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TV Brasil, três meses de construção democrática

A TV Brasil completa seus três primeiros meses de vida, com uma aprovação por parte da Câmara dos Deputados e novos desafios à frente no Senado Federal, mas já tendo algo de novidade democrática a apresentar na história antidemocrática da televisão bra

Lacunas, incoerências, limitações e insuficiências há. Mas, poderia haver condições para a construção de uma TV em ambiente de perfeição celestial quando estamos imersos numa sociedade violentamente contraditória e desigual, que sequer conseguiu por em prática plenamente uma Constituição que neste 2008 completa 20 anos?


 


Desde que o presidente Lula tomou para si a tarefa de criar algo novo e democrático em comunicação, enfrentando o verdadeiro partido político conservador nacional, a tirania vídeo-financeira, ouvimos muitos absurdos e incoerências — também muitos pleitos corretos, alguns desligados das possibilidades reais de um governo ainda prisioneiro de armadilhas neoliberais plantadas dentro e fora da base aliada.


 


Muitas destas incoerências e absurdos partiram do campo conservador, o que é esperado e previsível, mas outras vieram do espectro das forças progressistas. Por vezes, involuntariamente, se juntam, o que traz prejuízo para a democratização da comunicação.


 


É bem verdade que o Brasil já poderia estar contando com uma TV sintonizada com a Constituição Cidadã desde meados de 2005 quando Lula assinou decreto-lei criando a Rede de TVs Institucionais, RTVIs, uma articulação nacional das várias emissoras do campo público, incluindo repetidoras e geradoras nos municípios, mas a proposta foi logo torpedeada pela Abert, zeladora do monopólio mercantil da TV aberta, e contando até mesmo com a condenação da própria Fenaj, que na época ainda questionava a legitimidade presidencial para tal empreitada através de decreto-lei.


 


O período era confuso para o governo e a proposta foi arquivada para surgir depois da reeleição de Lula, lastreada no Fórum Nacional de TVs Públicas, e com uma decisão redobrada de Lula para alcançar a mesma meta — uma TV nacional não prisioneira da lógica degradante e discriminatória do mercado — agora por meio de uma medida provisória, muito embora o argumento da vinculação à inauguração da TV digital — cuja urgência, forma e conteúdo revelam-se agora cada vez mais insustentáveis — não fosse o fundamental.


 


O Brasil precisava de uma TV de natureza pública e com urgência, não pela TV digital, mas para resgatar a imensa dívida informativo-cultural que se acumulou perversamente contra o povo brasileiro neste meio século de tirania vídeo-mercantil. O Brasil precisa gritantemente de uma reeducação dos sentidos, e esta revolução poderia perfeitamente ocorrer no analógico… Mas, o momento é outro, trocamos de patamar, cabe enfrentar a batalha onde ela está se dando, não onde desejamos.


 


Assim, certos argumentos, emitidos a partir do campo progressista, alegavam haver precipitação na criação da TV Brasil, não computavam toda sorte de abusos contra a cidadania, contra os direitos democráticos, a conivência da TV mercantil com a brutalidade político-cultural da ditadura militar, mais tarde substituída pelo embrutecimento de uma tirania vídeo-financeira cada vez mais sofisticada e há tremenda urgência histórica de combatê-la, gritante urgência!


 


Entre as insuficiências e lacunas da TV Brasil, não está a precipitação. Há atraso diante de uma dívida histórica! A sensibilidade de Lula percebeu isto, apesar dos esforços contrários de boa parte de sua própria assessoria. Afinal, trata-se de um presidente que sofreu na carne a humilhação, o preconceito, a discriminação, a invasão familiar e uma renitente e violenta tentativa de desconstrução de sua imagem pelo partido tele-conservador.


 


Ouvimos aberrações contra a TV Brasil, de que era a TV Lula, de que gastaria dinheiro sem justificação, isso quando é noticiado que o governo gasta cerca de 1,5 bilhão de reais/ano com verbas publicitárias com a mídia mercantil no famoso “paga para apanhar”.


 


Realmente, três meses é período muito exíguo para consolidar qualquer projeto televisivo, sobretudo contando com tanta objeção poderosa, sem ter tido a suficiente oportunidade de experimentação, de formação de quadros, de aprimoramento de linguagem televisiva. E a MP ainda não está aprovada no Senado. Apesar disso, há algo a comparar.


