Eleições democráticas nos EUA?

Bipartidarismo financeiro e tradições históricas moldam as eleições presidenciais dos EUA em 2024

Eleitor participa de votação nos Estados Unidos | Foto: Matt Sullivan/Reuters

Assistimos pela TV a complexa e intrincada movimentação que precede a escolha dos candidatos democrata e republicano para eleição presidencial que só ocorrerá no dia 5 de novembro de 2024. O processo estadunidense não é algo simples de compreender, é formado por prévias, delegados e outros detalhes mais.

O forte financiamento privado dos 2 grandes partidos que se revezam no poder do país tira os demais concorrentes de qualquer possibilidade de serem eleitos, causando a quem vê de fora a impressão que o regime eleitoral dos EUA só conta com Democratas e Republicanos, ledo engano. Várias pequenas legendas participam do pleito, mas de maneira protocolar, impera na prática um bipartidarismo financeiro nas terras do Tio Sam.

Trump já concorreu por fora no passado recente, por ter muitos recursos pessoais acabou até aparecendo no processo eleitoral, mas perdeu e terminou por adentrar o Partido Republicano, mudando para sempre os rumos da legenda que ganha conotações de ultradireita cada vez mais com o passar do tempo.

Mesmo assim, as eleições nos EUA são disputadas por dois partidos de direita, que se revezam desde a criação da nação, com visões muito parecidas sobre como devem se relacionar com o resto do planeta, duas legendas imperialistas, comprometidas com os grandes grupos econômicos do país, que financiam suas campanhas com trilhões de dólares (empresas armamentistas, planos de saúde, cigarros, bebidas e similares).

Desde sua concepção as eleições estadunidenses foram peculiares, em 1845 uma lei uniformizou o calendário eleitoral e determinou que o pleito ocorreria sempre na terça-feira seguinte a primeira segunda-feira de novembro, o mês foi escolhido porque as colheitas já haviam terminado e o clima ainda estava bom, permitindo condições seguras nas estradas. Nesta época os EUA eram um país agrícola, cujo meio de transporte se resumia a carruagens e cavalos e apenas os homens brancos tinham direito de votar.

A religião determinou a escolha do dia, votar no fim de semana não era possível, os cristãos guardavam o domingo para prática religiosa, já os judeus o dia sagrado era o sábado. Além disso, a terça não coincidia com a data de encerramento de contas dos comerciantes e nem com a festividade de Todos os Santos dos católicos.

Mesmo mais de 100 anos depois as eleições se mantêm na terça, para facilitar o processa parte dos estados permite a votação pelos correios, tudo ainda manual, com apurações que se estendem por semanas e já marcaram momentos delicados como a disputa de Al Gore com George W. Bush em 2000. Mesmo assim parte do eleitorado acaba tendo dificuldade de exercer seu direito ao voto, a data não é feriado e há filas, o que torna um desafio para os que trabalham colocarem em alguma brecha de intervalo ou horário de almoço a ida ao local de votação.

Através do voto universal e também sem segundo turno, as eleições nos Estados Unidos acontecem em 50 estados e no distrito de Columbia, que conta com a cidade de Washington e não pertence a nenhum dos estados. Os eleitores votam nas chapas presidente e vice-presidente e, em função dessa votação popular, os candidatos adjudicam em cada estado alguns “eleitores premium” (os delegados ao colégio eleitoral), fase que temos acompanhado nesse começo de ano.

Esses “eleitores premium” totalizam 538, variando de quantidade de estado para estado em função da sua população. Cada estado tem delegados e representantes na chamada Câmara dos Representantes, de maneira proporcional a sua população e 2 senadores para cada estado. Há estados assim que mantém altas quantidades de delegados, como Califórnia (55) e Nova York (29), já na outra ponta Vermont e Alasca só tem 3, por exemplo.

Para ganhar o candidato tem que alcançar 270 votos dos 538 eleitores do colégio eleitoral, em todos os estados, com exceção de 2, quem obtém maioria de votos leva todos os delegados, esquema que elimina automaticamente os candidatos dos pequenos partidos e consolida o secular bipartidarismo de republicanos e democratas. Apenas em Nebraska e no Maine os delegados são distribuídos proporcionalmente.

Esse modelo faz os 2 grandes candidatos concentrarem suas campanhas nos 10 ou 12 maiores estados em concentração de delegados e influenciar no resultado final. Como dito aqui, quando um candidato ganha leva todos os delegados dali, não é proporcional na maioria esmagadora das vezes, daí a vitória em delegados de Donald Trump sobre Hillary Clinton em 2016, mas que perdeu nos votos diretos dos eleitores por uma diferença de 3 milhões de votantes, escandaloso.

Há no pleito de 2024 a situação legal de Donald Trump, que responde a uma quantidade imensa de processos judiciais, podendo até ser impedido legalmente de concorrer, sua única adversária republicana restante aposta nisso.

Mas, ao fim e ao cabo, vamos assistir uma eleição entre dois candidatos da grande elite estadunidense. Claro que em tempos de neofascismo e ultradireita isso não é simples, não pela posição “progressista” de Joe Biden (que não existe, diga-se de passagem), mas da postura ultraconservadora e ofensiva sobre os países em desenvolvimento de Trump, isso dá outra qualidade a disputa nos EUA.  Tudo isso muito mais pelo que Trump diz do que pelo que Biden não diz.

Sem ilusões, a democracia dos EUA não é referência para ninguém, perpetua um modelo excludente, dual e que não permitiu em séculos a ascensão de qualquer força política que não fosse democrata ou republicana. Um dualismo inadmissível, financiado pelo setor privado, que não representa um país tão plural e diversificado como os EUA.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor