Um clássico que criticou os poderosos e a escravidão

O último 10 de maio registrou o 430º aniversário da morte de Luiz Vaz de Camões. O estudo da sua obra já foi obrigatório no Brasil. No final do século passado, fez sucesso: a banda Legião Urbana gravou uma canção, Monte Castelo, feita pelo Renato Russo usando a letra de I Corinto 13, do Novo Testamento – “Ainda que eu falasse a língua dos homens…” – e parte do Soneto 11, de Camões –“Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente…”

Quando obrigatório, o estudo da sua obra mais afastava do que atraía leitores para seus versos. Em 1973, Ulysses Guimarães, anticandidato do então MDB a presidente contra a ditadura militar, tinha sua campanha censurada nos meios de comunicação e substituída por versos d´Os Lusíadas nas páginas do jornal O Estado de S. Paulo. Ele desabafou: “Quem mais atrapalha o MDB é o Luís de Camões. Este poeta tem me perseguido desde os bancos escolares, quando eu o achava incompreensível”.

Era o tempo em que na aula de gramática dava-se os versos 5 a 7 da estrofe 51 do canto IV:

O bem co mal, o gosto coa tristeza.
Quem viu sempre um estado deleitoso?
Ou quem viu em Fortuna haver firmeza?

– e se perguntava: Por que tristeza e firmeza se escrevem com z?

Há uma excelente edição d’Os Lusíadas, preparada pela Biblioteca do Exército, com explicações detalhadas dos significados das suas 1.102 estrofes. Um de seus principais estudiosos no Brasil, Afrânio Peixoto, dedicou um de seus ensaios ao tema “Camões, poeta social”. Nele, trata de “um Camões político que nos ensine ou nos distraia gravemente”. Faz uma compilação de vários trechos da obra maior do poeta. Camões tratou, por exemplo, do rei Sancho II:

A rei não obedece, nem consente
Que não for, mais que todos, excelente.

E do D. Fernando:

Remisso, e sem cuidado algum, Fernando,
Que todo o reino pôs em muito aperto.

Num verso, sentenciou: “Que um fraco rei faz fraca a forte gente”. Noutro trecho, lamentou o descaso das classes dirigentes portuguesas com a cultura:

Sem vergonha o não digo, que a razão
De alguém não ser por versos excelente,
É não se ver prezado o verso e rima
Porque, quem não sabe a arte, não na estima.

Poeta que também pegou em armas, destacava, como grande renascentista, a necessidade do saber estar ligado à ação:

A disciplina militar prestante
Não se aprende, senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.

Cantor dos descobrimentos portugueses “em mares nunca dantes navegados”, criticou (Os Lusíadas foram publicados em 1572) a escravidão: “Que se pague o suor da servil gente”. E reclamou dos que vêm “A despir e roubar o povo”, lamentando que

Leis em favor do rei se estabelecem
As em favor do povo só perecem.

É uma obra que merece o título de Clássico, que conquistou. Leia-a! Leia-a!

Em tempo: firmeza e tristeza se escrevem com z porque os sufixos ez e eza, que denotam qualidade ou estado, têm origem na terminação latina itia (Gramática Metódica, de Napoleão Mendes de Almeida).

Singremos juntos em ciberespaços nunca dantes explorados: http://twitter.com/Carlopo

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor