Carter no Oriente Médio

Um dos fatos mais importantes na política do Oriente Médio, ocorrido na semana passada, foi um giro que o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter fez no Oriente Médio, na semana passada. Passou pela Palestina e por Damasco, capital da Síria, que ain

Jimmy Carter


 


A história política desse ex-presidente americano (nascido em 1924) tem a sua marca maior quando ele derrota Gerald Ford nas eleições americanas de novembro de 1976. Ford, como sabemos, era vice-presidente de Nixon, Republicano, que assumiu a presidência quando este renunciou para evitar ser cassado em 1973, no escândalo de Water Gate. Carter o derrota fragorosamente em 1976 e assume a presidência dos Estados Unidos em janeiro de 1997 e governa até 1981. Ele não consegue ser reeleito, pois é derrotado por Ronald Reagan nas eleições de 1980. Ai, a história nós conhecemos bem, o sistema e modelo neoliberal ganham força não só nos estados Unidos, como no mundo todo, pois desde o ano anterior, em 1979, Margareth Thatcher havia vencido as eleições na Inglaterra com o Partido Conservador.


 


 


Carter jogou um grande papel nos acordos de paz de Camp David. Entre 1978 e 1979, diversas reuniões ocorreram por lá, onde participaram o primeiro Ministro de Israel, Mechem Béguin do Likud, partido de extrema direita sionista e Anuar El Sadat, presidente do Egito, cujas terras da Península do Sinai haviam sido tomadas à força por Israel na Guerra dos Seis Dias em junho de 1967.


 


Esses acordos de paz fizeram com que Israel devolvesse ao Egito essas terras. Em troca disso, o Egito reconheceria o Estado de Israel. Foi o primeiro país árabe a fazer isso. Na verdade, até hoje o único que reconhece. Tais acordos de paz renderam duas coisas: o prêmio Nobel da Paz para os três artífices dessa paz muito específica (e discutível inclusive, na medida em que não foram devolvidas as terras palestinas, nem as sírias ao norte de Israel) e a morte de Sadat em um grande e cinematográfico atentado realizado por fundamentalistas islâmicos.


 


Carter enfrentou dois problemas graves em sua gestão no mesmo ano de 1979. O primeiro deles foi a revolução iraniana com a volta de Khomeini ao Irã e a queda da ditadura do Xá Reza Pahlevi, pró-ocidental. Instala-se no Irã uma República Islâmica, parlamentarista. No mês de março desse ano, a embaixada americana em Teerã é tomada por guerrilheiros mujahedins, que fazem 52 reféns americanos. É uma crise que vai durar meses e uma tentativa mal sucedida de libertá-los à força em missão especial com helicópteros, acaba em tragédia, morrendo vários soldados americanos. Isso ai desgastar ainda mais o governo Carter.


 


A segunda crise que ocorre, é a ocupação soviética do Afeganistão. Essa ocupação, dizem alguns analistas, foi para a URSS o que o Vietnã foi para os EUA. Um desgaste imenso. Foi o período que a CIA financiou os guerrilheiros muçulmanos afegãos, sob comando de Osama Bin Laden, para resistirem à ocupação soviética. Era a época que esses guerrilheiros eram saudados pela imprensa norte-americana como “guerreiros da liberdade”, pois lutavam contra a URSS (hoje são todos terroristas).


 


Por fim, ocorreu a guerra entre o Iraque e o Irã, insuflado pelos Estados Unidos e altamente financiados por eles. Foi entre 1980 e 1988. Foi o último ano do governo Carter, que apoiou esse conflito e ajudou a financiar Saddam Hussein, que também, nessa época, era chamado na imprensa americana de “presidente Saddam” (depois que se voltou contra os Estados Unidos virou “ditador”).


 


Não poderíamos deixar de registrar a tal política de direitos humanos implementada pelo governo Carter. Ainda que isso pudesse ter como objetivos atingir a China, como ainda hoje se tenta atingir, especialmente agora com as olimpíadas, isso atingia frontalmente as ditaduras latino-americanas que foram se enfraquecendo, apesar de Reagan em seguida vir a fortalecer algumas delas. Há quem diga que a partir do encontro com Geisel em 1977, teria iniciado o processo de abertura política no Brasil.


 


O giro no Oriente de Carter


 


O que mais surpreende a visita que Carter fez à Damasco é a escolha do país que esta na lista americana dos que apoiariam o “terrorismo”. Encontrou-se com duas pessoas emblemáticas na política do mundo árabe. Uma delas é o próprio presidente da Síria, Bashar Al Assad, que é odiado pelos americanos. E outra ninguém menos que o líder e uma espécie de mentor intelectual do Hamas, que é o Khaled Meshaal, considerado um dos maiores “terroristas” pelos americanos.


 


Ora, aqui vale um registro de nossa parte. Independente das posições políticas pessoais de Carter, que é homem de centro, para o cenário americano e, para nós do Brasil, seria considerado até moderado, atitudes como essa jogam, neste momento histórico, um papel preponderante. Afrontam a política externa estadunidense, colocando-a em cheque completamente. Quase que desautorizam Condoleezza Rice e suas articulações anti-árabes e pró-Israel.


 


 


Carter fez dois pedidos expressos ao líder do Hamas. O primeiro deles é que o grupo libertasse o soldado israelense seqüestrado em junho de 2006, chamado Gilad Shalit. A segunda proposta é que o Hamas reconhecesse Israel. É sabido por todos que a carta de princípios do Hamas, de fundação do grupo, nega o direito de Israel existir. Até mesmo quando de sua passagem por Israel, Carter sofreu boicote do gabinete israelense. O único ministro que aceitou conversar com ele foi Eli Yishai, do Ministério do Comércio, que é ligado ao partido religioso chamado Shas. Ninguém mais aceitou conversar com o ex-presidente americano.


 


A posição de Jimmy Carter foi corajosa. Defendeu que a paz só poderá ocorrer na Palestina quando o Hamas for reconhecido e puder sentar à mesa de negociações e da mesma forma, foi corajoso quando defendeu o diálogo com o Hezbolláh, que atua no Líbano e é de linha xiita. Sem dialogar com esse grupo não haverá acordos e a paz nesse país. A visita foi tão proveitosa nesse sentido, que porta vozes do Hamas acenaram que poderiam, por propostas de Carter, trocar prisioneiros de guerra, guerrilheiros seus presos por Israel em troca do soldado israelense preso.


 


A grande imprensa demonstrou má vontade com essa visita. Mas claro, eles fazem o jogo dos sionistas e de Bush. Anunciaram o fracasso da visita, quando na verdade, houve avanço. O Hamas, mesmo que não reconheça Israel, anunciou que poderia aceitar a decisão de reconhecer, desde que tomadas em um plebiscito que participassem os palestinos e desde que Israel retornem às fronteiras de 1967, que é a grande reivindicação da Autoridade Nacional Palestina, desocupando todas as terras e desmontando todas as colônias judaicas (mais de 230 com 250 mil moradores, ao que acho quase impossível de ocorrer). Mas, foi a primeira vez que veio esse sinal do lado do Hamas.


 


 


Não tenho nenhuma ilusão e não podemos nos enganar e tomar posições sectárias e esquerdistas. Foi positiva essa visita e isso coloca em cheque total a política externa dos Estados Unidos, nos ajuda a ampliar as contradições no campo adversário e colocam Bush e seus acólitos na defensiva e os isolam cada dia mais. Fortalece nosso campo no Oriente Médio. Vamos monitorar os desdobramentos.

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