A verdadeira casta

A Reforma Administrativa coloca em risco a qualidade do serviço público e governo não considera redução de salários dos funcionários do alto escalão, taxação de grandes fortunas ou redução de gastos públicos para bancar auxílio emergencial.

Ilustração: Dalton Vaz

A demonização do serviço público volta à baila. A óbvia necessidade de restabelecer um auxílio emergencial para os milhões de brasileiros vivendo abaixo do nível da pobreza endossa o discurso de quem não entende a máquina pública, ou dos que querem tê-la à mão para empregar cabos eleitorais e afetos políticos. A proposta de reforma administrativa retorna, desta vez justificada pelo fato de que, segundo burocratas de plantão, os funcionários públicos são parte de uma “casta privilegiada” que não sofreu perdas durante a pandemia. Neste caso os ditos privilegiados poderiam ter sua carga horária e remuneração diminuída, o que parece ser a solução encontrada pelo governo. A aprovação de tal reforma pode provocar uma avalanche de reformas nos serviços estaduais e municipais, reduzindo carga horária e remuneração dos trabalhadores, que, em menos horas e com menor salário serão instados a executar o mesmo trabalho que já realizam, sofrendo ainda a ameaça de demissão, perseguições e trabalhando sob a exigência de metas de desempenho.

A qualidade dos serviços públicos que é ofertada à população, ao Estado, a necessidade de ter um quadro ótimo em áreas essenciais ao desenvolvimento do país e no atendimento à população nem sequer é mencionado. O que é costumeiramente ressaltado pela mídia, pelos privatistas e pelos ignorantes é sempre qualquer caso de mau atendimento, quaisquer problemas, quaisquer erros de trabalhadores do setor. Saúde e educação são os preferidos. Professores mal remunerados, estruturas físicas depauperadas, inexistência de equipamentos adequados, salas de aulas lotadas e exigência de uma multifuncionalidade pelos profissionais, este é o quadro da escola pública. Para os privatistas e os sem-opinião própria, nada disto justifica uma greve. A mídia faz questão de ressaltar sempre a prioridade do funcionamento do ensino, as condições não importam. Nem salários atrasados, nem pandemia, nada justifica uma escola fechada, dizem.

Na saúde, nosso tão precarizado SUS, tão amaldiçoado pelos que desejam sua privatização, foi e está sendo fundamental no enfrentamento à pandemia. Os riscos, o desgaste, a dedicação, nada tem valor quando o problema se resume à estabilidade destes trabalhadores. O senso comum construído pela mídia quer atendimento imediato e condições hospitalares ou ambulatoriais impossível a um setor que teve seu teto de gastos limitado e é exposto cotidianamente aos efeitos da corrupção.

Mas este mesmo senso comum idiotizado pelo discurso do funcionário público estável não se dá conta de quem deveria pagar a conta do auxílio emergencial. Prefere desconhecer que estes trabalhadores qualificados estudaram e foram admitidos através de concurso público, uma das raras fronteiras onde a propina e o apadrinhamento não funcionam. Que a estabilidade destes trabalhadores não é um benefício pessoal, mas sim garantia de continuidade e excelência do serviço público.

A desqualificação do serviço público é artimanha de quem o quer privatizado. E o privado já mostrou que nem sempre resolve, que o digam os apagões elétricos no norte do país.

O auxílio deve vir, é necessário e urgente. Existem outras opções. A taxação das grandes fortunas, do escandaloso lucro dos bancos. A suspensão do pagamento da dívida pública com o setor financeiro, a cobrança das dívidas de grandes empresas que devem bilhões, são várias as alternativas possíveis. Nem falo de restringir os gastos desnecessários com festas regadas a picanha, cerveja ou o escandaloso gasto com pizzas, goma de mascar e leite condensado.

E para quem insiste que os trabalhadores do setor público devem pagar a conta, sugiro que esta cobrança seja destinada aos altos escalões: o corte de todos os valores que excedam o teto constitucional. Nos salários de juízes, desembargadores, promotores, militares e demais cidadãos que efetivamente formam uma casta privilegiada neste país. E, quem sabe, uma redução dos benefícios e proventos dos parlamentares ansiosos por resolver o problema, com vistas à 2022, a começar pelo presidente, ministros e secretários.

Uma redução de seus milionários salários resolveria o problema.

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