O teatro do absurdo no 11 de setembro

Do ataque aos símbolos dos EUA, o reforço dos símbolos que construíram aquela nação: guerra, medo e desprezo pelas outras nações

Fotomontagem feita com as fotos de: Reprodução

Para além do egocentrismo norte americano, o 11 de setembro é uma data que precisa ser lembrada. Não exclusivamente pelo atentado contra as Torres Gêmeas de Nova Iorque e, posteriormente, ao Pentágono, assim como ao voo da United que atingiu o solo em um lugar ermo, em suposta ação heroica de “bravos” patriotas. O buraco é bem mais embaixo.

Longe de querer endossar teorias bizarras da conspiração que diz que o ataque foi armado pelo próprio Estados Unidos da América, é preciso entender os símbolos por traz daquele fatídico dia, seus desdobramentos e o que a história guarda ainda de mais grave sobre essa data de números quase cabalísticos. Os Estados Unidos construíram sua história sob a sombra de guerras e de medo. O medo de um eterno ataque. Antes, dos malvados comunistas e suas bombas atômicas. Pior! Da bomba soviética Tsar, um monstro de 58 megatons – equivalente a 58 milhões de toneladas de TNT – que fazia o estadunidense médio mais caricato perder o sono, em noites de verão lotadas de mosquitos e insetos, principalmente na Flórida, ali tão pertinho da “Ilha do Mal”: a Cuba de barbudos revolucionários.

A Guerra Fria era quente no imaginário popular norte americano, porque assim era construída pelos governos e órgãos de propaganda. Manter a população sob eterno alerta de destruição total, era manter sua população cativa, mansa e refém do poder oficial. E mantê-los sob essa paranoia, também reforçava o âmago da ideologia estadunidense: “querem destruir os EUA porque somos o maior país do mundo. A maior democracia do mundo. Porque somos o mais alto grau de exemplo do que é a cultura ocidental.” Vimos discursos assim, no 11 de setembro, não esqueçam.

A banda punk californiana, “Bad Religion”, cantou na música “American Jesus”, em forma de ironia ao etnocentrismo e senso de superioridade do americano médio. Em tradução livre: “Eu sinto pena da população da Terra, porque muitos poucos moram nos EUA. Pelo menos os estrangeiros podem copiar nossa moral. Eles podem visitar, mas não podem ficar. Apenas alguns preciosos podem acumular nossa prosperidade. Isso nos faz andar com confiança renovada. Nós temos um lugar para ir quando morremos e o arquiteto mora bem aqui. Nós temos o Jesus Americano, encorajando a fé nacional. Nós temos o Jesus Americano, subjugando milhões todos os dias”.

Os milhões de subjugados pelos EUA todos os dias, presente na música, não são apenas os latinos, imigrantes e os negros, subjugados a uma vida de cidadãos de segunda classe. Mas também as milhões de pessoas dos países periféricos que ao longo da história experimentaram o sabor amargo e ferruginoso de sangue, das supostas ações humanitárias americanas, em derrubadas de governos, apoios e financiamentos de grupos paramilitares.

Protestos em razão da morte de George Floyd, nos EUA I Foto: Simon Dawnson/Reuters

Como no 11 de setembro de 1973, no Chile, com o golpe militar financiado também pelos EUA, em que enfiaram goela abaixo uma política econômica ultraliberal, através da figura de Milton Friedman e a cartilha de uma escola de horror de Chicago. Políticas que nunca seriam postas em prática numa democracia. E o que parece paradoxo, não é: o neoliberalismo precisa de ditadura ou destruição institucional de um país, para que seja colocado para funcionar.

Mas o ataque nunca chegava. Não numa proporção que fizesse os EUA pararem, assim como o mundo, sempre ajoelhado aos pés do império – reflexo no espelho do que queriam ser. E ele veio como tiro pela culatra no dia 11 de setembro de 2001. Um novo milênio bem diferente dos que, nos anos da Guerra Fria, achavam que seria. Sem carros voadores e totalmente refém de combustíveis fósseis.

