“O Sequestro do Metrô 123”: dourando a pílula

Com o uso de tecnologia de comunicação, frequente em seus filmes, o diretor britânico Tony Scott, a torna um dos centros da trama em que os dois personagens principais enfrentam dilema de consciência e tentam se recuperar por meios ilícitos.

O diretor inglês, Tony Scott, tem fixação em tecnologia. Em “Inimigo de Estado”, quando o GPS ainda não era uma febre, ele o usou para mostrar como ela poderia ser útil ao aparelho de segurança. Em “O Sequestro do Metrô 123”, refilmagem da obra homônima do estadunidense Joseph Sargent, ele se vale dela para desenvolver uma narrativa em que ela é um dos centros da trama. Em dado momento, o espectador acompanha a ação em três níveis: o da central de controle do metrô, o do notebook do sequestrador e da internet em que, através do celular do adolescente sequestrado, a polícia acompanha o desenrolar da ação no interior do vagão do metrô. Ela se transforma, então, num personagem do filme, que faz a mediação entra as partes. Atestando, sem dúvida, sua importância nos tempos atuais em que cada pessoa se mantém linkada à outra, via rede de telecomunicação.

Diante disso, “O Sequestro do Metrô 123” poderia ser um filme de ficção científica, mas é um daqueles thrillers que prende o espectador na poltrona do princípio ao fim. A tecnologia, ainda assim, é um meio, não um fim. O roteirista Brian Helgeland, a partir do romance de John Godey, faz sobressair dramas humanos que contribuem para tirar a narrativa da aridez dos filmes de ação atuais. Nestes, toda a trama se resume em explosões, corpos voando e acertos de contas em câmera lenta. O que move os personagens se limita a uma ou duas frases, enquanto eles entram e saem de armadilhas. Inexistem traços psicológicos, histórias pessoais bem caracterizadas. Isto acontece muitas vezes, em obras do próprio Scott, como no citado “Inimigo de Estado” e o recente “Dejavú”. O que Helgeland evita desde o instante em que o controlador Walter Garber (Denzel Washington) atende à ligação do chefe do grupo de sequestradores, Ryder (John Travolta), dando início aos impasses.

Personagem simpático tem seu lado sombrio

A partir daí, o aparato tecnológico intermedeia o vai-e-vem da negociação até o momento em que as contradições humanas lhe sobrepõem. O filme então cai no lugar comum. Garber, personagem bem construído, cheio de dilemas éticos, se metamorfoseia num arquétipo – o do mocinho que persegue o bandido até o duelo final. Ele deixa de ser frágil, vulnerável, para ser uma fortaleza inexpugnável, comum a milhares de filmes hollywoodianos. No início da trama, Garber é um ser simpático, que se submete à rotina do trabalho com bom humor. Nada parece lhe preocupar, até que algo suspeito começa a ser mostrado no painel de controle. São pontos que devem se mover e não o fazem. Igual à camada submersa que ele procura negligenciar. Mas ela virá à tona à medida que se desenrola a negociação com Ryder. E ele deixa de ser o trabalhador público exemplar para se transformar num ser vulnerável, nas mãos de Ryder, de seus superiores e do tenente Camonetti (John Torturro).

Uma metamorfose adversa à de tantos filmes thrillers, cuja partida é a do ser acusado por um crime que não cometeu. E luta desesperadamente para provar sua inocência, a exemplo dos heróis dos filmes de Hitchcock (Thornhill (Cary Grant), em “Intriga Internacional”, Balestreros (Henry Fonda), em “O Homem Errado”). Toda a barreira montada por ele, a fim de preservar sua imagem de profissional exemplar se esboroa de forma inusitada. Não pelos meios normais aos quais se acostumou o espectador, pelo contrário, a dupla Scott/Helgeland a estruturou como se tratasse de um dilema moral. Um acerto de contas entre o católico Ryder e o descrente Garber. Para Ryder o ato cometido por seu interlocutor deve ter razão acima das motivações comuns. Algo que ele cometeu e que só a confissão o redimirá do pecado cometido. Dá-se entre eles, então, uma tensa e desbragada discussão, em que Ryder exerce todo o poder de que se investira naquele momento. Da chantagem, inclusive.

Existe identidade entre Ryder e Garber

É uma sequência que tira “O Sequestro do Metrô” da linha dos thrillers comuns. Ryder quer mostrar a Garber que ele não é pior dos que os cercam. Principalmente quando lhe pergunta por que agiu daquela forma. Ele então expõe os motivos que o colocaram sob investigação de seus superiores. E Ryder o exime de qualquer culpa. Há íntima identidade entre eles. Ryder vive dilema semelhante e usa de meios condenáveis para punir a sociedade que o privou de seus “privilégios”, como agente da Bolsa de Nova York. O faz se investindo de um poder gerado pela exigência de recompensa e ameaça de executar reféns. Um tipo de poder normal neste tipo de situação, quando suas “normas” se sobrepõem às da autoridade de fato. Isto é reforçado quando o prefeito (James Gandolfini) se interfere nas negociações, vendo que suas manipulações são insuficientes para demovê-lo de seus objetivos. Notadamente porque os meios tecnológicos dos quais dispõem os igualam – ambos podem ver e avaliar a reação e manobra do outro.

