Decifrando Ahmadinejad
O evento mais importante ocorrido no Oriente Médio na semana passada aconteceu em Nova York, na sede das Nações Unidas, no último dia 3 de maio. Lá ocorreu a Conferência da ONU de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear – TNP, da qual o Brasil e quase duas centenas de países são signatários.
Publicado 12/05/2010 19:06
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Ahmadinejad, Presidente do Irã |
Destacou-se na referida Conferência, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Seu pronunciamento, que nos chega ás mãos traduzidos por Caia Fittipaldi, foi contundente e quero comentar algumas de suas passagens mais destacadas.
A propaganda anti-iraniana
Se fizermos uma pesquisa com cidadãos brasileiros com um nível médio de informação, que assistem a pelo menos um jornal televisivo todos os dias e indagarmos-lhe se acham que o Irã esta produzindo uma bomba atômica, temos a certeza de que a maioria responderia que sim, sem dúvida alguma. É impressionante como os meios de comunicação de massa fazem o jogo do império e do sionismo. E manipulam informações e falseiam fatos e dados. É impressionante, como disse o próprio Ahmadinejad, como estados nucleares pressionam estados não-nucleares a não desenvolverem a sua tecnologia nuclear.
Mas, o mais impressionante é como esses mesmos meios de comunicação à serviço da propaganda ideológica do Pentágono e de Israel, confundem o cidadão comum, embaralhando conceitos como “energia nuclear” e “armas nucleares”! Uma coisa nada tem a ver com a outra. Deter a tecnologia nuclear, nada tem a ver com a capacidade e a vontade de construir um artefato nuclear, uma bomba atômica. E pode não parecer, até por confusão que ambientalistas fazem, a energia nuclear é muito limpa, e não tem comparação com a dos derivados do petróleo, que geram emissões de carbono e são pelo menos seis vezes mais caras.
Assim, todo e qualquer país soberano, com a crise energética e com o encarecimento do barril de petróleo que vivemos hoje em dia, tem o direito de pesquisar e deter o conhecimento da energia nuclear para fins pacíficos, para fins energéticos, medicinais (isótopos radioativos). No caso específico do Irã, é sabido que não há tecnologia para a construção de nenhum artefato atômico. Todas as onze agências de inteligência existentes nos EUA atestam que o Irã não conseguiria fabricar uma bomba em menos de dez anos. Mas, repete-se o mesmo mantra centenas de vezes, que acaba parecendo uma verdade.
O mais irritante nisso tudo – e partindo de um governo como o de Obama que despertou entusiasmo e esperança em milhões de pessoas em todo o mundo – é que a pressão contra o Irã parte do estado mais nuclear da terra, que são os Estados Unidos. No mesmo dia da abertura da Conferência da ONU sobre a revisão do TNT, o Pentágono divulgou o número oficial de ogivas nucleares no arsenal americano: menos que 5.113 ogivas! Assim, a demagogia americana é aberta, descarada, patente. Pressionam países a não deterem suas tecnologias nucleares, mas os EUA são o único país que já usou a bomba inclusive contra populações indefesas, como as de Hiroshima e Nagasaki.
Por fim, há também a questão de Israel. As mesmas agências americanas que atestam que o Irã não tem condições de fazer a bomba são as mesmas que indicam que Israel possui em torno de 80 ogivas! E foram construídas com o apoio tático e logístico dos Estados Unidos.
As propostas que o Irã apresenta
Procuro abaixo condensar as principais propostas apresentadas pelo presidente do Irã. Lamento que, durante o pronunciamento desse importante discurso, diversos representantes diplomáticos de países europeus, retiraram-se do plenário, como que para fazer uma desfeita, uma afronta ao líder iraniano.