 


Em três meses a TV Brasil não exibiu uma única vez a criminosa propaganda cervejeira que compõe o quadro trágico dos acidentes automobilísticos de jovens seduzidos pelo álcool e pela velocidade, sem contar a estímulo indefensável a este consumo quando a humanidade vai afundando-se na epidemia de diabetes, que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, atinge cerca de meio bilhão de seres em todo o planeta. A programação da TV Brasil está livre desta indecorosa conivência com a destruição da saúde pública! Finalmente, uma TV sem cerveja!


 


No campo da defesa do audiovisual nacional, da defesa da cultura brasileira, a TV Brasil também tem o que mostrar nestes parcos três meses de funcionamento, quando a TV paga exibe, além de maior volume de propaganda que a TV aberta — clara prática de bi-tributação — um índice de 95% de programação estrangeira, oprimindo a indústria nacional e expandindo o desemprego no setor. Comprova-se que a TV paga foi introduzida no Brasil que não pode pagar por ela, caríssima, como parte de uma estratégia de desnacionalização informativo-cultural. Alguns acreditaram que havia democratização nisto…


 


Fazendo as contas, o balanço é positivo para a recém-nascida, que, além de ter exibido obras-primas do cinema nacional, inclusive uma trilogia de Sarraceni durante o Carnaval, democratizando o cinema nacional hoje reduzido a apenas 8% dos municípios brasileiros com sala de exibição (cinema brasileiro ainda é quase clandestino para os brasileiros!), ofereceu também a oportunidade para se apreciar documentários de todos os cantos do Brasil, mostrando o Brasil por inteiro, o multifacético das nossas culturas, o que nada mais é que democracia audiovisual.


 


Aliás, a sintonia da TV Brasil com pontos fundamentais do capítulo da Constituição Federal para a Comunicação, entre eles o da regionalização, deve ser ainda mais valorizada agora que a MP passa ao exame do Senado Federal, a Casa da Federação. É interessante apresentar aos senadores quanto de produção regional foi exibido, quanto da cultura e da história de seu estado foi conhecido pelo Brasil inteiro, enquanto que na TV mercantil, é evidente o predomínio de uma desigualdade regional audiovisual em favor dos estados mais ricos.


 


Somente com o surgimento da TV Senado — que também nasceu sob o fogo cruzado da mídia mercantil, na linha de que “tudo que é público deve ser demolido” —, é que os estados mais periféricos e/ou que foram preteridos no processo de desenvolvimento econômico concentrado e desequilibrado passaram a ter direito de antena, com seus representantes tendo oportunidade de escapar da clandestinidade midiática a que eram submetidos pela mídia do eixo centro-sul, em particular pela TV mercantil, para quem um estado menos desenvolvido só é notícia nas tragédias, no pitoresco, vexatório e humilhante ou nos escândalos de corrupção.


 


Pois a TV Brasil, neste pequeno período de existência, noticiou o Brasil por inteiro, mostrou ao país o bom jornalismo que se faz nas TVs educativas do Maranhão, do Pará, do Paraná, do Espírito Santo, da Bahia, do Sergipe etc. E oferece outra narrativa do Brasil, seguindo os versos sábios da canção “Notícias do Brasil”, que começa dizendo “Uma notícia vem chegando lá do interior, não deu no rádio, no jornal ou na televisão”, e avança até frisar que…o Brasil não é só zona sul”.


 


Isto ficou manifesto especialmente na cobertura do carnaval/2008 quando a TV mercantil repetiu-se, prisioneira do enredo cervejeiro no Rio e São Paulo ou da indústria eletrônica no carnaval baiano, enquanto a TV Brasil ia garimpar o carnaval de Olinda, as particularidades do carnaval com tambor de crioula no Maranhão, ou do Boi-Bumbá no Amazonas. Já é algo do que Lula propunha ao falar de seu sonho de uma TV diferente, com mais informação educativa e cultural, com mais debate.