Ryder, em princípio, uma voz, é cria do sistema que o engendrou. Inteligente, como logo reconheceu Garber, determinado, cruel, transforma prefeito, Garber, polícia, sequestrados em seus servos. Com todo falatório sobre ética, moral católica, sua única realeza é o dinheiro. Sabe os limites que este lhe impõe e apenas por tê-lo nas mãos já o satisfaz. Niilista, unilateralista; se dá ao luxo de em pleno sequestro, acompanhar as cotações de ações na Bolsa. Um personagem que em determinadas sequências é tão só um traço. Em outras circunstâncias, feito por um ator menos carismático, se perderia. Talvez Helgeland devesse ter-se debruçado mais nele, dada à sua riqueza históricopsicológica. Como Garber, nas sequências finais, acaba virando um arquétipo – do bandido cuja inteligência é esmaecida, justificando a frase de Camonetti, de que alguém inteligente não faria uma besteira daquelas.

Scott e Helgeland tentam tornar Garber aceitável

De repente, o espectador pode ter a visão de que ele deveria ter escapado ao clichê hollywoodiano. Ter-se enredado no próprio esquema que montou. O dinheiro poderia levá-lo ao impasse, pois se trata de alguém acostumado a operar o pregão da Bolsa. Em “O Samurai”, o diretor francês Jean-Pierre Melville cria um desfecho em que o assassino profissional Jef Costello (Alain Delon), dominado pelo ódio, acaba executado. Costelo perdeu, assim, toda a frieza que o caracterizava e caiu no lugar comum, devido à sede de vingança. Com Ryder ocorre o contrário, ele não cai na própria armadilha. Nenhum fato que o faça perder sua característica de bandido lhe é acrescentada, para tirá-lo da imagem de personagem raso. Ele é tão só alguém que desafia o mocinho quando se vê encurralado.

Com Garber ocorre diferente. A dupla Scott/Helgeland está sempre lhe acrescentando novas camadas. Ele, repetidas vezes, liga para a mulher para tranquilizá-la. Sendo esta uma forma de tornar seu erro aceitável para o espectador. Ele cometeu algo grave, normalmente atribuído apenas aos servidores públicos dos países subdesenvolvidos, mas ter combatido Ryder pode redimi-lo. Daí, os diálogos banais. Até sua mulher, impaciente com a situação por ele vivida, lhe dizer que os sequestradores do Pelham 123, o trem 6 do metrô, eram terroristas. Para ela, quem ameaça um grupo de pessoas só pode sê-lo – ele, no entanto, tenta demovê-la da idéia sem sucesso. O que leva o espectador a sentir a confusão existente na cabeça dos estadunidenses, vítimas da paranóia criada pelo governo Bush, ainda não abandonada. Garber, desta forma, torna-se o cidadão comum em meio a uma sociedade em conflito com sua própria visão de mundo.

Internet linka adolescentes e expõe os sequestradores

No entanto, nesta trama cheia de personagens que se desmancham em dilemas aparentemente morais, dois merecem destaque: os teenagers, adolescentes, Geo e sua namorada. Desde o início, eles se mantêm linkados, trocando confidências até que se dá o sequestro. O que era antes privado, à medida que a trama avança; se torna coletivo – ela, a namorada, se descobre em meio a uma situação limite, com o amado preso no vagão. A subtrama, antes descolada, se linka à trama central, criando um vértice interessante. A ligação amorosa entre dois adolescentes passa a ser transmitida para um público mais amplo, reforçando a narrativa. Belo achado, distante do lugar comum das sequências finais, por ter a dupla Scott/Helgeland preferido um desfecho que satisfaz a certo código ético, para não dizer saída fácil para tema difícil.

Este desfecho, pode sentir o espectador, esvazia o andamento do filme, cuja narrativa até as sequências finais fugia à trama dos thrillers correntes, ainda que não escapasse às famigeradas cenas de carros incendiados, correria louca pelas ruas, tão comuns ao cinema desde os filmes mudos. Elas não geram mais emoção alguma, viraram, como se tem afirmado nesta coluna, cenas de videogame. Parece haver tendência de Scott em conservá-las. Não foge nem dos cortes rápidos, das cenas de videoclip, herança de seus tempos de publicitário, com seu irmão Ridley Scott. E do trato da cor (veja “Sede de Viver”), do clima ditado pelo uso de lentes, dos enquadramentos em plano aproximado. Ditam certo ritmo, mas cansam, quando usados em demasia. Em “O Seqüestro do Metrô”, está mais contido, atento à trama, rica e nuançada, embora com os deslizes já apontados. Não é de se desprezar. Se não se for fundo demais, dá para se divertir.

“O Sequestro do Metrô 123”. (“The Talking of Pelham”). Thriller suspense. EUA/Reino Unido. 2009. 121 minutos. Roteiro: Brian Helgeland, baseado no romance de John Godey. Direção: Tony Scott. Elenco: Denzel Washington, John Travolta, John Torturro, James Gandolfini.

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