O quadro político e sua complexidade

Ao tempo em que as mobilizações pelo impeachment se intensificam, procurando unificar as diversas forças oposicionistas, as forças de centro e centro-direita se movimentam intensamente com vistas às eleições de 2022

Fotomontagem feita por Artur Nogueira com as fotos de: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr e Josiah Lewis/Pexels

Ao tempo em que as mobilizações pelo impeachment se intensificam, procurando unificar as diversas forças oposicionistas em um grande ato no dia 15 de novembro, as forças de centro e centro-direita se movimentam intensamente com vistas às eleições de 2022. Procuram, acima de tudo, manter a maioria na composição bem como o comando do Congresso na próxima legislatura de forma que, independentemente de quem seja o vitorioso na eleição presidencial, necessariamente tenha que negociar com eles para assegurar um mínimo de governabilidade.

Durante quase 20 anos, o campo de centro-direita foi assumido pela aliança PSDB e Democratas, antigo PFL. Até 2014, a hegemonia e comando ficou por conta do PSDB, tendo, o Democratas, um papel coadjuvante. Com a radicalização promovida por esse campo, com apoio da mídia e de parcela do Judiciário, que resultou no golpe de derrubada do governo Dilma, acabaram também por promover a extrema-direita, dando-lhe a vitória em 2018 com a eleição de Bolsonaro.

O crescimento de uma determinada força política não ocorre pela criação de um espaço novo, mas representa uma alteração na correlação de forças onde uma passa a ocupar o espaço até então ocupado por outra. A ação golpista da centro-direita a levou a perder espaço político eleitoral, que foi então ocupado pela extrema-direita. Mas este não foi o único movimento decorrente desse processo. No próprio campo da centro-direita houve deslocamento de forças. Já nas eleições de 2018, o PSDB mostrava uma tendência de queda e o DEM, de ascensão, e essa tendência veio a se confirmar nas eleições municipais de 2020. A conquista da hegemonia no campo da centro-direita rendeu ao DEM o comando das duas casas do Congresso nos primeiros dois anos e do Senado neste segundo biênio.

A ascensão da extrema-direita não se deu exatamente por meio de um único partido, mas diluída em diversas legendas tidas como de aluguel. A maior beneficiada foi a do PSL, que elegeu a segunda maior bancada da Câmara Federal. A fracassada tentativa de Bolsonaro e dos militares de unificar a extrema-direita em uma única legenda, uma espécie de reedição da Arena, levou o PSL a um racha do qual o DEM agora tira proveito, atraindo os sociais liberais para a constituição de um novo partido.

Lideranças do DEM e PSL aprovam fusão I Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Certamente, a fusão dos dois partidos provocará defecções, mas a União Brasil terminará a legislatura como a maior bancada da Câmara, com a atração de outras figuras de peso do campo da centro-direita e talvez até mesmo da extrema-direita. Já se anunciam as possíveis filiações de Moro e de Alckmin numa provável tentativa de construção da terceira via, mas que provavelmente não se concretizará. De qualquer forma, caso a candidatura de Bolsonaro à reeleição se inviabilize em decorrência de um impeachment ou outra circunstância, a União Brasil entrará com força como o polo a rivalizar com a esquerda, atraindo para sua influência as elites e a extrema-direita. Na hipótese de Bolsonaro se manter até 2022 e disputar a reeleição, certamente a estratégia da legenda será a de manter ou ampliar a bancada, pois sendo a maior do Congresso, será o fiel da balança, independentemente de quem seja eleito. Nesse sentido, tanto pode lançar candidatura própria para a presidência quanto pode se manter neutra. O objetivo principal estará focado na composição do Congresso, transformando-se no porta-voz exclusivo do neoliberalismo.

