O etanol é nosso!

Foi equivocada a histórica campanha do “O Petróleo é Nosso!” defendida por amplos setores da sociedade brasileira há mais de 50 anos atrás? Teria sido Monteiro Lobato um inimigo do meio ambiente e da biodiversidade por ter lutado pela soberania energética

Merece auto-crítica o decisivo papel jogado pelos estudantes, com a UNE à frente, através da Comissão Estudantil de Defesa do Petróleo que pressionou o então presidente Getúlio Vargas a criar a Petrobras? Uma resposta afirmativa a qualquer dessas perguntas é facilmente refutada por quem ao longo dos anos viu o Brasil atingir a auto-suficiência desse combustível fóssil, desenvolver a tecnologia mais avançada em prospecção em águas ultra-profundas do mundo e a Petrobras se tornar a maior empresa brasileira e grande impulsionadora da economia nacional que além de petróleo também produz conhecimento e tecnologia para exportação. A história se encarregou de mostrar quem estava com a razão.


 


 Entretanto, o que hoje é praticamente um consenso (inclusive entre a direita que na campanha presidencial até pousou vestida com a logomarca da estatal e jurou de pés juntos não privatizá-la) em torno do êxito da política energética nacionalista adotada há décadas atrás, no passado foi alvo de disputas renhidas e por muitos anos reinou a polêmica. Sempre foi forte a pressão dos entreguistas que desejavam oferecer nossas riquezas minerais ao capital externo subestimando a capacidade do povo brasileiro em assumir para si a responsabilidade de explorar, produzir, refinar, transportar, armazenar e distribuir esse combustível como faz hoje com muita eficiência.


 


As elites usavam todos os expedientes possíveis, por vezes cooptando até mesmo setores da esquerda, e contando com o apoio da grande imprensa para defender a abertura completa do país ao capital estrangeiro para a exploração do nosso petróleo, defendiam abertamente que o país não possuía recursos e tecnologia para investir nas modernas técnicas de prospecções que os países desenvolvidos dominavam inteiramente. E não foi isso que vimos desde a criação da empresa em 1953. No ranking mundial a Petrobras se tornou a 14ª empresa entre todas as companhias de petróleo e a 7ª entre as de capital aberto.


 


Obviamente a utilização do petróleo traz grandes prejuízos e riscos ao meio ambiente desde o processo de extração, transporte, refino, até o consumo, com a produção de gases que poluem a atmosfera e os freqüentes vazamentos em grande escala de oleodutos, navios petroleiros e até plataformas inteiras avariadas. Muitos foram os acidentes em território nacional que se configuraram como desastres naturais (notadamente na época FHC em que vários serviços da Estatal foram terceirizados).


 


Hoje é a vez dos biocombustíveis – sendo a bola da vez o etanol, principalmente agora por ocasião da visita do presidente George Bush -, ser motivo de controversas entre setores do próprio movimento social popular. A direita também se divide entre aqueles que como no passado duvidavam da competência brasileira e agora questionam a capacidade do país emplacar o uso dessa energia que promete revolucionar a política energética mundial e aqueles que vislumbram uma grande oportunidade de investimento em culturas inseridas na chamada agroenergia.


 


Por sinal, o Programa Nacional de Agroenergia e a liderança inconteste da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na área podem contribuir para o país aumentar suas relações comerciais com outros países que têm carência de outras fontes de energia. Exemplo simbólico é Benin, país africano onde 70% da energia consumida é originária da floresta.


 


Para setores do campo democrático, progressista e patriótico, tal como na campanha do “O Petróleo é Nosso!”, o momento atual deve ser o de reivindicar o programa do Biodiesel e apoiar que o etanol brasileiro seja comercializado dentro de uma perspectiva de defesa de nossa soberania, de geração de empregos, na contribuição ao desenvolvimento de países pobres (principalmente da África e da América Latina), na diminuição do aquecimento global e no desenvolvimento sustentável de nossa economia baseado em um plano capaz de envolver os principais agentes desse projeto que é o povo brasileiro, rompendo com os interesses específicos do latifúndio e dos grandes empresários. Nesse sentido é fundamental a transformação do etanol em uma commodity energética para diminuir as barreiras comerciais ao produto, o que deve ser energeticamente reclamado.


