A pós tá na luta

Em artigo recente veiculado no Vermelho, o economista e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochman, afirma que no médio e longo prazos a falta de trabalhadores especializados poderá ser tornar um problema concreto ao paí

E é justamente a pós-graduação brasileira, constituída ao longo dos últimos 50 anos, a grande formadora dos recursos humanos que se despontam na ciência nacional, transitando na fronteira do conhecimento, imprescindíveis na dinamização da economia e na consecução de um ciclo de desenvolvimento mais duradouro e sustentável ao país.


 


 


Sendo fato que é na universidade pública – por meio de seus programas de pós-graduação – que se desenvolve a maioria absoluta das pesquisas (básica e/ou aplicada) no país, são os pós-graduandos, por sua vez, que conduzem os trabalhos científicos ao lado dos seus orientadores e conselheiros. Daí, desde o início, ao mesmo tempo em que se capacitam, os pós-graduandos exercem papel destacado na execução e manutenção de todos os projetos e trabalhos científicos. Estão presentes diuturnamente nas infindáveis jornadas dentro dos laboratórios, bibliotecas, salas de aula, campos, etc. Em áreas estratégicas como nanotecnologia, fármacos, biotecnologia, semicondutores, entre tantas outras que necessitam cada vez mais de especialistas, nossos heróis anônimos fardados de jaleco não fogem à luta e entram no campo de batalha (mesmo em condições extremamente desfavoráveis se comparadas a de outros países em desenvolvimento como Índia e Coréia), para vencer a guerra contra o atraso científico e tecnológico que ainda nos acomete.


 


 


Na contramão dessa necessidade histórica que se apresenta ao país que tem pela primeira vez a oportunidade de fazer avançar um projeto nacional desenvolvimentista liderado pela esquerda brasileira, ainda vemos patinar uma política plena de valorização da ciência nacional que passa pelo incentivo à iniciação científica e da pós-graduação, que poderia vir no bojo do tão ansiado PAC da Ciência.



 
 



A começar pelo estímulo da iniciação à metodologia científica na graduação ou ensino médio, são poucas e mal remuneradas as bolsas oferecidas tanto pelo Ministério da Ciência e Tecnologia como pelo Ministério da Educação. O aumento do número dessas bolsas segue muito aquém da expansão das vagas nas universidades.


 


 


Mas é na pós-graduação onde a situação se mostra mais desalentadora aos estudantes/pesquisadores. Após uma década com o valor das bolsas congeladas e o número das mesmas (CNPq) ter diminuído durante o governo FHC, os reajustes de 18 e 10% concedidos em 2004 e 2006, respectivamente, são inexpressivos se comparados à inflação desses 15 últimos anos e ante a centralidade desse trabalho ao país que deve ser bem mais estimulado.


 


 


Hoje, um destacado mestrando, geralmente com mais de duas publicações científicas, dois anos ou mais de iniciação científica na graduação, participação com apresentação de resumos em vários congressos e outras atividades devidamente registradas em seu Currículo Lattes, sobrevive em cidades como São Paulo com apenas 900 reais e uns quebrados por mês! Isso tudo com a obrigação de pagar um curso de idioma, publicar, viajar a congressos… Não é por acaso que presenciamos tantos casos de desistência nesse meio, onde cada vez mais se aumentam as pressões e deveres e reduzem-se os direitos e estímulos. E ainda se acontece de um pós-graduando desistir em pleno curso, perderá todo o programa que pode ver cair sua pontuação na temida conceituação da Capes e com isso perder recursos.


 


 


Nesse cenário o que presenciamos é um assédio precoce do mercado de trabalho por esses pós-graduandos que diante da impossibilidade de sobreviver com o atual valor das bolsas, desistem de prosseguir no doutorado trocando-o por um emprego muito melhor remunerado. Perde o estudante que poderia se aperfeiçoar mais, perde a empresa que poderia aproveitar melhor esse profissional num futuro próximo e perde o país que abre mão de um potencial não explorado e cooptado precocemente. Isso quando esse mesmo estudante não migra para outro país na busca de melhores condições.
 



