As ocupações vistas de dentro e as lições dos secundaristas
Um dos fatores mais interessantes do ponto de vista social e político que aconteceu (e ainda acontece) ao longo dos últimos três meses sem dúvida tem sido as ocupações estudantis. Com irreverência e muita crítica os estudantes de ensino médio estão dando um banho de cidadania em muito ‘sabe-tudo’ que posa de bom moço, mas que no fundo morre de medo da organização juvenil.
Publicado 24/11/2016 17:02
Para conseguir escrever este pequeno texto, fiz questão de visitar algumas ocupações secundaristas em diversas cidades e dormir em algumas para ver de perto como funcionam.
O primeiro e mais fantástico ponto é a politização dos ocupantes. Todos e todas, de maneira geral, sabem muito bem o que estão fazendo nas escolas e porque estão lá. Debates importantes como os motivos de serem contra a PEC 55, a luta feminista, o combate ao racismo, a importância das organizações estudantis e a batalha contra a LGBTfobia fazem parte do cotidiano dos estudantes.
Sem dúvida alguma o presidente ilegítimo Michel Temer tem motivos de sobra para se preocupar, afinal de contas tem muito secundarista ocupando escola que dá um banho de organização e eloquência em muito ministro do seu desgoverno.
O secundo ponto que acho mais curioso se dá na organização e gestão do espaço escolar. Não se vê lixo jogado pelo chão e salas ou ambientes coletivos sujos, cada um tem sua tarefa e a cumpre com a maior boa vontade, sem fazer corpo mole e entendendo que o não cumprimento de sua parte prejudica a todos que ali estão. Destacam-se também os estatutos das ocupações, não permitindo o uso irresponsável do ambiente escolar, como por exemplo, a proibição de bebidas alcoólicas e cigarros lá dentro.
Este segundo ponto é muito interessante de ser pensado, pois é lugar comum escutar de servidores da educação que os alunos pouco valorizam a escola, deixando-a frequentemente suja ou vandalizada. De maneira fascinante, o que se vê é o contrário, com estudantes cuidando uns dos outros e cuidando (muito) da própria instituição que estudam.
O terceiro ponto se dá na clareza objetiva ao enfrentar diretores e professores contrários às ocupações. De maneira geral, o diálogo existe e os secundaristas só partem para o enfrentamento em defesa de seus direitos de protestar quando se esgotam todas as possibilidades de conversa. Sabemos bem que, infelizmente, ouvir alunos e alunas não faz parte do dia a dia de muitos gestores, ver estes sujeitos que nunca dialogam com ninguém serem obrigados a conviver com quem questiona o status quo é de um simbolismo muito importante para o ambiente escolar.
O quarto e mais importante ponto que pretendo abordar é sobre o que estamos aprendendo com os estudantes de ensino médio que ocupam os colégios é a diferença imensa entre qual o tipo de escola que existe hoje e qual o tipo de escola que eles realmente querem.
Fica muito claro que alunos e alunas gostam muito de suas instituições, adoram ir pra lá e conviver com os colegas, o que eles não gostam é da estrutura hierárquica vencida de ensino que temos. Este é o ponto chave! Nas palestras e atividades das ocupações são muito raras as conversas paralelas e gente dispersa. Tal atitude se justifica porque estas oficinas realmente dialogam com o que o corpo discente escolar almeja!
Além do enorme ensino de cidadania e participação popular organizada, creio que a maior lição que as ocupações tem a deixar para o ambiente escolar, independente de se conseguir ou não barrar esta famigerada PEC 55, é a necessária reforma do ensino médio diferente do que Mendoncinha e o MEC propõem. Os alunos sonham sim com um ensino cidadão que os levem a pensarem por si próprios, tenham como compreender e questionar o que assistem na mídia burguesa e, principalmente, consigam entender porque a escola que tem tudo para ser tão legal tem um ensino tão maçante.
Obviamente que o Ministério da Educação não está disposto a nada disso, afinal de contas o desgoverno Temer quer mais que as instituições públicas se danem. Todavia, os professores e diretores que são capazes de compreender a enorme insatisfação de seus alunos e alunas com tudo que estamos vivendo e aprender que é possível sim lutar por nossos direitos de maneira organizada e responsável podem fazer muita diferença no ambiente escolar futuro.
A escola que tivemos não será a mesma que teremos. Aprender com as ocupações para construir junto com toda a comunidade educacional um modelo novo de ensino pode se tornar não somente uma das pautas imediatas do movimento estudantil, mas de todas as agremiações que defendem a educação pública, gratuita, de qualidade e para todos e todas.
Ver a juventude lutando pra fazer história não tem preço! Vale a pena sonhar, afinal os sonhos não envelhecem!