 


Todavia, os rumos da definição da matriz energética estão em disputa e uma posição omissa, derrotista ou esquerdista pode ser fatal para que o país, além de abandonar um caminho de vanguarda, adote um modelo refém dos interesses do grande capital.



  
 Na atualidade o Brasil tem uma chance de ouro para investir fortemente nos biocombustíveis e na agroenergia, sem prejuízo ao necessário controle da exploração agrária e da definição das matérias primas utilizadas (entre elas as que apresentam aspectos sociais importantes, baseada nas culturas alternativas). Uma chance histórica de investir em um projeto energético auto-sustentável, propiciando a geração de renda com inclusão social, pois como bem afirma o Ministro Celso Amorim, os temas centrais pautados nas reuniões do G8 (o grupo dos países mais desenvolvidos) têm sido a mudança do clima e a energia, o que converge ao etanol. Para o economista Luis Nassif “é aí que o Brasil poderá se tornar um parceiro estratégico. A questão do etanol e da bioenergia abre espaço para a colaboração em diversas outras áreas, como a pesquisa em biotecnologia, informática e outras correlatas…”


 


Ninguém em sã consciência defende ou prioriza pesquisas com alimentos essenciais à cesta básica na produção de biocombustíveis como fazem os Estados Unidos com o milho. É totalmente descabido para o Brasil o aproveitamento de culturas com alta cotação no mercado internacional e de interesse a nossa soberania alimentar, tais como o milho, soja, algodão ou feijão, para a produção de biocombustíveis. Temos uma grande potencialidade para aproveitar outras culturas que ademais têm grande impacto social como são os casos da mamona, dendê, babaçu, buriti, macaúba (que inclusive está em extinção em várias regiões do país), pequi, pinhão manso, jojoba, canola, girassol, entre outras, em um zoneamento agroecológico que pode abranger todo o território nacional.


 


 No caso do etanol, com a exploração da cana de açúcar, é preciso que os movimentos sociais identifiquem e centrem a denúncia no problema fundamental que historicamente persegue essa cultura, ou seja, o latifúndio enquanto classe social e o seu manejo predatório que e em vários casos persiste ainda hoje apesar de várias novas técnicas e métodos culturais. Cuba, por exemplo, durante a década de 60 e 70 foi o maior produtor mundial de cana e continua sendo hoje grande plantador, o que não tira o mérito desse país enquanto uma nação preocupada com o nível de vida de seu povo e o meio ambiente.


 


 Recordemos Lênin que certa vez, em plena NEP (Nova Política Econômica), para reforçar a importância da questão energética no desenvolvimento das forças produtivas e consequentemente na sobrevivência do novo regime, definiu o socialismo como “o poder soviete e a eletrificação de toda a Rússia”. Cuba nomeou o ano passado (2006) como o “Ano da Revolução Energética”. Coréia do Norte não abre mão de seu projeto nuclear. A China construiu a maior represa hidrelétrica do mundo, mesmo com grandes impactos ambientais, no ano passado. O petróleo para a Venezuela continua sendo o principal produto comercial assim como para a Bolívia é o gás. Enfim, a questão energética é vital e estratégica a qualquer país e não deve ser movida por devaneios líricos, principalmente quando se apresenta a oportunidade histórica para o Brasil desenvolver uma energia considerada limpa, como é o caso do etanol, que pode apresentar ganhos ambientais (seqüestro de carbono e menor níveis de emissão na utilização), renovabilidade (ciclo curto de produção e um processo controlado pela intervenção humana), vantagens econômicas com grande impacto na balança comercial e benefícios sociais (geração de empregos e desconcentração da renda).


 


 Uma visão estritamente apaixonada, movida por ilusões e idéias desconectadas do mundo real pode vir a servir aos interesses daqueles que se opõem a integração energética na América Latina com o Brasil exercendo papel protagonista.


 


 O movimento estudantil, tal como no passado, pode dar grande contribuição para reivindicar um programa energético soberano, inovador e ecologicamente avançado. Os estudantes que estiveram na linha de frente da campanha que criou a Petrobras e na defesa do monopólio estatal nos anos FHC, podem hoje ajudar a escrever mais uma bela página ao defender, dessa vez, que também o etanol é nosso!

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