jornalista