Os donos da Praça da República

A bordo do frescão para o Aeroporto de Guarulhos, nesta clara manhã de setembro, a câmera do celular Sony-Ericson (3,2 pixels – ótima resolução, dizem) apontada para o buquê de rosas vermelhas abandonado a poucos metros da lixeira, tudo parece preparado p

Enquadramento perfeito. Luminosidade adequada. Assim, em diagonal, as rosas quase murchas em primeiro plano, a lixeira como pano de fundo. Contraste: rosas ofertadas por amor condenadas à sarjeta.


 


 


É o momento do clique. Mas eis que pombos em grupo chegam sem avisar e formam uma roda de ciranda em torno do buquê. Barulhentos. Nervosos. Intrometidos: impedem o ângulo da foto, relegam o buquê a um obscuro e injusto segundo plano. Movimentam-se em moto contínuo, como que a impedir que ao fotógrafo reste o ângulo de visão mínimo de que precisa.


 


 


O tempo passa. O ônibus partirá às 6,40. Faltam apenas dois minutos. – Saiam, intrusos de uma figa! Um buquê de rosas abandonado numa manhã de sol vivo na Praça da República é um acontecimento importante, uma tragédia sentimental que há de ser documentada para sempre. Deixem que esse modesto e emocionado observador do alvorecer paulistano faça a foto. Por que não dão uma volta, por um minuto que seja?


 


O motorista liga o motor. Engata a marcha, dá a saída. Agora não dá mais. Perderam-se o ângulo e o ânimo. Foram-se o poema e a foto. O ônibus se afasta lentamente. Da janela dá para ver que afinal os intrusos, em discreta revoada, se deslocam num rasante com destino à cúpula do edifico do Colégio Caetano de Campos, na esquina da praça. Conseguiram impedir o registro daquele caso de desamor e desesperança, donos que são desta Praça da República acolhedora do prazer e da dor, do sonho e da infelicidade humana.

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