 


Qual senador deixará de reconhecer que a TV Brasil está mostrando todos os estados, está pagando a dívida da desigualdade regional midiática, de uma regionalização que está na Constituição mas não regulamentada? Um levantamento, minutado, detalhado, argumentado, do quanto se praticou de regionalização informativa ajudará na argumentação política e na qualificação dos debates, mobilizando os estados, as TVs educativas a produção regionalizada neste mutirão nacional para se criar a primeira TV não-mercantil de caráter verdadeiramente nacional, em alcance e significado.


 


E por falar em debate, a diferença de narrativas e de critérios jornalísticos também ficou patente na cobertura do lançamento dos Territórios da Cidadania, apenas para citar um episódio que causou certo frisson até mesmo nas relações entre Executivo e o Judiciário. A TV Brasil ouviu o presidente da República, ouviu o deputado ACM Neto, da oposição conservadora, e ainda chamou para um debate de estúdio, ao vivo, um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e o deputado Chico Alencar, do PSOL, representando, chamemos assim, pelo menos para efeito deste artigo, a oposição de esquerda, com tempos iguais para exposição de suas idéias.


 


Na TV mercantil, a cobertura sem o contraditório e sem debate, primou pelo bordão “É eleitoreiro!”, uma linha editorial ditada pela oposição conservadora. Pode não ser muito, mas é uma diferença narrativa em plena sintonia com a pluralidade pedida pela Constituição. Por que a TV mercantil não cumpre a Constituição?


 


Foram inúmeras as tentativas de desqualificar e de confundir a opinião pública acerca da TV Brasil. Divulgou-se até mesmo o salário de sua presidente, fato que nunca despertou interesse de divulgação dos jornais para os vencimentos dos que comandam e se destacam na TV mercantil. Nem contamos quantas vezes Jabor esculhambou e ironizou a TV Brasil, sem prestar atenção, ele que já foi cineasta um dia, no saldo que ela já tem na defesa (editorial e prática) do cinema brasileiro.


 


Até comentaristas econômicos de alta visibilidade extrapolaram sua pauta específica para condenar a TV Brasil, sim, condenar, não comentar.. Talvez se a assessoria do Lula atentasse para o bem que estes críticos destemperados fazem à sua popularidade crescente, tentariam organizar para que estas críticas, tão rejeitadas pelo povo brasileiro, fossem ainda mais exibidas, com o risco de contribuírem, involuntariamente, para criar um clima ainda mais favorável à continuidade do governo Lula, apesar de não previsto na Constituição.


 


Com salário divulgado nacionalmente, a presidente da TV Brasil, Tereza Cruvinel, aceitou todos os convites para debates, audiências, entrevistas, com um comportamento republicano e cidadão. Não será ofensa comparar: a despeito do poderio político desmedido que a tirania vídeo-financeira detém no Brasil, quantas vezes seus representantes diretos participaram pessoalmente de audiências públicas, têm seus vencimentos revelados efusivamente, atendem convocações para entrevistas, debates e seminários com os setores organizados da sociedade civil, tal como prontamente tem feito a jornalista Cruvinel?


 


Talvez sirva para a meditação dos críticos apressados comparar qual a cobertura que a tirania midiática tem oferecido sobre o julgamento pelo STJ do processo que questiona a legalidade da transferência acionária da antiga TV Paulista para a atual TV Globo SP, nos anos 60, numa operação repleta de irregularidades, conforme perícia executada pelo Instituto Menotti del Picchia, com o uso de até mesmo de CPFs de acionistas, quando esta modalidade de documentação só foi criada pelo estado brasileiro anos mais tarde?


 


Compare-se com a volumosa e negativa cobertura dada à TV Brasil neste curto período de sua existência. Ou seja, a nebulosa formação de um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo está sendo questionada judicialmente e isto não é notícia!!!! Tremendo critério “jornalístico”, não? Vale citar, é a TV Brasil a única emissora brasileira de alcance nacional que exibe o único programa que examina e debate a própria televisão, o “Ver TV”, sob o comando Lalo Leal.


 


É também a TV Brasil a única TV que possui o serviço de ombudsman. Nasce com 50 anos de atraso, mas é que possui maior grau de permeabilidade à sociedade. As outras tiveram meio século de chances de se democratizarem. Seriam incorrigíveis? Haveria alguma malignidade intrínseca na tirania midiática? Será que a concorrência com uma TV de alma brasileira e pública não lhes fará bem?