1. O atual Tratado deve ser convertido em “Tratado Pró-Desarmamento Nuclear e pela Não-Proliferação” e o desarmamento nuclear deve ser introduzido no centro de todas as disposições e ordenamentos do novo documento;
2. Estabelecimento de um grupo internacional independente com plena autoridade delegada por essa Conferência para elaborar um conjunto de providências e orientações para tornar operativas as provisões do artigo 6º do TNP, incluindo planejamento e mecanismos efetivos para supervisionamento do desarmamento nuclear, que efetivamente evitem a proliferação;
3. Introdução de um conjunto legal, amplo e compreensivo de garantias de segurança, sem discriminação ou precondições, que será vigente até que se complete o desarmamento nuclear, a ser subscrito e respeitado por todos os Estados nucleares;
4. Fim imediato de todos os tipos de pesquisa, desenvolvimento ou “aprimoramento” de armas nucleares e respectivas unidades de produção e armazenamento;
5. Adoção de um instrumento que proíba legal, formal e completamente a produção, o armazenamento, a proliferação, a manutenção e o uso de armas nucleares;
6. Suspensão, do corpo de Diretores da Agência Internacional de Energia Atômica, de todos os Estados que ataquem ou ameacem atacar com armas nucleares;
7. Cessação de todos os tipos de cooperação nuclear com Estados não-signatários do Tratado de Não-Proliferação e adoção de medidas punitivas contra Estados que mantenham cooperação nuclear com Estados não-signatários;
8. Qualquer ameaça de ataque nuclear contra instalações nucleares civis e para objetivos pacíficos será considerada ameaça à paz e à segurança internacionais;
9. Criação de Zona Desnuclearizada no Oriente Médio;
10. Imediato e completo desmonte das armas nucleares dos EUA armazenadas nas suas bases militares e em países aliados, inclusive na Alemanha, na Itália, no Japão e na Holanda.
Algumas conclusões
Não é por acaso que o ódio aos Estados Unidos cresce a cada dia. Um país que possui em sua política externa e sua diplomacia dois pesos e duas medidas. Defende a unhas e dentes Israel, que por sua vez massacra os palestinos. Ajudou esse estado terrorista a desenvolver suas bombas atômicas e sabe que Israel as detém, para ameaçar os países árabes, mas faz vistas grossas sobre isso. No entanto, impede que o Irã tenha a sua tecnologia nuclear para fins energéticos e científicos (medicinais).
Faz ameaça todos os dias em adotar sanções contra o Irã. Sabe que na ONU isso dificilmente passaria. Vai ficando isolado a cada dia. Não conseguiu convencer a China e a Rússia a engrossar seu discurso anti-Irã. Ao contrário. As chancelarias desses dois países – que têm direito de veto no CS da ONU – vêm emitindo sinais de que não apoiarão, sequer, sanções mais brandas e que não afetariam a população, como alguns defendem. Defendem o chamado bib stick (Grande Porrete, em inglês).
Cresce e se fortalece a posição da diplomacia brasileira. Sob orientação do presidente Lula e aplicada corretamente pelo seu competente chanceler Celso Amorim. O Brasil vem angariando a cada dia, mais apoios e simpatias de diversas nações ao seu posicionamento, qual seja, de que o caminho do diálogo é o melhor para este momento.
E não poderíamos ter outra posição. Condenar o programa nuclear do Irã, sabidamente para fins pacíficos e apenas energéticos e científicos, seria condenarmos a nós mesmos. Queremos ser um estado nuclear, mas não queremos a bomba. O Brasil sempre defendeu e implantou com sua diplomacia, uma zona desnuclearizada na América Latina. No caso mais específico do Irã, um país que leva a sua religião islâmica a sério, a proibição de armas de destruição em massa esta até mesmo presente no seu livro mais sagrado, o Alcorão.
Assim, nós, patriotas e democratas de todos os países, devemos cerrar fileiras em apoio às posições do Irã neste momento e da diplomacia brasileira. Não podemos cair em provocações e nem aceitar mentiras e falsas verdades sobre essa questão atômica. Ter e desenvolver energia nuclear nada têm a ver com ter e possuir bombas atômicas. E devemos radicalizar no sentido de exigir o desmantelamento de todos os arsenais nucleares e, em nosso caso do Oriente Médio, exigir que essa região se torne imediatamente uma zona desnuclearizada.