 


E para piorar a situação, o que se passou nesse mês de abril foi uma verdadeira afronta à dignidade dos milhares de pós-graduandos brasileiros. Uma demonstração ultrajante de falta de respeito por parte da Capes e do CNPq justamente contra quem se dedica de corpo e alma à ciência praticamente todos os dias da semana, muitas vezes de forma insalubre.


 


 


Essas agências, de forma irresponsável, anunciaram um reajuste nas bolsas na ordem de 20% a partir de março. Diante dessa promessa os pós-graduandos se programaram contando com esse recurso extra. Mesmo longe do ideal a propaganda de reajuste foi comemorada com alívio por milhares de bolsistas em todo o Brasil.


 


 


Mas para o desespero de todos, o anúncio feito em novembro do ano passado não foi cumprido. Foi propaganda enganosa das agências que no caso da Capes chegou até a estampar orgulhosamente em sua página na internet a benesse concedida aos seus favorecidos


http://www.capes.gov.br/servicos/salaimprensa/noticias/noticia_0867.html).


 


O que é ainda pior é que a grande maioria acreditou na palavra das Instituições e se planejou economicamente contando com esse acréscimo nas bolsas. Cursos de idiomas foram iniciados, livros comprados, materiais de pesquisa adquiridos, contratos de aluguéis renovados… E agora, quem paga a conta? Sobra mais uma vez para o pós-graduando? Ledo engano, quem se endivida é o país que ainda não consegue ver decolar um autêntico Projeto de Nação que necessariamente passa pela valorização e respeito aos seus recursos humanos estrategicamente capacitados tão necessários a qualquer país.
 


 



A indignação é ainda maior pelo fato das agências sequer terem se pronunciado publicamente a esse respeito. Era o mínimo que os pós-graduandos podiam esperar. A constatação do não cumprimento da promessa só se deu na boca do caixa da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.


 


As explicações por parte da Capes podem ser muitas e todas muito convincentes aos mais desavisados: contingenciamento, corte da CPMF, outras prioridades, etc. Todavia, a pergunta que milhares de pós-graduandos fazem é como uma agência da envergadura de uma Capes promete algo desse tipo sem ter certeza suficiente de poder honrar tal compromisso?


 


 


O caso mais vergonhoso foi o que aconteceu na Unicamp, onde a universidade, acreditando na palavra da Capes, depositou as bolsas antecipadamente. Mas para o espanto da própria Unicamp os recursos não vieram e agora todos os pós-graduandos dessa instituição serão obrigados a devolver a diferença.


 


 


O reajuste das bolsas não é uma reivindicação tão-somente do indivíduo pós-graduando, senão um clamor de uma (e para uma) coletividade que precisa ser devidamente valorizada tal como orienta o Plano Nacional de Pós-graduação – PNPG 2005/2010, desenvolvido pela própria Capes.


 


 


Por sinal, é necessário relembrar o PNPG em suas orientações acerca das bolsas: “Recomenda-se uma estratégia de reposição gradual da defasagem do valor das bolsas, de cerca de 50% do acréscimo entre 2005 e 2010”. Tendo em conta que o reajuste de 18% foi anterior a esse período, até agora não ultrapassamos 10% de reajuste. Isso sem falar da Taxa de Bancada que também apesar da recomendação de se “igualar os montantes das taxas de bancada da Capes aos do CNPq”, tal taxa, por parte da Capes, só existe no papel, pois é quase impossível um pós-graduando ter acesso a esse incentivo.


 


 


Nesse sentido, é fundamental a mobilização de todas as Associações de Pós-graduandos (APGs), em conjunto com a Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG) – que deverá buscar apoio de entidades congêneres tais como a União Nacional de Estudantes (UNE) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – em torno de um grande movimento a favor da ciência nacional e pelo cumprimento do Plano Nacional de Pós-graduação e da aprovação do Projeto de Lei dos Pós-graduandos. Todo o Movimento Nacional de Pós-graduandos aposta nessa luta.

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