 


Mas, o questionamento mais sistemático feito pela tirania midiática mercantil tem sido quanto à legitimidade e autonomia da nova emissora, o que nos permite lembrar que jamais se permitiu sequer o simples debate sobre a legitimidade da organização de certos veículos de comunicação no Brasil.Uma caixa-preta indevassável segue desafiando nossa controvertida e raquítica democracia, tanto quanto outros entulhos autoritários.


 


Quantos veículos de comunicação dentre estes que atacam a formação da TV Brasil são devedores da Previdência? Quanto receberam de verbas publicitárias do Estado para fazer, entre outras coisas, a pregação fanática da demolição do Estado, a desnacionalização da Vale do Rio Doce, acintosa mudança do nome da nossa maior estatal para PetrobraX?


 


Bastou o governador Requião ter a coragem inédita de revelar o milionário “mensalão” que a mídia teve em tempos pregressos e anunciar a redução a zero desta controvertida prática de cooptação da mídia pelo poder público (privatizante) para ser execrado, merecendo até uma inusitada sentença judicial proibindo-lhe de “tecer críticas ácidas” a personagens da política.


 


Os governantes eleitos pelo voto não podem exercer o direito de crítica que lhe confere a Constituição, mas os comandantes das concessões públicas, que não foram eleitos, podem tecer “críticas ácidas” à vontade, espancar a imagem seja de figuras públicas (casos Alceni Guerra, Ibsen Pinheiro, etc.) ou de cidadãos comuns (Escola Base). Eis aí o pano de fundo no qual se desenrola a batalha para que o Brasil tenha pela primeira vez uma TV não controlada pelo mercado.


 


Se o Lula, com seus mais de 62 milhões de votos não tem autoridade para submeter ao Congresso a proposta de criação de uma emissora em perfeita harmonia com o disposto na Constituição Federal que preconiza a complementaridade entre os sistemas público, estatal e privado, também cabe perguntar que legitimidade teriam as reduzidas e poderosas famílias que comandam a TV mercantil para, no uso exorbitante de uma concessão de serviço público de radiodifusão, transformarem-se em verdadeiros e atuantes partidos políticos, que, de modo militante, chegaram até a negar editorialmente ao povo brasileiro o direito de assistir as manifestações públicas de milhões de cidadãos pela reconquista da eleição presidencial direta?


 


Trocando em miúdos: mais de 62 milhões de brasileiros elegeram e legitimam a proposta de Lula de criar uma TV Brasil; quem elegeu os comandantes da TV mercantil brasileira e lhes deu o direito afrontar a Constituição como ocorre diuturnamente? Ou seja, quem elegeu a família Marinho para que ela tivesse o poder de fazer e derrubar ministros, de aprovar ou sabotar políticas públicas, de exaltar editorialmente políticas que favorecem os lucros dos bancos e torpedear a CPMF que dava visibilidade à movimentação financeira das grandes fortunas? O que transformou essas empresas em verdadeiros conglomerados de comunicação: eficiência empresarial ou favoritismo creditício que receberam do estado, à sombra da ditadura, usando verbas públicas para o fortalecimento privado?


 


Por último, o frenesi da tirania midiática contra a TV Brasil deve ser compreendido em perspectiva histórica. Lá atrás, na Era Vargas, quando a partir da estatização da Rádio Nacional, transformada em fenômeno comunicativo, com mais 70% de audiência, edificando uma identidade nacional multifacética, na qual cabiam desde Gonzagão, Lupicínio Rodgrigues e Ari Barroso na música, Manuuel Bandeira, Nestor de Hollanda e Carlos Drummond de Andrade na literatura e crônicas radiofônicas, com um sinal que alcançava todo o Brasil e três continentes, sendo a quarta mais potente emissora do mundo, pensou-se também na construção de uma televisão pública.


 


A tirania midiática da época, em nome dos interesses estrangeiros que combatiam a nacionalização das nossas riquezas, a expansão dos direitos trabalhistas e a limitação da imoral remessa de lucros, atos corajosamente assumidos por Vargas, impediu que o povo brasileiro tivesse uma TV com alma brasileira, com missão pública, destinada à reeducação dos sentidos, o que ainda tanto necessitamos na atualidade.