A Al-Qaeda de Bin Laden, que recebera ajuda e financiamento dos EUA no fim da década de 1970 e durante os anos de 1980 para lutar contra os soviéticos, já em solo afegão e aliada ao Talibã, também criado a partir dos mujahedin, que também receberam armas e financiamento americano com o mesmo propósito, se voltava contra o seu dono. Não se mostraram cativos como o americano médio. Não! A coleira já havia sido jogada fora há tempos e agora o vira-latas acuado dava um xeque-mate em pleno solo americano, como um Kasparov do terror.

E o que se seguiu, como respeitando um roteiro certeiro, atingiu os chamados símbolos daquele país. Primeiro as Torres Gêmeas em Nova Iorque, símbolo de Wall Street que é a própria alma americana. Depois, o Pentágono. Símbolo do poderio militar estadunidense. E até o avião que caiu em solo, depois de suposta ação “heroica” de americanos patriotas, caiu perto de outro símbolo: Camp David, que é uma famosa base militar, que também serve de local de estadia de presidentes americanos e que serve de tempos em tempos de local para acordos políticos, como as “tentativas de paz” entre a autoridade palestina e o governo israelense.

Pronto! O grande ataque à “maior nação do mundo”, contra a “maior democracia do mundo” e o maior “símbolo” da cultura ocidental do mundo, finalmente aconteceu. Agora, pelas mãos de malvados terroristas, criados pelo próprio EUA. E o eterno medo de um ataque iminente e sua resposta como guerra, voltou de forma muito eficaz ao imaginário e cotidiano do estadunidense. Primeiro em forma de vingança. Depois em forma de ódio ao muçulmano. E sempre, mantendo sua população cativa.

Osama Bin-Laden e Ayman al-Zawahiri I Foto: Reprodução

E como o medo e a guerra movem a economia dos EUA, não seria diferente. E aí veio a invasão ao Iraque sob falso pretexto e o roubo descarado de petróleo, afinal, ainda somos reféns de combustíveis fósseis, lembra? E aí veio a Primavera Árabe e a destruição de países – alguns antes aliados – e uma crise humanitária sem precedentes. Assim como muitas tentativas de derrubar o governo venezuelano, país que não coincidentemente tem a maior reserva de petróleo do mundo.

E agora, com a saída do Afeganistão e a volta do Talibã, provando que nunca estiveram interessados no povo afegão. Afinal, o grupo fundamentalista já oprimia mulheres e executava pessoas em estádios antes do ataque de 11 de setembro. E de repente, ali, logo após os atentados, parece que os acharam novamente no mapa, como num passe de mágica. Que coisa, não?

Não precisaria dizer que sinto pelas vítimas e suas famílias. Isso deveria ser o óbvio. Gente, que também é vítima dessa logística de caos, guerra, medo e terrorismo do próprio EUA. Milhares de pessoas esmagadas não só por toneladas de concreto e aço, como também pelas ilusões vendidas em comerciais de TV. E os sobreviventes todos ali, cativos e inertes. Todos ali, querendo eterna vingança. É que a máquina de propaganda deles é tão poderosa quanto sua máquina de guerra. E as duas andam juntas e se retroalimentam. São essenciais uma a outra.

Como, em uma das brilhantes aulas magnas de Ariano Suassuna, ele definiu: “Antigamente, para conquistar e subordinar um país, os Estados Unidos mandavam exércitos. Hoje, mandam Michael Jackson e Madonna”. Na verdade, eles mandam ainda os dois. Arte pop descartável, Hollywood – ainda existe? –, e guerra direta ou indireta.

Em tempo: Não! O 11 de setembro não foi o maior ataque terrorista da nossa história. O maior e mais covarde ataque terrorista se deu no fim da Segunda Guerra Mundial, quando os EUA lançaram bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, matando centenas de milhares de pessoas totalmente indefesas. Uma covardia que ainda não foi superada. Como escreveu Vinicius de Moraes depois: “A rosa hereditária, a rosa radioativa estúpida e inválida. A rosa com cirrose, a antirrosa atômica”.

Talvez o medo de uma bomba soviética na Guerra Fria fosse peso na consciência? Só talvez. Porque parece, que consciência, continua sendo algo que eles como país e instituição histórica não têm. O que pode converter o único país a usar bomba atômica contra população civil na história da humanidade, na maior nação psicopata do planeta.

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