Ao centro, ganhou protagonismo o PP quando emplacou Artur Lira na presidência da Câmara e, posteriormente, com a imposição de Ciro Nogueira para a Casa Civil. Com o comando da Câmara e a coordenação de governo, passou de coadjuvante a um papel central nas articulações eleitorais para 2022. Tenta uma fusão ou formação de uma federação com o PL, ao mesmo tempo em que tenta atrair a filiação de Bolsonaro. A sua grande jogada é tentar segurar os ímpetos de destempero do capitão ao tempo em que se transforma no articulador da pauta neoliberal no Congresso. Com isso, pretende provar para as elites que é capaz de obter sucesso naquilo que os militares fracassaram, ou seja, tutelar e controlar Bolsonaro. Dessa forma, esvaziaria a possibilidade de uma terceira via e recolocaria o genocida como alternativa ao antipetismo. Atrairia de imediato o Republicanos e possivelmente outras pequenas legendas do campo, formando uma grande bancada unitária, independentemente do resultado presidencial. Tal articulação, no entanto, tendo a reeleição de Bolsonaro como polo agregador, esbarra em resistências no Nordeste e no agravamento da crise econômica, que corrói a popularidade do governo.

Ciro Nogueira e Jair Bolsonaro I Foto: Isac Nóbrega/PR

Na centro-direita, o PSDB enfrenta violentas disputas internas e dificilmente terá um papel protagonista em 2022. Mantém governos estaduais importantes como os de São Paulo e Rio Grande do Sul, com os dois governadores disputando a indicação de candidatura à presidência, porém nenhum deles decola nas pesquisas de intenção de votos. A expectativa de liderar uma terceira via talvez tenha sido definitivamente esvaziada pela fusão do DEM com o PSL. Ao mesmo tempo, vê o crescimento do PSD de Kassab, que ameaça rivalizar e assumir o papel da social-democracia neoliberal que até há pouco ocupava. Já o PSD, à medida que demonstra intenção de definitivamente se afastar do bolsonarismo, tende a sofrer defecções, mas também acena ceder a legenda a lideranças como Alckmin e Pacheco. Nesta faixa, o PSDB tende a ver em 2022 sua bancada ainda mais reduzida, ao tempo que o PSD deve manter seus 32 parlamentares e talvez até crescer.

Eduardo Leite e João Dória I Fotos: Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini; Governo do Estado de São Paulo

Também ao centro, quem definha é o MDB. De protagonista na redemocratização e Constituinte e depois tendo se transformado no pêndulo que definia os rumos políticos nos diversos governos que se sucederam, vê agora os demais partidos do Centrão tomarem seu lugar. Com diversas defecções de figuras históricas como Roberto Requião, deverá ter sua bancada de parlamentares ainda mais reduzida. De grande partido nas últimas três décadas e meia, passou à condição de partido médio em 2018 e poderá ainda se ver reduzido a pequeno em 2022.

No campo da esquerda, quem mais se encorpa é o PSB com aquisições como Freixo e Dino. Muito provavelmente verá sua bancada aumentar, assim como o PT, caso se confirme a candidatura de Lula à presidência. O Psol pode ter certo crescimento devido aos resultados obtidos em 2020, mas também pode sofrer alguma redução, a depender do quadro que venha a se formar, de forma que a sua participação em uma federação seria uma medida de cautela. O PDT, em que pese a candidatura de Ciro Gomes, não apresenta sinais de que possa ver crescer sua influência eleitoral. Os demais partidos, incluindo o PCdoB, terão seus desempenhos influenciados em decorrência das federações que possam vir a constituir. De toda forma, ainda que o campo de esquerda venha a crescer, dificilmente chegará a constituir uma bancada com um terço dos parlamentares.

Flávio DIno, Lula e Ciro Gomes I Fotos: Governo do Maranhão; Paulo Pinto/PT e PDT

Este quadro demonstra que a eleição presidencial não é uma situação definida, como alguns acreditam e, ainda que uma candidatura de esquerda venha a obter uma grande vitória, terá que governar com um Congresso predominantemente de centro e centro-direita. Gostem ou não os puristas, composições serão necessárias. Se não para ganhar a eleição presidencial, serão fundamentais para governar. Constituímos um presidencialismo de coalizão e temos que encarar esta realidade.

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