QUAL O MELHOR CONCEITO DE “TRABALHO ESCRAVO” NA ATUALIDADE?
Bom frisar de início, que a Constituição Federal de 1988 proclama que a propriedade deve exercer sua função social (Art. 5º, XXIII). Por óbvio a utilização do bem para reduzir trabalhadores à condição análoga de escravo faz com que tal patrimônio não produza sua finalidade social, mas sim a um regresso contraproducente e bárbaro
Publicado 28/05/2012 18:11 | Editado 04/03/2020 16:48
Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno de votação a PEC (Projeto de Emenda a Constituição) 438 (o próximo passo é sua votação no Senado).
Na previsão da aludida PEC; constatada a exploração do trabalho escravo, ocorre à expropriação (sem direito de indenização ao proprietário) por parte do Poder Público da propriedade urbana ou rural utilizada para tal fim, sendo a mesma destinada à reforma agrária e programas habitacionais.
Bom frisar de início, que a Constituição Federal de 1988 proclama que a propriedade deve exercer sua função social (Art. 5º, XXIII). Por óbvio a utilização do bem para reduzir trabalhadores à condição análoga de escravo faz com que tal patrimônio não produza sua finalidade social, mas sim a um regresso contraproducente e bárbaro.
Aqueles setores e parlamentares que contestam a lei, a maior parte da chamada bancada ruralista (apenas para identificar a bancada mais resistente ao projeto e não para desqualificá-los), apontam para o fato de não haver definição clara no projeto do que seria trabalho escravo propriamente dito, o que poderia gerar abusos nos atos de expropriação. É plenamente justificado que tal setor queira definições precisas para a possibilidade de perca de bens e isso corresponde ao direito à segurança jurídica, porém, cumpre-se tratar de algumas questões.
A primeira se resume na desnecessidade de temor por quem dá condições de trabalho digno aos operários e camponeses nos termos da lei e do mero senso de respeito ao ser humano e espírito de civilidade. Entretanto, é preciso definir o conceito, especialmente para que não de confunda trabalho escravo com mera infração de normas trabalhistas e para determinar se o critério do trabalho em condições degradantes se torna suficiente para a expropriação do imóvel ou se para tanto existe o requisito indispensável da violação da vontade, ou seja, do labor realizado de forma não consentida pelo operário ou camponês que é obrigado sob coação a trabalhar em condições lastimáveis, sem a possibilidade de exercitar o seu querer e a plena locomoção.
Acredito (torcendo de forma inocente para ver o inverso), que os parlamentares contrários a tal lei tentarão restringir tal conceito ao máximo a ponto de tencionarem uma exigência de condição semelhante aos tempos da escravatura ou algo como o crime de cárcere privado. A meu sentir o excessivo achatamento do conceito legal citado não tem como prosperar, tendo em vista a finalidade da norma e os princípios que a norteiam. A Convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho) define trabalho forçado como “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual ela não tiver se oferecido espontaneamente”.
Em minha opinião, a subversão da vontade é um dos requisitos para o conceito aqui tratado (redução do trabalhador a condição análoga de escravo). Entrementes, existem duas formas de se tolher o consentimento pleno: a primeira por ameaças e coações diretas e a segunda por violações que convencionemos chamar nesse texto de indiretas de subjugação da vontade. Ambas podendo ser exercidas de forma individual ou coletiva (no âmbito meramente pessoal ou pela estrutura social).
Entendo por restrição indireta da vontade, o proveito de situação de hipossuficiência ou miserabilidade para expor o trabalhador a situações degradantes. Assim e, por exemplo, num local com pouca oferta de emprego expor um lavrador a jornada exaustiva sabendo que se tal camponês não aceitar tais condições deploráveis irá ser privado até mesmo de se alimentar, caracteriza uma restrição da liberdade no trabalho e afronta a sua vontade no que diz respeito ao labor.
Desta feita e para mim, o proprietário em situações que tais, terão como caminho seguro e mais coerente, se atentar com acuidade para cumprir as normas alusivas às relações de trabalho que garantam a dignidade do trabalhador, eis que, não vejo como crível a desconsideração da imposição de condições degradantes de trabalho na modalidade da infração indireta da vontade para os fins desta lei, considerados os princípios de Nossa
Constituição e os tratados internacionais por Ela recepcionados, e sua aplicação mais efetiva nos últimos tempos com a prevalência dos direitos humanos. Sobretudo com a gradativa eliminação de conceitos hipócritas e fictícios que desconsideram a realidade social, devendo, porém, o proprietário ter a garantia do devido processo legal para contestar eventuais arbitrariedades.
Autor: Abenur Amurami de Siqueira: Advogado Militante (OAB/MT), Membro da Comissão de Cultura e Responsabilidade Social da OAB/MT e Membro filiado e também militante do Partido Comunista do Brasil.