Antônio das Mortes / Glauber

Todo o contexto brasileiro é abordado por Glauber Rocha, na análise mais séria e profunda que se fez até agora no cinema, dessa realidade: o cineasta divide os personagens, mostrando através deles a “geografia” do povo brasileiro.

O filme de Glauber Rocha, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, é realmente AQUELE FILME. Confesso que não esperava fosse tão bom, pois não gostei de “Terra em Transe”, e também desconfiava, um pouco, da interferência da produção francesa, de Claude Antoine.

Mas Glauber deu mais um “grande salto”, com essa realização; comparo-a em nível artístico ao “A Chinesa”, de Jean-Luc Godard. O cineasta brasileiro adotou o plano-sequência como base da sua linguagem cinematográfica; mas conseguiu imprimir às cenas, independente do jogo de câmera, uma dinâmica notável, que reflete o complexo jogo psicológico que domina os personagens. O folclore – candomblé – entra apenas para objeto de fixação, de contexto regional, mas o fundamental é a luta universal do homem contra a miséria e a injustiça social.

Todo o contexto brasileiro é abordado por Glauber Rocha, na análise mais séria e profunda que se fez até agora no cinema, dessa realidade: o cineasta divide os personagens, mostrando através deles a “geografia” do povo brasileiro.

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“O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” dá margem para estudos alongados (o que não podemos fazer agora), pois cada sequência representa milhões de aspectos do Nordeste: econômico, místico, religioso, psicológico, social etc. A figura de Antônio das Mortes cresce através de sua conscientização provocada pelo diálogo com a Santa e com a miséria; é o próprio “matador de cangaceiro” que se encarna na figura de Lampião, e se transforma, pela consciência, num mito do povo. Coirama, cangaceiro, perde apenas fisicamente a luta contra Antônio das Mortes.  

A Madame, vivida por Odete Lara, é uma figura surrealista e sensacional; sua traição ao coronel, matar o amante, sua “entrega” violenta, ao professor, em cima do cadáver do amante, são momentos de extrema grandeza do filme.

Diálogo de Antônio das Mortes com o Professor, na porta da Igreja do Jardim das Piranhas, antes de enfrentar os jagunços do coronel:

Antônio – Professor, tenho mais coisa pra dizer pro senhor: a gente briga junto nessa luta, mas quer de um modo diferente. Os negócios da política são com o senhor, meu negócio é só com Deus.

Professor – Está bem, Antônio, eu divido o inimigo contigo, Só que você fica com sua valentia, e eu fico na sua sombra.

Antônio – Isso não. Professor luta com as forças das suas ideias, que elas valem muito mais do que eu… 

Jornal do Commercio, Recife, 13.08.1969

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Documentário Festa do Morro da Conceição, de Celso Marconi, 3ª. parte

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