 


O tiro no coração postergou por cinco décadas a conquista deste sonho. Aquela madrugada de 24 de agosto de 1954, banhada em lágrimas e indignação pelo povo brasileiro, foi comemorada com brindes pelo poder externo e pela oligarquia nativa, nela incluída a tirania midiática que ainda viceja nos porões de nossa escassa democracia. Os que construíam pelo denuncismo moralista artificial a campanha do “mar de lama”, continuam a postos, com mais tecnologia, com mais concentração de poderes que antes. Esforçam-se por reeditar modernas campanhas de “mar de lama”.


 


A sabedoria do povo brasileiro os tem frustrado. Espalham idéias para confundir o campo progressista e alguns até abraçam suas teses neoliberais, como, por exemplo, a da extinção da “Voz do Brasil”, cujo resultado, evidentemente, não seria de mais pluralidade ou diversidade radiofônica, mas de mais espaço de programação comercial anti-nacional e de campanhas da tirania midiática.


 


Para um povo sem acesso pleno (e as tiragens estão caindo) a esta tecnologia do século 16, à imprensa de Gutenberg, a extinção da Voz do Brasil significa reduzir ainda mais a presença do poder público nos grotões que há no campo e nas cidades, poder público já tão desmantelado pelo tragédia neoliberal que nos legou este pesado “entulho entreguista”, ainda não removido. Nosso petróleo jorra para fora e engorda lucro dos acionistas estrangeiros da Petrobras, sob aplauso militante e editorial da tirania midiática, que quer impedir a simples existência de uma outra narrativa dos fatos, tarefa que compete à TV Brasil, para fazer cumprir a Constituição.


 


Pela lucidez e rigor intelectual do presidente do IPEA, economista Marcio Pochmann, revelou-se que se o Brasil tivesse seguido a política econômica nacionalista de Vargas teria hoje a terceira maior economia do mundo. Se tivéssemos visto nascer uma TV Brasil há meio século, talvez tivéssemos outros indicadores educacionais, talvez não tivéssemos hoje o cinema brasileiro semi-clandestino em nosso próprio território, talvez tivéssemos seguido outro curso histórico e tivéssemos hoje, a terceira economia do mundo e não um dos mais desconfortáveis e sombrios indicadores de desigualdade social.


 


A tirania midiática sabe o que quer quanto tenta sonegar ao povo brasileiro o direito de ter outra televisão, que não seja de alma mercantil, que não seja racista, que não seja embrutecedora e imbecilizadora, que não seja contra a criança, que não seja apenas “zona sul”, como alerta Fernando Brant.


 


O que realmente incomoda à tirania midiática na proposta do governo federal — emergida a partir de um clamor nacional contra a baixaria na mídia e tendo passado por um Fórum de TVs Públicas, inédito em nossa história — é saber que tal como Lula surgiu como uma novidade na história política brasileira, sinalizando que os pobres retirantes tangidos pela fome e pela indústria da seca também podem fazer política diretamente, sem depender de chefetes e políticos profissionais, a TV Brasil desponta com um potencial de novidade no panorama da comunicação nacional, abrindo espaço para outras iniciativas ainda mais democratizantes, para parcerias com as TVs comunitárias e universitárias, com capacidade de regulamentar a Constituição naquilo que ficou desgulamentado ou foi “regulamentado” pela tirania do mercado, como a coibição dos monopólios, a obrigação de uma informação plural e diversificada, de uma comunicação com missão educativa, como pede o presidente que não teve a oportunidade que todos os outros presidentes tiveram de acesso a um diploma.


 


Basta verificar a que hora da madrugada é exibido os bons programas do Telecurso Segundo Grau, embora também sustentados com verbas públicas. O Brasil que recupera o salário mínimo, criado lá atrás na Era Vargas a contragosto das oligarquias, não pode deixar de aproveitar esta oportunidade histórica de uma mudança civilizatória em sua televisão, hoje controlada de modo insensível e antidemocrático pela tirania mercantil.


 


* Carlos Almeida é membro do conselho diretor do Telesur e dirige o programa Brasil Nação, da TVE (PR)