O engodo da reforma tributária

Há muito tempo que os economistas progressistas temos denunciado a natureza regressiva, injusta e concentradora de renda e patrimônio de nosso sistema de impostos.

Ao que tudo indica, parcela das elites econômicas estão buscando um novo mote para desviar o foco das tarefas mais do que inadiáveis para que o Brasil consiga sair desse jogo de andar de lado e para trás. Lula tem afirmado, um dia sim e no outro também, que o país tem urgência em promover as mudanças necessárias na economia, sempre com o objetivo de promover melhorias na vida da grande maioria da população no curto prazo. Para tanto, é necessário que sejam criadas as condições para uma retomada sustentável do crescimento das atividades econômicas de forma generalizada, com criação de empregos e o aumento da renda.

Para tanto, é fundamental que haja uma redução da taxa de juros. Isso significa uma diminuição da taxa geral de juros, a SELIC – essa mesma que o Comitê de Política Monetária (COPOM) insistiu em manter no nível estratosférico de 13,75% em suas duas últimas reuniões. O colegiado optou pela via da sabotagem explícita, pois estavam cientes de que havia sido eleito e tomado posse um Presidente da República com um programa radicalmente distinto daquele do governo que os havia indicado como membros da diretoria do Banco Central (BC).

Além disso, é essencial que o governo oriente os grandes bancos públicos a reduzirem seus “spreads” nas operações de crédito e empréstimo, oferecendo assim recursos em condições mais aceitáveis do que as taxas abusivas cobradas pela banca privada. Assim, o Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal (CEF), o Banco do Nordeste (BNB), o Banco da Amazônia (BASA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deveriam voltar a cumprir com suas funções sociais e não atuarem em busca de lucros bilionários, como fazem os seus concorrentes privados.

Revogar o teto de gastos e reduzir a taxa de juros

Por outro lado, não existe nenhuma possibilidade de avançarmos em direção a um novo modelo de desenvolvimento nacional sem que haja uma recuperação do protagonismo do Estado. Isso implica em reconstruir tudo aquilo que foi colocado por terra desde o golpe patrocinado contra Dilma Roussef em 2016, quando a sequência trágica dos governos Temer e Bolsonaro levou em frente a destruição do Estado e o desmonte das políticas públicas. Para tanto, é fundamental promover a revogação do teto de gastos e abandonar as demais medidas de austeridade fiscal burra. O setor público precisa voltar a ter a possibilidade de realizar as despesas necessárias para que o Brasil reencontre o caminho do crescimento. Seja pela via do investimento ou pela recuperação dos níveis mínimos de políticas sociais, o Estado precisa voltar a gastar.

Não, não imaginem que eu considere o tema da reforma tributária um engodo. Antes, pelo contrário. Há muito tempo que os economistas progressistas temos denunciado a natureza regressiva, injusta e concentradora de renda e patrimônio de nosso sistema de impostos. Dentre as propostas apresentadas para alterar essa ordem regressiva, encontra-se a “Reforma Tributária Justa, Solidária e Sustentável”, que foi endossada pelos partidos preocupados em se utilizar desse mecanismo para estimular a atividade econômica produtiva e promover a redução das profundas desigualdades que ainda são uma triste marca de nossa sociedade.

No entanto, esse tipo de debate sobre a mudança na ordem da nossa tributação encontra enorme resistência por parte das classes dominantes e enfrenta bastante dificuldades para avançar em sua tramitação no interior do Congresso Nacional. As mudanças que envolvam alterações no capítulo da ordem tributária da Constituição Federal, por exemplo, exigem a sistemática de 2 votações com maioria de 3/5 em cada uma das casas do parlamento. Por outro lado, o chamado princípio da “anualidade” determina que as mudanças na matéria só possam ser aplicadas no exercício seguinte. Assim, o impacto desse tipo de alteração levaria um tempo considerável para que seus efeitos sejam efetivamente sentidos na vida real e nas próprias contas públicas.

É bem verdade que medidas menos ousadas, como a simplificação tributária e a substituição do IMCS estadual por um imposto de valor agregado (IVA) são necessárias e benvindas. No entanto, não é disso que depende a retomada imediata do crescimento econômico. Criar toda uma expectativa na sociedade de que as coisas só “passariam a funcionar” depois que o Congresso Nacional aprovasse a reforma no sistema de nossos impostos apenas cria uma cortina de fumaça sobre as necessidades mais imediatas no campo da economia. Com toda a certeza, mudanças na ordem tributária colaboram. Porém, elas não possuem, no momento atual, esse condão mágico de abrir todas as portas para a economia voltar a crescer. Convenhamos que não é apenas por causa de algumas distorções no sistema de tributos que o capital privado tem deixado de investir na economia real, por meio de novos empreendimentos produtivos e geradores de empregos.

Reforma Tributária como cortina de fumaça

É por isso que a estratégia dos setores que não querem que nada mude no sentido da desconcentração e da equidade aponta para a necessidade da Reforma Tributária como pré-requisito para qualquer processo de retomada do crescimento. A Ministra do Planejamento, Simone Tebet, já percebeu que esta pode ser uma boa tábua de salvação para quem não deseja mexer uma palha sequer na rigidez da austeridade fiscal e no arrocho monetário de juros elevadíssimos. Para ela, a reforma tributária seria a “vacina econômica” e a “única bala de prata” para a retomada do crescimento. Ora, a subordinada de Lula já vem apresentando, desde o início do governo que mal começou, aquilo que chama de “divergências com o Presidente Lula” e com os demais membros da equipe econômica. Falou sobre isso de forma explícita, vejam só, no seu discurso de posse ainda em janeiro. E vem se manifestando a cada novo dia sobre o tema, como nesse encontro com lideranças empresariais na Câmara de Comércio Brasil Estados Unidos, realizado em meados de fevereiro.

Fica difícil imaginar que ela passe a defender alguma posição favorável a uma ordem tributária que finalmente passe a incidir sobre as rendas elevadas, os ganhos fáceis do financismo, os lucros e dividendos ou sobre os ganhos exorbitantes do agronegócio. O discurso fácil e enganador das elites contra a suposta “elevada carga tributária” não menciona o fato de que os verdadeiros contribuintes de nosso País são os setores mais pobres, que pagam o tributo sobre consumo ou na fonte sobre a folha de pagamento. Os setores do topo da pirâmide da desigualdade choram de barriga cheia e fazem demagogia com o bolso alheio, pois são eles os maiores beneficiados pela isenção e pela prática da sonegação deslavada ou a cientificamente programada, sob o pomposo nome de “planejamento tributário”.

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Assim, o verdadeiro engodo do momento é desviar a atenção das tarefas mais urgentes e imediatas na área da economia. Ao invés de jogar as energias nessa jogada diversionista da reforma tributária longínqua e de difícil aprovação com a atual composição do Congresso Nacional, o governo e as forças progressistas deveriam concentrar suas baterias em promover a redução das taxas de juros, em avançar na recuperação do poder de compra do salário mínimo e em obter folga na austeridade fiscal para que possam ser executadas as tarefas emergentes pelo setor público. Esse é o melhor caminho para acelerar o crescimento, gerar emprego e reduzir as desigualdades.

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